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Seminário sobre migração marca início da colaboração entre USP e El Colegio de México

por Victor Matioli - publicado 15/06/2018 13:50 - última modificação 18/06/2018 13:15

O seminário Migração e Educação, realizado no IEA no dia 12 de junho, marcou o início da cooperação acadêmica entre a Universidade de São Paulo e o Colmex, uma instituição universitária de excelência nos estudos de ciências sociais e humanidades.
Silvia Giorguli
Silvia Elena Giorguli: "O que falta no México são escolas com políticas mais inclusivas"

“As investigações e as políticas públicas sobre migração têm se focado demasiadamente nos adultos e deixado as crianças e os jovens de lado.” A crítica à invisibilidade conferida aos jovens migrantes abriu a exposição da professora Silvia Elena Giorguli Saucedo, presidente do El Colegio de México (Colmex), durante o seminário Migração e Educação, realizado no IEA no dia 12 de junho.

O encontro marcou o início da cooperação acadêmica entre a Universidade de São Paulo e o Colmex, uma instituição universitária de excelência nos estudos de ciências sociais e humanidades. O evento foi organizado em colaboração pelo IEA, a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani) e o Colmex. Sinalizando o apoio dado pelo Consulado-Geral do México em São Paulo à parceria, estavam presentes a cônsul-geral do México em São Paulo, Margarita Pérez Villaseñor, e o cônsul-adjunto do México em São Paulo, Luis Geraldo Hernández Madrigal.

Contexto mexicano

Giorguli organizou sua fala ao redor das pesquisas realizados pelo Centro de Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais do Colmex, do qual participa ativamente. Segundo ela, três grupos principais de jovens migrantes têm se mostrado fundamentais para compreender a reestruturação demográfica mexicana em curso.

O primeiro é composto por migrantes internos, indivíduos que transitam dentro do próprio país em busca de melhores condições de vida. O segundo abriga os migrantes de retorno, que saíram do país muito jovens, nos primeiros anos da infância, e retornam ao México no início da adolescência com poucas referências culturais e sem domínio do idioma espanhol. O último grupo é formado pelos jovens imigrantes, que saem majoritariamente dos Estados Unidos para morar no México. De acordo com Giorguli, dos cerca de 1 milhão de imigrantes que vivem no país, 460 mil são menores de idade nascidos nos EUA.

Visita da presidente do Colmex marca início de convênio com a USP

Durante o seminário, o vice-diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski, deixou clara sua expectativa de desenvolver, a partir deste primeiro contato, um centro de estudos mexicanos na USP, bem como um centro de estudos brasileiros no Colmex. A professora Giorguli ratificou os anseios de Plonski e garantiu que o encontro foi um arranque para uma relação muito mais estreita entre as instituições: “Temos muito conhecimento para trocar, experiências para discutir e debates para fazer ao redor do papel da universidade na criação de políticas públicas”.

Em sua agenda de compromissos na USP, Giorguli participou de uma reunião, no dia 11 de junho, com o reitor Vahan Agopyan para planejar colaborações futuras entre as instituições. Entre os projetos discutidos estão a possível criação de uma cátedra e de programas de pós-graduação conjuntos. Também participaram do encontro o presidente da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani), Raul Machado Neto, Plonski, a cônsul-geral do México em São Paulo, Margarita Pérez Villaseñor, o cônsul-geral adjunto, Luis Gerardo Hernández Madrigal, e o coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, Alberto Pfeifer.

No dia 13, Giorguli também participou do evento Bônus Demográfico na América Latina, no IEA.

 

Sobre o impacto que a migração tem no desenvolvimento educacional das crianças, a presidente do Colmex evita ser categórica: “Uma parte da literatura descreve efeitos positivos e outra parte, efeitos negativos”. Segundo ela, tudo depende do viés pelo qual se analisa a situação. “A migração pode fazer com que um jovem frequente a escola por mais tempo, bem como abandoná-la mais cedo do que o normal”, argumenta.

Ela ressalta que estes efeitos complexos são moderados basicamente por dois fatores: a dinâmica familiar de cada indivíduo e a capacidade que as escolas têm de integrar sujeitos com características e trajetórias diferentes. “A migração pode resultar em maiores recursos financeiros para a família, mas há também uma modificação no ambiente de aprendizagem e de supervisão do adulto”, aponta. E é justamente neste tipo de situação que a atuação das escolas se faz mais importante: “Quando os pais não podem supervisionar as tarefas acadêmicas dos filhos, a escola precisa pensar em outras mecânicas de trabalho”.

Outro desafio que precisa ser enfrentado pelos jovens mexicanos é o impasse entre migrar e estudar. Segundo Giorguli, 45% dos mexicanos que saem do país têm menos de 18 anos. “Neste momento, eles precisam decidir se ficam no país ou se migram para encontrar melhores condições de estudo e trabalho”, aponta. “E eles raramente acreditam que dar continuidade aos estudos no México os dará maiores chances de encontrar um bom emprego nos Estados Unidos.”

