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Uma avaliação da experiência dos programas de metas municipais

por Mauro Bellesa - publicado 05/06/2017 10:11 - última modificação 05/06/2017 10:11

O seminário "Programa de Metas: Balanço e Perspectivas", ocorrido em 22 de maio de 2017, foi organizado por: Grupo de Pesquisa Governança Global, Direitos Humanos e Democracia da Unesp em Franca; Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia; Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPs) da USP; Programa Cidades Sustentáveis; e Rede Nossa São Paulo.
Murilo Gaspardo, Jorge Abrahão e Adrián Albala - 22/5/2017
A abertura do evento, com (a partir da esq.) Murilo Gaspardo, coordenador da pesquisa; Jorge Abrahão, coordenador geral da RNSP; e Adrián Albala, do NUPPs-USP

Desde os primeiros anos da década, os moradores da capital e de várias outras cidades do Estado de São Paulo contam com um instrumento destinado a qualificar o debate eleitoral, contribuir com o planejamento da administração pública e fortalecer o controle social das políticas públicas: o programa de metas municipal.

Mas qual tem sido a experiência real desses municípios com o programa? O que pode ser melhorado? As respostas a essas questões foram o cerne do seminário Programa de Metas: Balanço e Perspectivas, realizado no dia 22 de maio, no IEA.

As discussões tiveram como referência os resultados parciais da pesquisa “Inovação Institucional e Democracia Participativa: Avaliação Legislativa da Emenda do Programa de Metas”, coordenada por Murilo Gaspardo, do Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Unesp de Franca, e financiada pela Fapesp.

O seminário teve três mesas: “O Programa de Metas e o Planejamento da Administração Pública”, “Programa de Metas, Democracia Participativa e Controle Social” e “Perspectivas para o Programa de Metas no Brasil”.

Os organizadores do encontro foram o Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia do IEA, o Grupo de Pesquisa Governança Global, Direitos Humanos e Democracia da Unesp em Franca, o Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPs) da USP, a Rede Nossa São Paulo (RNSP) e o Programa Cidades Sustentáveis (PCS).

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Emenda

A obrigatoriedade de o prefeito eleito ou reeleito da cidade de São Paulo elaborar um programa de metas e apresentá-lo aos munícipes foi estabelecida em 2008 pela Emenda nº 30 à Lei Orgânica do Município. A aprovação da medida foi fruto dos esforços empreendidos pela RNSP e outras instituições da sociedade civil.

De acordo com a emenda, o programa deve conter ações estratégicas, indicadores e metas quantitativas e ser baseado nas diretrizes da campanha eleitoral do prefeito e naquilo estabelecido no Plano Diretor Estratégico da cidade. Ele deve ser apresentado até 90 dias depois da posse do prefeito e em seguida ser objeto de audiências públicas em no máximo 30 dias.

Desde a introdução da obrigatoriedade, três administrações de São Paulo apresentaram programas de metas: a de Gilberto Kassab (2010-2012), a de Fernando Haddad (2013-2016) e a atual, de João Doria, que já foi discutida em audiências públicas e agora está na fase de exame das 20 mil sugestões encaminhadas pelos cidadãos. A perspectiva é que Doria apresente a versão definitiva do programa em julho.

Segundo Gaspardo, a implantação do programa de metas em São Paulo inspirou a adoção da medida em outros 51 municípios brasileiros e em seis de outros países da América do Sul. Há também uma proposta de emenda constitucional (PEC 010/11) em tramitação no Congresso Nacional que prevê a obrigatoriedade de apresentação de metas pelo Presidência da República e por todos os governadores e prefeitos do país.

Na abertura do seminário, o coordenador da RNSP, Jorge Abrahão, ponderou que o país avançou muito em legislação sobre transparência, acesso à informação e corrupção empresarial, mas “leva algum tempo para a apropriação mais clara dessas questões pela sociedade”.

Ele lembrou que o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab apresentou um programa com 223 metas, “tendo terminado o mandato com 55% delas executadas”. Para Abrahão, houve avanço qualitativo no programa do ex-prefeito Fernando Haddad, com 123 metas melhor definidas e 10 mil sugestões da sociedade.

