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Os efeitos das mudanças climáticas nas cidades e como enfrentá-los

por Mauro Bellesa - publicado 20/09/2017 12:25 - última modificação 22/09/2017 12:37

Virada Sustentável - Mudança Climática e Cidades - mesa - 24/8/2017
Seminário Mudanças Climáticas e Cidades fez parte da programação da Virada Sustentável

Instituir políticas públicas e práticas de sustentabilidade é um desafio para as cidades, em razão das exigências cada vez maiores quanto à geração de empregos, moradia, transporte, saneamento, água e energia, motivadas pela crescente urbanização. Se isso já era uma prioridade, agora se tornou ainda mais premente diante dos efeitos das mudanças climáticas.

Foi para tratar desses efeitos e de como mitigá-los ou adaptar-se a eles que o Programa USP Cidades Globais do IEA e a sétima edição da Virada Sustentável São Paulo realizaram o seminário Mudanças Climáticas e Cidades, no dia 24 de agosto, parte do ciclo que discutiu também os temas Sustentabilidade, Complexidade e Políticas Públicas (24 de agosto), Mobilidade Urbana e Desigualdade e Violência (os dois últimos no dia 25 de agosto).

Os expositores foram o coordenador do programa, Marcos Buckeridge, o coordenador do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade, Pedro Jacobi, e a pesquisadora Jane Ramires, integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade e da Secretaria do Verde e Meio Ambiente da cidade de São Paulo.

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A relevância da discussão foi destacada por Buckeridge ao comentar que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) incluiu no 5º Relatório Especial de Avaliação, pela primeira vez, um capítulo sobre as cidades.

Os prognósticos sobre os impactos das mudanças nas cidades de todo o mundo indicam que as mais afetadas serão aquelas situadas na região intertropical, principalmente no Caribe, África e Oceania, afirmou. “Os pobres serão os primeiros a sofrer os efeitos das alterações climáticas.”

Marcos Buckeridge 2 - Virada Sustentável - 24/8/2017
Marcos Buckeridge

A perspectiva é que muitas cidades litorâneas sofram com a elevação do nível do mar. Segundo Buckeridge, estudo sobre Santos, no litoral paulista, com apoio da Fapesp, prevê a necessidade de a cidade construir muros para conter as águas.  “Se isso não começar a ser feito, custará seis vezes mais no futuro, podendo chegar a ser 30 ou 50 vezes mais caro se os efeitos sobre o nível do mar forem mais drásticos.”

Várias cidades terão problemas de segurança alimentar, pois seus entornos serão afetados, afirmou. "Com 87% da população em áreas urbanas, o Brasil poderá ter efeitos crônicos sérios em relação a isso e a outros aspectos, inclusive com o custo elevado para o uso de grande quantidade de aparelhos de ar condicionado."

As propostas em discussão sobre o uso de soluções de geoengenharia para lidar com as mudanças climáticas são drásticas, de acordo com Buckeridge. Entre elas estão o lançamento de partículas nas nuvens para que não chegue tanta luz solar à superfície do planeta, o despejo de ferro no mar para maior desenvolvimento de organismos vivos e com isso aumentar a captura de carbono e o uso de tecnologia genética para a adaptação de plantas para condições climáticas mais quentes.

Jane Ramires, que também integra a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, afirmou que "o programa sobre a adaptação da cidade às mudanças climáticas está sendo retomado agora pela Prefeitura, pois esteve paralisado na administração anterior".

Em termos locais, é nos centros urbanos que os efeitos das alterações no clima são de maior magnitude, em decorrência da impermeabilização do solo, supressão da vegetação e ocupação de áreas vulneráveis, segundo a pesquisadora. “Eles serão sentidos nos bairros mais pobres das cidades mais pobres, onde a população, para sobreviver, vive em áreas de riscos.”

