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Encontro com secretário-geral da OCDE inaugura parceria da organização com a USP

por Mauro Bellesa - publicado 07/05/2021 13:00 - última modificação 12/05/2021 16:36

o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, foi o expositor principal do encontro online "OCDE e USP: Reconfigurando o Mundo a partir do Conhecimento", no dia 6 de maio.

Angel Gurría - 6/5/2021
Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, durante sua exposição no encontro

Apesar de ainda não ser membro da Organização para a  Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é como um “membro da família” e parcerias com instituições brasileiras permitem que a organização trabalhe com e para o país na construção de uma sociedade mais inclusiva e resiliente, afirmou o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, em sua participação no encontro online OCDE e USP: Reconfigurando o Mundo a partir do Conhecimento, no dia 6 de maio.

Segundo Gurría, entre os países parceiros da OCDE, o Brasil é o pais que mais tem aproveitado desse relacionamento e investiu em várias áreas de políticas públicas para se aproximar dos padrões da organização. Como exemplo, citou projeto lançado em outubro que está ajudando a alinhas as políticas brasileiras aos padrões ambientais da OCDE.

O encontro online com Gurría, que deixará a Secretaria-Geral da OCDE no fim deste mês, depois de três mandatos consecutivos de cinco anos, celebrou o início da cooperação entre a organização e a USP. Gurría será pesquisador do IEA em breve. Além do secretário-geral, fizeram exposições o delegado do Brasil nas Organizações Internacionais Econômicas sediadas em Paris, França, embaixador Carlos Márcio Cozendey, e o reitor da USP,  Vahan Agopyan. A mediação foi do coordenador-geral do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacint) do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, Alberto Pfeifer.

Na abertura, o diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski, destacou que a cooperação entre a USP e a OCDE iniciada com o evento é fundamentada pela preocupação comum das duas instituições em promover a produção de conhecimento "para avançarmos para uma sociedade humana prospera e em harmonia com a natureza".

Ele destacou o significado do slogan da OCDE, "Melhores Políticas para Vidas Melhores",  e a preocupação da da organização em formular referências internacionais baseadas em evidências, de forma e encontrar soluções para os desafios econômicos, sociais e ambientais.

"O IEA está à disposição para colaborar na produção de conhecimento a partir da cooperação entre a USP e a OCDE e contribuir com as iniciativas para que o Brasil se torne membro da organização”, afirmou.

Carlos Márcio Cozendey - 6/5/2021
Embaixador Carlos Márcio Cozendey

Mesmo não sendo membro da organização, o Brasil participa de quase todos os comitês e grupos de trabalho e já aderiu a 99 recomendações da OCDE, segundo Cozendey. "O país tem interesse em se tornar membro para participar de todas as dimensões da OCDE, trocar experiências e apresentar suas políticas públicas"

É nesse intercâmbio de formulações de políticas que se insere a parceria entre a OCDE e a USP, disse o embaixador: "Ter a Universidade acompanhando e fazendo a interação entre políticas públicas no Brasil e as recomendações da OCDE é um insumo para que as recomendações da organização reflitam também a realidade brasileira".

Para Agopyan, a internacionalização presente na cooperação com a OCDE é uma ferramenta para a USP melhorar seus patamares de qualidade, “uma busca essencial para todas as universidades de pesquisa”.

Neste século, todas as universidades de pesquisa procuram ter interação cada vez maior com a sociedade, afirmou. “A USP também está fazendo isso e é natural que, para esse fim, as universidades procurem parcerias com governos, entidades e grupos internacionais."

Em reunião na Suíça, em junho, Agopyan irá defender a ideia que as universidades são fontes confiáveis de políticas públicas. "Se a OCDE está preocupada com isso, a USP e outras universidades de pesquisa estão à disposição da organização e dos governos nacionais para desenvolver propostas de políticas públicas a serem utilizadas pelos governos", concluiu o reitor.

Efeitos da pandemia

Em sua breve exposição seguida de respostas a perguntas de convidados, Gurría comentou que a pandemia de Covid-19 reverteu toda a recuperação econômica atingida depois da crise iniciada em 2008, “mas as perspectivas estão melhorando e prevemos um crescimento econômico mundial de 5,6%, com a economia voltando aos níveis pré-pandemia em meados deste ano”. No entanto, alertou que essa projeção depende do ritmo de vacinação contra a Covid-19 e a eventual disseminação de variantes do vírus.

"O Brasil estava se recuperando de uma recessão quando sobreveio a pandemia e outra recessão. As medidas econômicas adotadas pelo governo, como o auxílio emergencial, deram suporte para milhões de famílias vulneráveis. Sem essas medidas, a contração econômica seria ainda maior e a recuperação em 2021 muito mais lenta que nossa projeção de crescimento de 3,7% do PIB."

Ele frisou, porém, que a recuperação deve se pautar por um crescimento mais justo e sustentável. Para isso, Gurría defendeu três linhas de ação, sendo a primeira o aumento da eficácia dos benefícios socais para fortalecer a primeira linha de defesa da população contra choques econômicos. "Bem orientado, o sistema de transferência condicional de renda do Brasil poderia ser convertido em uma verdadeira rede de segurança social", afirmou.

