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Ensino superior deve se preocupar em aguçar mentes, diz ministro da Educação

por Flávia Dourado - publicado 26/04/2015 11:35 - última modificação 03/02/2016 12:43

Em conferência da Intercontinental Academia, o ministro da Educação Renato Janine falou sobre a importância de universidades menos centradas no treinamento profissional e mais preocupadas com a formação de um repertório cultural amplo.
Ministro Renato Janine e Martin Grossmann
O ministro Renato Janine Ribeiro na conversa
com os participantes da Intercontinental Academia

Na avaliação de Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação, a universidade do futuro deve ser pensada não apenas em termos de treinamento em uma carreira específica, mas também de formação cultural abrangente, que amplie e diversifique a visão de mundo das pessoas. Ele falou sobre o tema em workshop com os participantes da Intercontinental Academia (ICA), realizado na manhã dessa sexta-feira, 24.

Janine, que é também membro do comitê científico do IEA para a ICA e coordenador do Grupo de Pesquisa O Futuro nos Interpela do Instituto, ressaltou que sua exposição não consistia num discurso oficial, como ministro, mas num exercício utópico, com a proposta de refletir sobre o que a universidade pode se tornar nos próximos 40 ou 50 anos.

Para ele, a principal questão a ser considerada ao se imaginar a universidade do futuro é a necessidade de ir além da profissionalização: "É preciso pensar um sistema de ensino superior mais preocupado em aguçar mentes para compreender melhor a realidade."

A trajetória dos graduados em alguns dos cursos universitários mais concorridos do país seria prova da necessidade de mudanças. Segundo Janine, cerca de 20% dos diplomados em medicina não segue a carreira de médico. "Isso faz soar um sinal de alarme, pois o aluno dedica seis anos a um curso tão difícil e específico e depois deixa de lado", observou.

A situação é mais preocupante no curso de direito. O ministro afirmou que, embora os dados não sejam precisos, a maior parte dos formados não passa no exame da OAB e, portanto, não advoga. O padrão se repete no curso de administração e em vários outros.

"Estamos convencidos de que temos que mudar nossos currículos para oferecer cursos universitários mais amplos." O primeiro passo para isso, ponderou, é renovar as agendas das universidades e prepará-las para as transformações que estão em curso, dentre as quais destacou duas: a redução das desigualdades sociais e a elevação da longevidade.

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IGUALDADE

Recordando ideias do pensador francês Alexis de Tocqueville, "um observador sagaz do cenário político do século 19", Janine afirmou que caminhamos para um mundo cada vez mais igualitário, no qual a desigualdade social não desaparecerá, mas perderá suas antigas justificativas e conviverá com um avanço significativo dos direitos dos antigos excluídos.

"Analisando os últimos 250 anos, é possível notar que a igualdade de fato aumentou em termos de justiça social, liberdade e diversidade, com maior inclusão das mulheres e de outros grupos historicamente discriminados", destacou.

A mobilidade social observada no Brasil na última década seria exemplo disso. Janine lembrou a conhecida imagem da pirâmide e do losango social. Em 2005, a sociedade brasileira podia ser representada por uma pirâmide: a base era formada por 100 milhões de pessoas em condição de muita pobreza ou miséria, que integravam as classes D e E; a faixa intermediária, correspondente à classe C, contava com 50 milhões de pessoas; e no topo estavam os 40 milhões de privilegiados que compunham as classes A e B.

Em 2010, a pirâmide deu lugar a um losango: a base foi reduzida a 50 milhões de brasileiros; a faixa intermediária dobrou de tamanho, passando a abranger 100 milhões de pessoas; e o topo dos mais ricos ganhou corpo, subindo para 50 milhões. "Em cinco anos, 25% da população em situação de extrema pobreza ingressou na classe C, passando para o status de classe média baixa."

E se a sociedade está se tornando mais igualitária, ressaltou Janine, então a tendência é que o acesso à universidade se torne um direito universal. "Se chegarmos próximo de atender a todos os que desejam ter uma educação superior, a universidade terá que ser diferente: não será voltada para a formação profissional, mas para a oferta de uma cultura geral que dê sentido para a vida das pessoas", explicou. Ela fará parte da cidadania, expressando a formação necessária para que o indivíduo se realize pessoal e profissionalmente.

