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Um olhar científico sobre a complexidade de São Paulo

por Sylvia Miguel - publicado 18/07/2016 10:55 - última modificação 11/10/2016 14:15

Lançado no dia 13 de julho com apoio da reitoria da USP e da prefeitura de São Paulo, programa USP Cidades Globais buscará a qualidade de vida dos paulistanos por meio de redes de pesquisa e parcerias com a sociedade.
São Paulo - Copan

Com apoio da reitoria da USP, programa USP Cidades Globais buscará subsidiar políticas públicas para a qualidade de vida de São Paulo

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Página do programa

Repercussão na mídia

Cidades globais influenciam o mundo. Independentemente do tamanho de sua população, elas centralizam as decisões globais. São lugares onde se fazem os melhores negócios, onde se encontra a melhor arte, as melhores orquestras, as melhores universidades, onde se come a melhor comida. Sua importância transcende os próprios países onde estão localizadas. Elas não apenas atraem mais investimentos, como também ocupam as primeiras posições em qualidade de vida. Os critérios de cidades globais, criados pela consultoria A.T. Kearney, colocam São Paulo no 34º lugar num ranking global. Mas o programa USP Cidades Globais, lançado no dia 13 de julho, no Anfiteatro do Instituto Oscar Freire da Faculdade de Medicina da USP, pretende levar São Paulo para o grupo das chamadas "cidades elite", anunciou o coordenador do programa, o professor Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências (IB) da USP.

Cidades Globais 4

Grupo das "cidades elite", em ranking de 2016 da consultoria AT Kerney

O evento reuniu representantes da sociedade civil e de organizações não governamentais, pesquisadores, políticos, gestores públicos e acadêmicos, além do prefeito da capital paulista Fernando Haddad e da esposa, Ana Estela Haddad, docente da Faculdade de Odontologia da USP.

“A iniciativa é fundamental para o destino da cidade de São Paulo. Colocamos à disposição nossos bancos de dados, nossa inteligência e nossos servidores públicos para contribuir para o sucesso do programa”, disse Haddad.

O projeto idealizado pelo diretor do IEA, Paulo Saldiva, atende a um pedido da reitoria da USP, que planeja apoiar a empreitada “pelos próximos anos”, anunciou o vice-reitor da USP, professor Vahan Agopyan.

Segundo Buckeridge, as atividades e pesquisas deverão embasar políticas públicas voltadas à qualidade de vida nas grandes cidades, em especial São Paulo. A ideia é sistematizar e aprofundar estudos que já são realizados na Universidade, tendo em vista o planejamento em áreas como mobilidade, poluição, resíduos, saúde, educação, uso e ocupação do solo, lazer, enfim, as inúmeras esferas que envolvem a vida nas grandes cidades, disse.

O IEA já é um interlocutor crucial, uma espécie de ‘think tank’ capaz de interagir com maior liberdade com a sociedade, no que diz respeito às regras acadêmicas. O programa encabeça um dos temas prioritários da USP e tenho certeza de que em alguns anos teremos frutos que beneficiem a população”, disse o vice-reitor.

Lançamento Cidades Globais - 1

Vahan, Haddad e Saldiva: parcerias com a sociedade e diálogo dos saberes para o sucesso do programa

“Buscaremos promover um diálogo dos saberes a partir de parcerias construtivas e agendas comuns. A Universidade precisa aprender a ouvir a sociedade. O IEA será uma plataforma para que isso aconteça. A ideia é unir redes de pesquisa e entidades civis interessadas em trabalhar uma utopia sob a luz do conhecimento científico”, disse o professor Saldiva.

Advogado e ambientalista, Fabio Feldmann participou da mesa de abertura e deu um exemplo concreto de como as pesquisas da Universidade podem embasar políticas públicas e trazer resultados efetivos para a qualidade de vida nas metrópoles. Ele relembrou o rodízio de veículos em São Paulo, que introduziu em 1995 quando foi secretário estadual de Meio Ambiente. “Criamos o rodízio tendo como base os estudos do Saldiva. Costumo dizer que o professor Saldiva idealizou o rodízio e eu paguei o pato”, brincou.

