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Os caminhos para o desenvolvimento econômico sustentável

por Flávia Dourado - publicado 06/11/2013 10:10 - última modificação 26/08/2014 17:48

Debate sobre como aliar estabilidade econômica e sustentabilidade ambiental marcou o lançamento do livro “Prosperidade sem Crescimento – Vida Boa em um Planeta Finito”, realizado no dia 30 de outubro.
Tim Jackson
Tim Jackson apresenta as ideias centrais
que defende no livro “Prosperidade sem
Crescimento – Vida Boa em um Planeta Finito”

Substituir o padrão de crescimento econômico centrado na produtividade e no consumo por um modelo de desenvolvimento voltado para a sustentabilidade socioambiental. A proposta é defendida por Tim Jackson, ex-comissário de economia da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Reino Unido, no livro “Prosperidade sem Crescimento – Vida Boa em um Planeta Finito” (Editora Planeta Sustentável, R$ 39,90, 314 págs.).

Lançada no dia 30 de outubro, em debate organizado pelo Planeta Sustentável, com apoio do IEA, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, a obra responsabiliza o imperativo de “crescer para prosperar” pela crise ecológica corrente e sugere, como alternativa, a transição para uma economia sustentável, que faça um uso mais racional dos recursos naturais e possibilite alcançar uma sociedade menos desigual.

Mediado por Ricardo Abramovay, professor da FEA e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, o debate de lançamento contou com a participação de Jackson, que atualmente leciona na University of Surrey, no Reino Unido, e do economista Samuel Pessôa, professor da FGV-RJ. A coordenação geral ficou a cargo de Pedro Jacobi, coordenador do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA.

No encontro, Jackson expôs as ideias centrais do livro e abordou o que considera ser o grande dilema da sociedade contemporânea: o crescimento econômico é ambientalmente insustentável, mas a estagnação ou o decrescimento provocam efeitos catastróficos, como o aumento do desemprego e do déficit público e a queda nos investimentos e na arrecadação de impostos.

A saída para esse embate, de acordo com ele, é desvincular a atividade econômica da geração de impactos ambientais. Isso passaria pela contenção do consumo, desaceleração do ritmo de produção e aposta em um portfólio de tecnologias com potencial para reduzir a pressão sobre o meio ambiente.

Em seguida à exposição de Jackson, Pessôa problematizou algumas dos pontos tratados no livro e apresentou um contraponto à proposta de prosperidade sem crescimento defendida pelo autor. Para o economista, “o esforço ambiental não elimina a capacidade de crescer: simplesmente reduz permanentemente o nível do PIB”. (Leia a íntegra da exposição.)

CONSUMISMO

A principal crítica de Jackson ao modelo econômico vigente é direcionada ao consumismo, que considera ser um dos grandes vetores da crise ecológica. Segundo o autor, o desejo de consumir — “a ânsia por jogar fora o que é antigo e substituir por algo novo" — não é um aspecto psicológico inerente ao ser humano, mas um comportamento construído socialmente pela dinâmica do crescimento econômico. E em nome disso, afirmou, “compramos coisas das quais não precisamos para impressionar indivíduos com os quais não nos importamos”.

Ao comentar o assunto, Pessôa retomou duas falhas de mercado apontadas por Jackson no livro: a de que o padrão de consumo atual desconsidera os impactos dos bens e serviços no meio ambiente; e a de que consumir não gera bem-estar. Segundo o economista, de fato, os custos ambientais —  “externalidades”, na linguagem econômica — não são embutidas nos preços do que consumimos.

“Quando decido consumir um produto, pago um preço por ele que não considera os efeitos externos negativos sobre o meio ambiente causados pela produção e consumo do bem. O uso do transporte individual polui a cidade com monóxido de carbono, congestiona as vias públicas, além de contribuir para o aquecimento global com as emissões de dióxido de carbono. Impossível não concordar com Tim Jackson”, explicou Pessôa.

Samuel de Abreu Pessôa
Samuel Pessôa faz um contraponto à proposta
de "prosperar sem crescer" de Tim Jackson

Já em relação ao segundo argumento, afirmou que, embora seja coerente, precisa ser mais estudado do ponto de vista empírico. Pois, de acordo com ele, o modelo básico de microeconomia vê o consumo como algo motivado por preferências pessoais e pela busca do bem-estar. Jackson, no entanto, atribui outros fatores à decisão de consumir, associados a normas sociais instituídas e disseminadas pelo movimento da economia.

