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Conferência da Intercontinental Academia trata da síndrome do jet lag social

por Flávia Dourado - publicado 18/05/2015 16:50 - última modificação 30/07/2015 17:11

O cronobiologista Till Roenneberg, pesquisador que identificou a síndrome, falou sobre causas e efeitos do descompasso entre o relógio biológico e o relógio social.
Conferência com Till Roenneberg - 21 de abril d 2015
O cronobiologista Till Roenneberg,
da Universidade Ludwig-Maximilian
s

O estilo de vida moderno tem levado muitos indivíduos a desenvolverem o que o cronobiologista Till Roenneberg, professor e vice-presidente do Instituto de Psicologia Médica da Universidade Ludwig-Maximilians, Alemanha, define como síndrome do "jet lag social" — desgaste físico e mental provocado pelo desacordo entre o relógio biológico, responsável por regular as atividades fisiológicas do organismo, e o relógio social, que determina os compromissos diários pessoais e de trabalho.

Roenneberg falou sobre as sobre causas e os efeitos da síndrome na conferência Comportamento Circadiano e Sono no Mundo Real, realizada no dia 21 de abril como parte da programação da Intercontinental Academia (ICA) no eixo temático "Tempo".

De acordo com o professor, o jet lag social pode ser definido como um descompasso entre os ritmos corporais internos do corpo e os ritmos ambientais externos. É muito semelhante ao que acontece quando um viajante atravessa vários fusos horários em pouco tempo: a mudança repentina faz com que o relógio biológico, ajustado ao horário do lugar de procedência, entre em conflito com o relógio local.

Mas, diferentemente do jet lag aéreo, cujos efeitos são transitórios, o jet lag social tem caráter crônico: os indivíduos são forçados a lutar sistematicamente contra o relógio biológico para dar conta das demandas do dia a dia, que se acumulam diante de jornadas de trabalho cada vez maiores e das dificuldades em conciliar agenda profissional e vida pessoal.

"Tudo no nosso corpo é controlado, organizado pelo sistema circadiano. E o sistema circadiano não é organizado pelo relógio social, mas pelo relógio do sol, da luz/escuridão. Então sempre haverá discrepância entre o que a sociedade quer que nós façamos e o que, sob as condições da vida moderna, nosso corpo quer que nós façamos", observou Roenneberg.

A solução para compensar essa discrepância entre ritmos biológicos e ritmos sociais é estender o período de atividade e reduzir o período de descanso. Segundo o cronobiologista, pessoas que sofrem de jet lag social em geral acordam cedo e permanecem ativos até tarde da noite para dar conta dos compromissos diários. No final, a conta não fecha: dormem menos que oito horas por dia e, por isso, vivem cronicamente com o sono atrasado.

É possível mensurar esse saldo negativo de sono comparando o padrão do comportamento circadiano durante os dias de trabalho, regidos pelo relógio social, e os dias livres, regidos pelo relógio biológico. "Se medirmos a diferença entre os dois padrões, teremos uma medida quantificável que nós chamamos de jet lag social", explicou o professor.

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MALES DA MODERNIDADE

Esse saldo negativo de sono está na raiz de inúmeros males da sociedade moderna, sobretudo daqueles relacionados com problemas metabólicos. "Quanto maior o jet lag social, maior a probabilidade de se tornar obeso, de desenvolver diabetes, de usar drogas, de fumar para aliviar o estresse, de ingerir álcool para cair no sono quando ainda não se está pronto para dormir", advertiu Roenneberg.

As implicações do jet lag social se estendem, ainda, para o domínio do comportamento. De acordo com o cronobiologista, uma das primeiras qualidades que desaparecem em quem dorme pouco é a competência social: "Você se torna um real psicopata se não dorme o bastante."