O atual prefeito, João Doria, lançou seu plano no dia 31 de março, com 50 metas e foram 20 mil as propostas da população, o que “demonstra o desejo de participação da sociedade”, segundo Abrahão. No entanto, alertou que a sociedade “precisa estar atenta para o risco de os prefeitos tornaram os programas pouco ambiciosos para terminarem o mandato bem avaliados a partir do cumprimento de metas medíocres”.

A implantação do programa de metas tem uma ambição política, segundo ele: “Contribuir para uma nova forma de fazer política, em que haja um engajamento efetivo da sociedade; e pode ser uma ferramenta para termos clareza das desigualdades e a partir daí termos importantes ações que combatê-las no acesso a serviços, direitos humanos, questões básicas de dignidade de vida”.

Outro integrante da equipe da pesquisa, Mauro Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em Análise e Planejamento de Políticas Públicas da FCHS-Unesp em Franca, disse que boa parte dos orçamentos municipais está engessada pela vinculação dos recursos a despesas com educação, saúde, pessoal e custeio da máquina administrativa, restando pouco para novos investimentos. Esse pouco "pode ser melhor aplicado com a definição das metas do município, estabelecendo um patamar para a elaboração do próprio orçamento, além de permitir que sociedade monitore o que está sendo feito”.

Jorge Abrahão, Leda Paulani, Mauro Ferreira e Adrián Albala - 22/5/2017
Mesa 1 - A partir da esq., Jorge Abrahão, da RNSP; Leda Paulani, ex-secretária de Planejamento da capital paulista; Mauro Ferreira, da FCHS-Unesp de Franca; e Adrián Albala, do NUPPS-usp

No entanto, o programa de metas não é de execução obrigatória, não há punição para o prefeito que não o cumprir. Ferreira comentou que há punição para os prefeitos que não cumprirem o Plano Plurianual (PPA) e mesmo assim o Tribunal de Contas constata irregularidades. “Se o gestor descumpre naquilo em que pode ser punido, ficamos imaginando como ele agirá naquilo em que não há nenhuma punição.”

Pesquisa

O estudo dos pesquisadores da FCHS-Unesp de Franca abrange os programas de metas adotados pelos prefeitos de dez cidades paulistas na gestão 2013-2016. Além da capital, estão incluídos os municípios de Bragança Paulista, Campinas, Holambra, Jaboticabal, Jundiaí, Louveira, Mirassol, São Carlos e São José do Rio Preto.

A pesquisa teve quatro perguntas orientadoras:

  • as normas foram formalmente cumpridas?
  • os objetivos foram materialmente atingidos?
  • o que explica os diferentes graus de efetividade?
  • quais alterações em seu desenho jurídico-institucional poderiam contribuir para a melhoria dos resultados?

O trabalho envolveu a análise de 149 documentos (leis orgânicas, programas de governo, programas de metas, relatórios de execução de metas, leis orçamentárias e outros) e 27 entrevistas semiestruturadas com gestores, vereadores, representantes da sociedade civil e jornalistas das dez cidades.

A pesquisa tem como referencial teóricos os trabalhos de vários sociólogos e cientistas políticos, entre os quais Boaventura de Sousa Santos, Carole Pateman, Crawford Brough Macpherson, Leonardo Avritzer e Roberto Mangageira Unger. Vale-se também da Teoria do Estado e de quatro conceitos da democracia participativa: inclusão, deliberação, diversidade institucional e pedagogia democrática.

Panorama

O seminário contou com a participação de uma responsável pela elaboração de um programa de metas para São Paulo, a economista Leda Paulani, da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade (FEA) da USP e ex-secretária de Planejamento na gestão Haddad.

Ela lembrou sua primeira passagem pela administração municipal, quando participou da elaboração do orçamento participativo na gestão Marta Suplicy (2001-2004). Na época, ela e Haddad assessoram o então secretário de Finanças, João Sayad.

Murilo Gaspardo, José Veríssimo e Américo Sampaio - 22/5/2017
Mesa 2 - A partir da esq.: Murilo Gaspardo, da FCHS-Unesp de Franca; José Veríssimo, do NUPPs-USP, e Américo Sampaio, da RNSP

Leda disse que naquela período começou a percebe que “as demandas da população estavam muito mais relacionadas com iniciativas que o Executivo poderia tomar num plano mais largo que o plano do orçamento anual, que nem tudo era possível incluir num orçamento participativo, que precisaria haver algum planejamento participativo ou algo assim”.