A segunda recomendação é o apoio à qualificação profissional, para permitir aos trabalhadores que troquem seus empregos por empregos melhores e mais bem remunerados e aos empresários que encerrem atividades improdutivas e poluentes. "A longo prazo, a melhoria da qualidade e a equidade da formação profissional reduzem as desigualdades e a pobreza", segundo o secretário-geral.

Sua terceira sugestão é a vinculação das medidas de recuperação econômica à agenda da sustentabilidade. "A tarefa mais urgente agora é vacinar as pessoas rapidamente e nos proteger de novos surtos de Covid-19, mas o compromisso intergeracional é proteger o planeta", disse. Para Gurría, o fato de a floresta amazônica ser a maior reserva de biodiversidade do mundo e 60% dela estarem no Brasil, torna o país uma liderança para a reformulação e a reconstrução da economia global de forma mais resiliente.

Continuidade e relações

As perguntas dos convidados a Gurría abordaram a continuidade de programas implementados em sua gestão, principalmente os ligados a meio ambiente e educação, o relacionamento da organização com organismos sub e supranacionais e perspectivas para o ingresso do Brasil na OCDE.

Vahan Agopyan - 6/5/2021
Vahan Agopyan, reitor da USP

Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP e ex-diretor do IEA, perguntou se a ênfase da OCDE nas questões ambientais prosseguirá e qual o peso da questão ambiental para as pretensões do Brasil em se tornar um dos membros da organização.

Gurría disse que o futuro secretário-geral, um ex-ministro de Finanças da Austrália, garantiu aos países membros que a OCDE continuará com suas políticas ambientais. Quanto ao ingresso na organização, afirmou que o Brasil tem uma vantagem enorme em relação aos outros cinco candidatos atuais (Argentina, Peru, Romênia, Croácia e Bulgária): "O Brasil já está na família, é como um primo que já está na cozinha da organização, pois, em vez de dizer 'vamos esperar ser aceitos', já começou a trabalhar com a OCDE."

Cláudia Costin, conselheira do IEA e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Educação da FGV, manifestou preocupação com a continuidade na nova gestão dos programas sobre educação, como o Pisa (Programa Anual de Avaliação de Estudantes). Não há risco de interrupção, segundo Gurría: "O Pisa é uma marca da organização e evoluirá constantemente. Está se tornando não só uma referência, mas também um instrumento para comparação e ranking, não para indicar quem é melhor ou pior, mas para mensurar as questões fundamentais e indicar o que está bom ou mal e o que pode ser melhorado".

Ainda no campo da educação, Roseli de Deus Lopes, vice-diretora do IEA, quis saber quais são as recomendações da OCDE para o Brasil, uma vez que as avaliações recentes indicam queda no rendimento escolar e maior desigualdade na educação. O secretário-geral argumentou que algo muito importante é a aquisição de competências digitais pelos jovens. "Sabemos que o futuro vai ser muito mais digital porque tivemos que atuar de forma quase totalmente digital em razão da pandemia. Para ter capacidade de reinserção no mercado de trabalho é preciso ter competência digital, mas só 50% da força de trabalho dos países tem capacidade de atuar num ambiente tecnológico."

Vinicius Mota, secretário de Redação do jornal "Folha de S.Paulo", perguntou se as ameaças à democracia no Brasil podem pesar na decisão da OCDE em aceitá-lo como membro. Gurría afirmou que problemas com a qualidade da democracia não fazem parte da agenda em relação ao ingresso do Brasil. "Não conheço ninguém que diga que o Brasil não é uma democracia. Essa é a grande vantagem do país: ser reconhecido como uma democracia". Problemas com a democracia "não são monopólio de ninguém", enfatizou, lembrando as recentes alterações na legislação eleitoral no Geórgia, EUA, que dificultam a participação de alguns públicos nas eleições.

A diretora do IRI-USP, Janina Onuki, quis saber que benefícios podem ser esperados a partir de parcerias da OCDE com governos subnacionais, como no caso do governo do estado de São Paulo. Essas parcerias são cada vez mais importantes, disse Gurría, "pois tudo se passa no nível local e é preciso ir onde a ação ocorre". Acrescentou que a OCDE trabalha com muitos estados, províncias e cidades de vários países. "O mundo hoje é urbanizado. Países como o México e o Brasil tornaram-se urbanos sem se tornarem ricos e surgiram todos os problemas decorrentes do crescimento das cidades."

O relacionamento da OCDE com a Organização Mundial do Comércio (OMC) foi o tema da questão do professor emérito da USP Celso Lafer, conselheiro do IEA e ex-ministro das Relações Exteriores. Para o secretário-geral, as duas organizações se complementam: "Apesar de a OMC ter muita capacidade técnica para lidar com problemas de sistemas jurisdicionais e de conflitos de interesse, não tem tanta capacidade técnicas para efetuar análises e comparações e, dessa forma, extrair informações para políticas públicas."

Para ele, há um problema de método, pois a OCDE possui 37 membros [38 em breve, com o ingresso da Costa Rica] e a OMC conta com 200 países. "Trabalhamos com quase todos os órgãos da ONU. Eles sabem que temos 37 membros, mas não nos procuram por uma questão de universalidade, mas por causa do impacto globalizador das recomendações da OCDE."

Fotos: IEA-USP