Na opinião do ministro, o Brasil já segue em direção ao amplo acesso ao ensino superior, embora ainda esteja longe do objetivo final. Ele citou alguns dados para embasar seu ponto de vista: em 1968, quando ingressou no curso de filosofia, as universidades contavam com 100 mil alunos. Em 2003, o número era de pouco mais que 3 milhões, e hoje já ultrapassou, com mais de 7 milhões, os 20% da população na faixa dos 20 anos. "E quando um país atinge os 15%, deixa de ser elitista em termos de acesso ao ensino superior. Atualmente, estamos na categoria dos já não elitistas. Falta muito, mas avançamos", observou.

LONGEVIDADE

Workshop Renato Janine RibeiroA segunda transformação mencionada por Janine refere-se ao aumento exponencial da expectativa de vida da população. Segundo o ministro, caminhamos para um tempo em que viver 100 anos deixará de ser um fenômeno excepcional e se tornará algo comum. "Nesse novo mundo, as opções que você faz aos 20 anos não pode determinar os resultados que terá aos 60 anos", advertiu.

Para Janine, o aumento da longevidade traz à tona a questão da abertura a mudanças, as quais tendem a se tornar mais frequentes à medida que a idade avança. Isso porque uma população que vive mais permanece no mercado de trabalho por um período maior e tem mais tempo para mudar a trajetória profissional.

"Atualmente, achamos mais importante ser fiel à profissão que foi estudada que ser fiel ao parceiro. Mas estamos num mundo em que as mudanças acontecem e são normais. As pessoas vão mudar sua identidade várias vezes ao longo da vida, o que inclui mudar de profissão e de emprego", explicou.

Esse novo cenário que desponta no horizonte, afirmou o ministro, impõe um sistema universitário mais flexível, capaz de preparar os estudantes para transitar de uma área para outra, sem que isso seja visto como sinal de fracasso ou imaturidade. Ele questionou a mentalidade corrente que vê a desistência de um curso universitário como uma falha pessoal. "Por que? A vida continua. É preciso aceitar a ideia de mudança. O diploma universitário não pode ditar minha vida futura e não precisa ser um marco profissional definitivo."

PENSANDO UM NOVO MODELO

Para explicar o modelo de universidade do futuro que tem em mente, Janine usou como exemplo o projeto de um curso experimental de graduação interdisciplinar em humanidades que desenvolveu para a USP, o qual não chegou a ser implementado.

O curo seria dividido em três semestres. No primeiro deles, as disciplinas girariam em torno da emergência da modernidade e discutiriam sobretudo o racionalismo, apoiando-se em autores como Descartes, Durkheim e Max Weber. Incluiriam, ainda, a perspectiva das artes visuais e da literatura, com a análise de romances centrados no herói problemático, como "Dom Quixote" e "Madame Bovary", que representam, disse ele, “a sombra, o lado sombrio, da modernidade”.

O segundo semestre traria disciplinas no eixo temático da antropologia e da antiguidade e faria um contraponto à modernidade. Já o terceiro englobaria disciplinas voltadas para a discussão da pós-modernidade, com foco no pensamento contemporâneo e na crítica aos modernos.

De acordo com Janine, o curso foi pensado com o objetivo de oferecer aos estudantes diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema: por exemplo, a sociologia está preocupada em estudar as falhas da modernidade; a antropologia é avessa à modernidade: não acredita no progresso e não hierarquiza as culturas; e a ciência política tende a crer que o mundo pode ser melhor se for mais racional, tal como pressupõem os modernos.

"Os cursos não seriam exposições de conteúdos, mas de diferentes óculos para enxergar os fenômenos sociais. O aluno aprenderia a analisar os fenômenos de acordo com a perspectiva mais apropriada. Não há uma lente universal."

O ministro disse que, assim como a universidade do futuro, o curso ampliaria a visão de mundo das pessoas. "Precisamos ser poliglotas culturais e científicos: precisamos conhecer as diferentes áreas e disciplinas e saber como integrá-las", ressaltou.

Além da conferência com Janine, a programação da ICA incluiu mais duas sessões sobre o eixo temático "Universidade": uma master class sobre os 80 anos da USP com José Goldemberg, ex-reitor da Universidade, que aconteceu no dia 20; e um debate com reitores e especialistas em educação sobre o futuro da universidade, realizado na tarde desta sexta-feira.

Fotos:  Leonor Calazans/IEA-USP (no alto) e Marcos Santos/Jornal da USP