Ao assumir a secretaria de Planejamento da cidade em 2013, ela achou ótimo haver o programa de metas, pois "teria um instrumento para fazer o planejamento participativo.”

O programa está no plano da democracia direta, em sua opinião. “Apesar de não estar escrito na emenda que a população pode participar, propor mudanças, pensei: 'Não vou para as subprefeituras apresentar o programa, escutar todo mundo e no final fazer o que eu já tinha pensado fazer'”.

O caminho foi sugerir ao prefeito e ao secretário de Governo que o programa fosse apresentado, as contribuições da população fossem digeridas e depois o programa fosse refeito. "Tínhamos que dar encaminhamento efetivo às sugestões e reclamações da população.”

"Acho que a gestão Haddad inovou em relação ao programa de metas, pois estabeleceu esse padrão de recebimento de contribuições da população."

Os três eixos temáticos para a elaboração do programa em 2013 foram, segundo Leda:

  • o compromisso com os direitos sociais e civis;
  • crescimento econômico sustentável com redução das desigualdades;
  • gestão descentralizada, participativa e transparente.

"Os três eixos foram organicamente relacionados com articulações territoriais, que envolviam, por exemplo, recuperação do centro, fortalecimento dos equipamentos locais, centralidades locais, tratamento diferenciado da periferia, tratamento diferenciado das bordas da cidade (o que inclui questões de recursos naturais e dos indígenas)."

Avaliação

Galardo disse que "seria possível até chamar o programa de metas de 'instituto de pseudoparticipação', pois as audiências públicas não têm poder decisório”. Perguntou aos expositores se seria possível avançar em termos de transferir poder decisório para a população em vez dela apenas apresentar sugestões nas audiências públicas..

Se está havendo êxito ou não na iniciativa, "é uma segunda pergunta", segundo Abrahão. "Estamos trabalhando para isso. Temos de avançar na democracia participativa, descobrir os caminhos. Mas nesse momento, são degraus que vamos subindo. O fundamental é gerar uma nova relação de confiança entre políticos e cidadãos."

Murilo Gaspardo, Vinícius Russo e Zuleica Goulart - 22/5/2017
Mesa 3 - A partir da esq.: Murilo Gaspardo, da FCHS-Unesp de Franca; Vinícius Russo, desenvolvedor de software; e Zuleica Goulart, da PCS

Para Leda, apesar de o processo de participação dos munícipes na formatação do programa de metas não ter poder decisório, "se o prefeito for de fato comprometido com o planejamento e participação pública, ele pode dar poder de decisão ao programa".

Ao detalhar algumas das constatações da pesquisa, Gaspardo disse que até 2012 havia 18 municípios paulistas com emendas aprovadas, mas quatro prefeitos ingressaram com ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e todas foram consideradas procedentes.

"O argumento foi de que a emenda cria uma vinculação nova para o prefeito, violando a tripartição dos Poderes, e só poderia ser apresentada pelo próprio prefeito, não pelos vereadores. Assim, se um prefeito não quiser cumprir o estabelecido pela emenda, ajuíza uma ADI e fim de jogo.”

“Haverá uma alternativa para isso se for aprovada a PEC que estabelece a obrigatoriedade de apresentação de programa de metas nos três níveis da Federação em todo o Brasil.”

A avaliação geral do impacto do programa de metas nas 10 cidades pesquisadas “é que pouco mudou atuação do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil", de acordo com Gaspardo. "O programa é tratado mais como uma exigência formal para os gestores do executivo e para os vereadores”.

São Paulo é uma exceção parcial, de acordo com o pesquisador: "Do ponto de vista do planejamento, houve avanços incríveis; em termos de controle das prioridades pela sociedade, o êxito foi parcial, pois a ferramenta ainda não foi apoderada pela população da periferia como instrumento de gestão e os participantes das audiências públicas são as mesmas pessoas que atuam em outras iniciativas”.

Américo Sampaio, da Escola de Governo de São Paulo e assessor da RNSP, enfatizou que o programa de metas "é uma conquista da sociedade civil, não uma ferramenta de planejamento vinda do debate burocratizado para responder a alguma demanda institucional".

Segundo ele, o programa "afeta diretamente a noção de que os políticos sejam inquestionáveis pelo fato de terem sido eleitos. o que lhes asseguraria autoridade, legitimidade e representatividade".

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP