Transição energética na Alemanha tem a regulação como principal desafio
Como encontrar saídas para tornar a produção de energia o mais sustentável possível, evitando o desperdício e a poluição do ambiente? Procurando respostas para essa questão, o Instituto de Estudos Avançados Polo São Carlos da USP, com o apoio do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, promoveu no dia 29 de setembro o evento “Fontes alternativas: um debate sobre regulação e geração de energia”.
O docente da HafenCity Universität Hamburg Martin Wickel, especializado na área de Direito, explicou como tem funcionado, na Alemanha, o Energiewende, o processo de transição da matriz energética para uma que envolva formas sustentáveis de produção de energia.
“Esta é uma área de regulação muito complexa, porque não é apenas um campo da lei que é necessário mudar. A regulação da energia envolve praticamente todas as áreas da vida, por isso deve haver políticas para cada uma delas”, afirmou ele.
Segundo o docente, a decisão de mudança na produção de energia na Alemanha vem desde o ano 2000, quando o governo alemão fechou um acordo com a indústria nacional para acabar com as usinas nucleares até 2023. Porém, o governo seguinte reverteu a decisão, que foi retomada após o desastre na usina de Fukushima, no Japão, em 2011. A energia nuclear responde por cerca de 20% da geração de eletricidade no país.
“Cerca de 50% da população que vive ao redor de uma usina nuclear pode ser afetada em caso de colapso e deve ser evacuada imediatamente. Depois do acidente em Fukushima, os riscos da energia nuclear ficaram mais evidentes, mas ela já é impopular na Alemanha desde os anos 80”, afirmou.
Wickel lembrou que o país também tem políticas rígidas para a proteção do meio ambiente, por isso a queima de carvão, que é o segundo pilar da geração de energia lá, também está com os dias contados.
“Buscamos aumentar a capacidade de gerar energia renovável, o que vem sendo possível graças ao Renewable Energy Act, um documento que incentiva investimentos na área. Ele teve sucesso por conta do acesso garantido à rede para quem gera energia a partir de fontes renováveis e da tarifa fixa, garantida pelos próximos 20 anos, o que faz da geração um investimento bastante confiável”, disse ele.
Com o crescimento desse tipo de energia, devido também ao barateamento da tecnologia, tornou-se necessária a regulação. “É preciso pensar em estratégias, guiar a produção de energia e pensar que tipo queremos produzir e quais partes da Alemanha realmente precisam dela”, explicou o docente.
Segundo Wickel, o principal desafio nesse sentido é em relação às redes de energia. “A maior parte da produção de energia eólica, por exemplo, está no norte do país, na costa, onde há mais vento. Porém, as indústrias, que necessitam dessa energia, estão concentradas no sul. Além disso, é preciso pensar que as usinas nucleares são capazes de produzir uma quantidade constante de energia e durante todo o dia. Já no caso das fontes alternativas, a disponibilidade não é constante e há picos na rede, o que traz a necessidade de baterias para estocar e de centrais elétricas mais flexíveis”.
A instalação de linhas de alta tensão, de acordo com o docente, é outro tópico polêmico. “A maioria das pessoas concorda com a transição energética e compreende a necessidade de mais linhas de alta tensão, mas ninguém gostaria de tê-las em sua vizinhança”, explica.
Atualmente, há um estatuto para o planejamento de novas linhas de transmissão na Alemanha que envolve cinco níveis diferentes, incluindo desde a previsão de cenários para a rede elétrica, passando por planos de desenvolvimento dessa rede e avaliação de riscos ambientais, até chegar à aprovação pelas autoridades.
Células a combustível
Outra forma de produção de energia abordada no evento foi a célula a combustível. O diretor e docente do Instituto de Química de São Carlos da USP Germano Tremiliosi Filho apresentou diferentes tipos desse dispositivo, à base de hidrogênio, metanol, etanol e glicerol. Nele, basicamente, a energia elétrica é produzida a partir de reações químicas que quebram as ligações das moléculas.
No Brasil, segundo Tremiliosi Filho, já existem locais abastecidos com energia gerada por células a combustível, como a Ilha do Mel, no Paraná. “Pegue o exemplo de Fernando de Noronha. É um lugar ótimo para geração de energia a partir do vento, porém isso prejudicaria a vista dos turistas que visitam o local. Nesse caso, as células a combustível seriam uma boa opção”, disse.
No caso das células a glicerol, a geração de energia não é tão eficiente quanto nas de metanol, etanol e hidrogênio. Porém, o docente explicou que se trata de uma forma interessante de converter um produto de baixo valor de mercado em substâncias bastante procuradas pela indústria.
“A partir do glicerol, que custa cerca de 0,25 dólares o litro, é possível gerar produtos como a a di-hidroxiacetona, usada na produção de protetores solares, que custa 150 dólares o quilo, e o ácido tartrônico, muito valorizado pela indústria, cujo preço é de 1564 dólares o grama”, explicou.