Jane defende a mudança no tipo de ocupação do solo, para que "depois não se precise de tanta tecnologia". Mas os empecilhos para isso são vários: "Na Serra da Cantareira, os moradores não se encaixam nos programas de habitação popular, pois não tem endereço fixo nem podem comprovar o quanto ganham por mês.".

Para ela, é preciso integrar as políticas de uso e controle do solo. “Enquanto o mundo tende a revitalizar as margens dos rios, continuamos com as obras tradicionais: piscinões para reter a água da chuva e canalização de córregos.”

O fenômeno das ilhas de calor há muito existentes em São Paulo pode ser agravado pelas alterações climáticas e o mesmo pode acontecer na frequência de eventos extremos, disse Jane. "As condições ambientais são agravadas pela imensa frota de 7 milhões de veículos, dos quais 5 milhões são de propriedade privada e 42 mil são ônibus. Precisamos fazer muito em termos de transporte, uma vez que os veículos são os principais responsáveis pela poluição atmosférica.”

Ela comentou estudo feito com os dados de 40 anos da estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, localizada no bairro da Água Rasa, e daquela do Mirante de Santana. Foram avaliados os registros de temperaturas mínima, média e máxima, de umidade relativa do ar, da precipitação total e do número de dias com chuva.

Jane Ramirez - Virada Sustentável - 24/8/2017
Jane Ramirez

Jane explicou que o objetivo foi avaliar o que aconteceu, não fazer prognósticos sobre o futuro do clima na cidade. As duas estações registraram aumento em 1% das temperaturas (mínima, média e máxima) no período. Constatou-se também que a umidade relativa do ar vem diminuindo e aumentou a precipitação acumulada. “Em termos de eventos extremos, houve mais chuvas acima de 30 mm e, em grau menor, daquelas com mais de 50 mm. Nesses eventos, as pessoas mais pobres são prejudicadas com ocorrências que geralmente não aparecem na mídia.”

Jacobi, que também faz parte do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP, comentou "o lado perverso da urbanização desigual", feita pela própria população. "Nesse contexto, é importante destacar aspectos da reflexão sociológica e política sobre dois temas: mitigação e adaptação.

Parte das definições importantes sobre como enfrentar as mudanças climáticas dependem de grandes pactos globais, "mas que o momento não é favorável a isso, em razão das posturas do presidente americano, Donald Trump". Outro agravante é os pactos não serem de cumprimento obrigatório, mas facultativo, afirmou Jacobi.

"Podemos ter confiança nos governos, mas isso não significa que as propostas serão concretizadas.  A sociedade não avançou suficientemente em termos colaborativos. Vive o presente. Em razão disso, talvez tenhamos que nos dedicar mais à adaptação.”

As soluções em geoengenharia, como o bombardeio de nuvens, “e o dinheiro que isso vai custar”, o assustam. “O caminho é o desenvolvimento de tecnologias sociais preventivas. As iniciativas urbanas têm de ser cada vez mais realistas em relação a cenários que antes não estavam colocados.”

Pedro Jacobi - Virada Sustentável - 24/8/2017
Pedro Jacobi

Para ele, o planejamento territorial urbano tem de ser repensado a partir de uma lógica que torne as cidades espaços resilientes, com os governos assumindo a importância disso.

"A universidade tem de avançar na formação interdisciplinar de profissionais e a gestão pública em intersetorialidade. E é preciso ter continuidade administrativa nas questões ambientais."

A pressão por transparência é outro imperativo, para que a interlocução entre Estado e sociedade permita a resolução dos problemas, de acordo com Jacobi, pois "é fácil manipular a opinião pública, comitês de bacias e outras instâncias".

Jacobi considera o tema das mudanças climáticas uma oportunidade de grandes mudanças culturais, organização da sociedade e redução das desigualdades. "Precisamos dar respostas no diagnóstico e no plano interdisciplinar para colaborar na gestão intersetorial. Aposto também na aprendizagem social, colaborativa. Na universidade, muitos setores estão comprometidos com respostas, para que teoria e prática sejam mais colaborativas."

Leonor Calasans/IEA-USP