“Parece-me que Tim Jackson corrigiria o modelo da microeconomia padrão alterando a hipótese de preferência absoluta [na qual o indivíduo toma decisões que possibilitem atingir o máximo de bem-estar, sem ser afetado pelo padrão médio de consumo da sociedade] pela hipótese de preferência relativa [quando o bem-estar do indivíduo não depende apenas do que ele consome, mas também do consumo médio da sociedade]. Quando isto ocorre, o ato de consumo de um indivíduo eleva seu bem estar, mas reduz o bem-estar de todos os demais membros da sociedade na qual o indivíduo se insere, pois eleva a média do consumo para cima”, disse Pessôa ao interpretar as ideias do autor.

O economista destacou que, caso a hipótese de preferência relativa esteja correta, além dos custos ambientais, os produtos deveriam incorporar também o impacto negativo do padrão de consumo de uns sobre o bem-estar de outros. “Faz todo sentido que nós precifiquemos corretamente o consumo, incluindo não somente os custos ambientais, mas também possíveis efeitos externos, fruto do caráter posicional do consumo”, concluiu.

CRISE ECONÔMICA

Para Jackson, a crise econômica global iniciada em 2008 é prova de que o modelo baseado no crescimento não funciona. Ainda assim, afirmou, o remédio que os países da Zona do Euro estão usando para curar os males causados e voltar a crescer — o aumento do crédito ao consumidor — traz como efeito colateral a própria doença.

Isso porque os resultados dessa medida seriam aqueles observados durante a recessão dos últimos anos: elevação do débito pessoal e colapso do nível de poupança, além da reprodução da lógica consumista, que agrava a crise ambiental. “Queremos uma sociedade em que as pessoas emprestem dinheiro para continuar consumindo e saciando o apetite de ter cada vez mais?”, questionou o autor, advertindo que a melhor solução não é oferecer crédito e estimular o consumo, mas aumentar o investimento público e  impulsionar o desenvolvimento de tecnologias ecológicas.

Embora tenha concordado com o diagnóstico feito por Jackson — o combate à crise vem sendo feito com pouco investimento e muito consumo —, Pessôa questionou a viabilidade da proposta do autor. Segundo o economista, o investimento público de fato é a forma mais rápida de recuperar uma economia deprimida, mas isso requer planejamento e projeto.

“Ou seja, o investimento tem que ser pensado muito antes de a crise bater nas nossas portas. Quando ela chega, o Estado tem que ter tudo pronto e projetado para iniciar as obras ou os programas. Esse não tem sido o caso. Quando a crise vem, os governos somente conseguem aumentar as desonerações e as transferências. Toda a governança do investimento público precisa ser alterada”, esclareceu.

CONTRAPONTO

Mas o principal ponto de discórdia entre Jackson e Pessôa diz respeito ao endereçamento da crise ecológica. Enquanto o autor apontou como principal causa o crescimento econômico e o consumismo que o alimenta, Pessôa afirmou que o erro está na não precificação dos custos ambientais do consumo.

“Minha crítica mais central ao livro de Tim Jackson é que o problema não está associado à economia de mercado como a conhecemos — outras economias provavelmente produziriam problemas ainda maiores mas, sim, às falhas de mercado. E parece-me que a economia conforme a conhecemos está melhor aparelhada para lidar com as falhas de mercado do que outras que possamos imaginar”, declarou.

Além disso, ponderou o economista, fazer transformações radicais nos rumos da economia global esbarra em dois grandes entraves. O primeiro é o ceticismo, já que parte da comunidade internacional não estaria convencida da gravidade dos problemas ambientais. “E enquanto não houver um consenso, acho difícil que as sociedades estejam dispostas a tomar medidas duras para mudar nossa plataforma tecnológica”.

O segundo problema refere-se a como dividir o ônus de tais transformações. Pois ainda que houvesse um consenso global sobre a necessidade de um novo modelo econômico, “há o difícil problema de como concordar em dividirmos, entre os cidadãos do mundo, os custos da adoção da economia sustentável”, finalizou.

 

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