O comentário, explicou, foi feito para lembrar a importância de associar a política ao conhecimento. “O que temos visto recentemente no Brasil foi uma perda radical do conteúdo na política. À medida que associarmos política a conteúdo, teremos chance de resgatar o país. A presença do Saldiva no IEA representa uma possibilidade incrível de fazer um realinhamento de vários atores sociais. Quem já trabalhou na gestão pública sabe que o maior desafio é como fazer essa articulação”, disse.

O professor Wilson Jacob Filho, do Departamento de Patologia da FM-USP, representou o diretor da unidade e lembrou a importância do programa para, entre outras frentes, atuar na saúde e prevenção de doenças das diversas camadas populacionais, em especial a dos idosos.

Lançamento Cidades Globais - 2

Buckeridge: "Falhamos em produzir bancos de dados e informações que possam dar suporte aos diagnósticos"

O envelhecimento populacional, assim como inclusão física e social de pessoas com limites funcionais, são questões que ganham cada vez mais expressão no contexto das grandes cidades. “O programa USP Cidades Globais acena para a melhoria da qualidade de vida desse perfil populacional”, disse o professor Jacob Filho.

 

Planeta urbano

A urbanização está em pauta no mundo todo. Se hoje 54% da população mundial moram em áreas urbanas, em 2050 essa parcela chegará a dois terços. Na América Latina, a proporção chegará a 89%, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas.

Na edição de maio, a revista Science apresenta em 12 artigos os diagnósticos e as revisões para as cidades do futuro. Num dos estudos, mostra que a construção de sociedades baseadas no conhecimento é hoje uma estratégia chave para o melhor uso das tecnologias inovadoras. As sociedades do conhecimento estarão mais preparadas para maximizar os avanços da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), traz o texto.

“Não há nada mais complexo do que uma cidade. É o único ambiente onde o homem é o lobo do próprio homem. Fomos criados num conceito de cidade em que a posse do carro era um direito alienável. Assim como o cigarro era símbolo de sucesso, virilidade. Mexer com valores não é fácil e por isso as cidades já vêm sendo estudadas dentro do conceito de complexidade”, disse Saldiva.

Ranking Cidades Globais

“Infelizmente, em nenhum dos 12 artigos da edição da Science, a cidade de São Paulo foi citada, mostrando que falhamos em produzir bancos de dados e informações que possam dar suporte aos diagnósticos”, disse Buckeridge.

Outro artigo, publicado no U.S.News, mostra como a percepção, ou a imagem que as pessoas têm de determinada cidade, pode ajudar ou  prejudicar o seu crescimento. Isso porque a forma como as cidades são vistas pode atrair ou não investimentos e mão de obra qualificada, o que influenciará a prosperidade do lugar.

O professor mostrou alguns detalhes do ranking das cidades globais produzido pela A.T. Kearney. No estudo produzido pela consultoria no período de 2008 a 2016, São Paulo está em 34º em 2016, ante o 31º ocupado em 2008.

“Para criarem o ranking, a consultoria utilizou dados já existentes produzidos pelas cidades, um ponto em que somos deficientes. Isso mostra que também falhamos ao reunir dados. Precisamos, além disso, produzir informação e conhecimento novo que dê subsídio a políticas públicas”.

Buckeridge ressaltou, no entanto, que melhorar os indicadores da capital paulistana não se trata apenas de ir ao encontro de critérios do primeiro mundo, mas principalmente de melhorar a qualidade de vida dos habitantes da cidade.

“Buscaremos aqueles critérios internacionais, mas sempre com o chapéu da Carmen Miranda na cabeça. Não vamos deixar de ser brasileiros. Não devemos abandonar a Semana de 22, ou Mário de Andrade. Devemos nos lembrar de que sempre podemos ser inovadores. Que somos capazes de buscar aqueles índices e ao mesmo tempo criar coisas novas”, disse Buckeridge.

Numa das análises produzidas em 2014 pela A.T. Kearney, a consultoria construiu o indicador das cidades globais do futuro, ou seja, aquelas que teriam chances de se aproximar da posição ocupada pelas chamadas cidades elite hoje. Nesse ranking, São Paulo ocupa a 4ª posição e os maiores desafios para que a cidade alcance de fato esse lugar no futuro estão no campo da educação e inovação, mostrou Buckeridge. “Educação e inovação constituem justamente a contribuição que a Universidade pode dar. Por isso acredito que as perspectivas são positivas”, disse o professor.

Imagens: Andre Deak/Flicker e Leonor Calasans