Apesar dos altos números da emigração, Giorguli ressalta que o país passa atualmente por um “saldo zero”, onde a quantidade de imigrantes e de emigrantes se equaliza. “Todos os anos, cerca de 140 mil mexicanos deixam o país, mas outros cerca de 140 mil regressam para o México”, explica.

Migração interna

O fluxo interno de pessoas era muito mais intenso durante o êxodo rural que aconteceu nas décadas de 1970 e 1980, segundo a professora Giorguli. Mas ainda hoje é um fenômeno recorrente e que apresenta consideráveis consequências na educação das crianças. “Imaginem o que significa uma migração, mesmo dentro do país, para um jovem que precisa abandonar sua casa, seus hábitos escolares e seus amigos”, instigou.

As pesquisas desenvolvidas pelo grupo de Giorguli apontam que as migrações são mais disruptivas — fazem com que os jovens deixem de frequentar a escola — quando feitas durante as primeiras etapas da educação. Depois dos 16 anos, os efeitos são menores porque, segundo a presidente do Colmex, “as migrações podem estar relacionadas à busca por melhores condições de estudo”. Ela ressalta, entretanto, que o caminho inverso também é bastante comum: “Quando, por algum motivo, um jovem abandona a escola, a migração parece uma solução para prosseguir com sua vida”.

O grupo concluiu também que, apesar das dificuldades encontradas para se adequar ao novo ambiente, os jovens nascidos nos Estados Unidos são os que mais permanecem nas escolas mexicanas. Os não migrantes e os migrantes mexicanos (internos) tendem a deixar de frequentar a escola consideravelmente mais cedo. “Uma das justificativas é que os pais destas crianças nascidas nos EUA apresentam também um nível mais alto de escolaridade”, explica Giorguli.

José Renato de Campos Araújo
José Renato Araújo: "Quando cheguei ao México, me surpreendi ao perceber que o ‘problema’ não estava na fronteira do norte, mas na do sul"

A questão centro-americana

De todos os grupos que formam a sociedade urbana mexicana, o que passa pela situação de mais grave fragilidade social é o de migrantes centro-americanos. Segundo a professora Giorguli, o México é um abrigo transitório para a maioria destas famílias, que têm os Estados Unidos como destino final.

As investigações do Centro de Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais do Colmex concluíram que enquanto 95% das crianças mexicanas de 8 a 12 anos são absorvidas pelo sistema educacional, apenas 65% das centro-americanas da mesma idade são incorporadas. Quanto aos jovens de 16 a 18 anos, somente 13% dos estudantes provenientes de países da América Central frequentam escolas no México. Para os nativos, o índice é de 65%. “Isto mostra que estas famílias e estes jovens não apresentam a mesma resiliência dos migrantes provenientes dos EUA”, comenta Giorguli.

As dificuldades enfrentadas pelo povo centro-americano que migra para o México não se resumem ao campo educacional. A professora Giorguli relata que estas pessoas, por formarem de uma população em trânsito, raramente têm acesso à todo tipo de assistência social. Um dos outros debatedores convidados, José Renato de Campos Araújo, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, viveu um período como pesquisador no México e reiterou a fala de Giorguli: “Quando cheguei ao México, me surpreendi ao perceber que o ‘problema’ não estava na fronteira do norte, mas na do sul, por onde entravam os centro-americanos que tentavam alcançar os Estados Unidos”.

Rosana Aparecida Baeninger
Rosana Baeninger: "Assim que os países do norte fecham suas fronteiras, ampliam-se as nacionalidades nas escolas do sul"

Educação e desigualdade

Rosana Aparecida Baeninger, professora do Departamento de Demografia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que também integrou a mesa de debates, questionou Giorguli sobre a forma como o sistema educacional mexicano se prepara para lidar com as desigualdades de origem, cultura e oportunidade dos estudantes.

A presidente do Colmex acredita que as diferenças de oportunidade começam na origem das crianças, já que mexicanos nascidos no interior jamais terão uma educação comparável a dos jovens nascidos nas cidades. Esta segregação aumentou, segundo ela, com a implementação do ensino básico a distância no país: “As diferenças de rendimento entre uma criança que estuda em uma escola regular e uma criança que estuda a distância são enormes”.

Nesse contexto, se os prejuízos causados aos jovens mexicanos são grandes, os causados aos migrantes são ainda maiores. “Imagine como é a educação de um jovem migrante centro-americano, em uma comunidade rural, usuário do ensino a distância. São muitas desigualdades que se acumulam sobre este indivíduo”, explica Giorguli.

Outro desafio enfrentado por muitos dos migrantes, principalmente os internos, é o idioma. Por mais contrassensual que possa parecer, as barreiras linguísticas são mais difíceis de transpor para as crianças nascidas em comunidades indígenas e que migram para as grandes cidades do que para os migrantes estadunidenses. Giorguli relata que muitos dos professores mexicanos ainda se queixam do ritmo de aprendizagem de jovens indígenas. “O que não entendem é que o espanhol não é a primeira língua destas crianças”, aponta. “Isto mostra que o que falta de fato no México são escolas com políticas mais inclusivas”.