Para o professor, o desenvolvimento da síndrome do jet lag social está ligado à ideia de que o sono nos impede de sermos mais produtivos: "As pessoas costumam dormir uma hora a menos para ficarem ativas por uma hora a mais. Mas dormir não é deixar de ficar ativo, mas preparar o corpo e a mente para a atividade".

Ele explicou que há uma matemática simples por trás dessa afirmação: "Se um indivíduo dorme uma hora a menos, privando-se de 1/8 do período de sono, ele ganha apenas 1/16 em termos de atividade. Por outro lado, a eficiência é reduzida em torno de 1/20".

O resultado disso, destacou o cronobiologista, é um ciclo vicioso, que já se tornou endêmico nos Estados Unidos. "Você perde eficiência, então tem que trabalhar mais e mais; para trabalhar mais, tem que dormir menos; e, por dormir menos, perde eficiência."

Na avaliação dele, o uso difundido do despertador é prova de que em geral as pessoas dormem menos que deveriam. "Qual a questão fundamental em relação ao uso do despertador? Nós não concluímos nosso período biológico de sono! Caso contrário, não precisaríamos de ajuda para acordar", advertiu. "Temos que mudar nossa atitude em relação ao sono", completou.


CRONOTIPOS

Além de impulsionar o desenvolvimento do jet lag social, o estilo de vida moderno também contribui para a expressão extremada dos chamados cronotipos — classificação dos indivíduos segundo as preferências do organismo em relação aos horários para executar atividades diárias, como dormir, acordar, fazer exercícios físicos e exercitar a mente.

Há dois cronotipos principais: o matutino, referente a pessoas que dormem e acordam cedo, reservando o período da noite para o sono; e o vespertino, relativo a pessoas que preferem dormir e acordar tarde, mesmo que isso signifique dedicar parte do dia ao sono.

Roenneberg afirmou que o comportamento circadiano desses dois cronotipos estão cada vez mais distantes devido a mudanças no padrão de exposição à luz natural ocasionadas pela modernidade.

Segundo o cronobiologista, ao longo da evolução, nosso relógio biológico foi sincronizado com um ciclo claro/escuro regulado pela exposição à luz solar: "O ambiente no qual fomos sincronizados nos últimos milhares de anos era de muita luz durante o dia e nenhuma luz durante a noite. Os cronotipos matutino e vespertino existiam, mas a distância entre eles não era significativa."

Entretanto, a difusão da iluminação elétrica e dos hábitos de vida moderno vêm impondo níveis diferenciados de exposição à luz solar e à luz artificial. Com efeito, os sinais de luminosidade que ajudam a sincronizar os ritmos corporais internos com os ritmos ambientais externos estão sendo reduzidos ao mínimo.

O professor usou a própria dinâmica da ICA como exemplo: de dia, horário em que normalmente as pessoas deveriam se expor ao sol, os participantes ficavam confinados em ambientes internos, com pouca claridade natural; à noite, por outro lado, momento em que o organismo deveria estar no escuro, expunham-se de forma prolongada à luz artificial. "Estamos escurecendo o dia e clareando a noite. E essa luz está nos fazendo cada vez mais vespertinos", destacou.

De acordo com ele, dificilmente a exposição à luz artificial durante a noite faria um fazendeiro se tornar mais vespertino. Isso porque, ao trabalhar em ambientes externos, sob o sol, ele sinalizaria para o relógio biológico que a luz solar, mais forte e natural, é a claridade real. "E é o contraste claro/escuro que sincroniza os relógios biológicos de modo que as pessoas durma entre 22h e 6h", disse.

Na opinião de Roenneberg, os indivíduos vespertinos não sofrem de algum tipo de patologia, ao contrário do que se costuma pensar. "Não há periodicidade inata do relógio circadiano", afirmou, ponderando que dormir e acordar mais tarde trata-se de "uma reação natural ao ambiente em que estamos vivendo, uma forma normal de o relógio circadiano sincronizar um organismo que não está sendo exposto a luminosidade suficiente".

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP