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Um debate sobre a desigualdade e a violência nas metrópoles

por Mauro Bellesa - publicado 22/09/2017 12:10 - última modificação 22/09/2017 12:37

O seminário "Desigualdade e Violência", realizado no dia 25 de agosto, foi uma iniciativa do Programa USP Cidades Globais do IEA e da sétima edição da Virada Sustentável São Paulo.
Virada Sustentável - Desigualdade e Violência - mesa - 25/8/2017
O seminário Desigualdade e Violência encerrou o ciclo organizado pelo IEA e pela Virada Sustentável São Paulo

Uma das características de metrópoles como São Paulo são os contrastes extremos das condições de vida, em função das desigualdades presentes na sociedade e elevados índices de violência.

Uma cidade sustentável não pode deixar de se preocupar com esses aspectos, que interferem diretamente na qualidade de vida de seus habitantes. O seminário Desigualdade e Violência, no dia 25 de agosto, foi uma oportunidade para discutir essas questões.

O evento foi uma iniciativa do Programa USP Cidades Globais do IEA e da sétima edição da Virada Sustentável São Paulo. Os expositores foram dois pesquisadores da USP: a cientista política Marta Arretche, diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), e o sociólogo Sérgio Adorno, coordenador científico do Núcleo de Estudos da Violência (NEV). Vitor Blotta, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA), foi o coordenador. O seminário integrou um ciclo que teve outras três discussões: Sustentabilidade, Complexidade e Políticas Públicas e Mobilidade Urbana e Mudanças Climáticas e Cidades, também no dia 25 de agosto.

Igualitarismo

Para julgar uma sociedade a partir de seu grau de igualdade é preciso possuir uma teoria normativa sobre quais desigualdades são moralmente aceitáveis, de acordo com Marta Arretche.

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"Os liberais consideram que todos devem ser iguais perante a lei e o Estado não deve intervir. Não são contra a igualdade, mas acham que ela deve estar restrita à dimensão das relações do indivíduo com a lei. No outro extremo estão os igualitaristas, que são favoráveis à igualdade de resultados, igualdade nas condições de vida."

Ela se orienta pelas ideias de igualitaristas como o filósofo John Rawls (1921-2002), autor de "Teoria da Justiça", e o economista e filósofo indiano Amartya Sen, ganhador do Nobel de economia em 1998. "As desigualdades resultantes de aspectos naturais, como esforço e talento, são aceitáveis. O que não devemos aceitar é aquelas que impedem os indivíduos de fazerem suas escolhas livremente."

Marta Arretche - Virada Sustentável - 25/8/2017
Marta Arretche

A outra questão, segundo ela, é como escolher as dimensões da vida nas quais as instituições deveriam reduzir as desigualdades. "Os libertários defendem que o critério para selecionar essas dimensões deveria ser baseado nas preferências individuais, mas isso não leva a nenhuma decisão, pois os indivíduos podem ter preferências e desejos que não sejam razoáveis ou sejam fúteis."

"Há estudos sobre as aspirações em países africanos que apontam o acesso à Coca-Cola como algo relevante, pois seria algo refinado, que aproximaria o indivíduo aos padrões de vida de países mais ricos. Mas isso é uma preferência fútil."

Para Amartya Sen, segundo Marta, as próprias preferências são afetas pela desigualdade: gente sujeita a grandes privações tem um horizonte de perspectivas limitado; os criados na fartura querem muito mais do que seria razoável.

No entanto, o trabalho que mais influencia a literatura numa perspectiva multidimensional de combate à desigualdade é aquele feito em 2009 para o governo francês pelo economista Joseph Stiglitz, ganhador do Nobel de economia em 2001, explicou a pesquisadora.

De acordo com o estudo, deve-se considerar uma lista básica de nove dimensões não fúteis: consumo material, qualidade habitacional, saúde, mercado de trabalho, lazer, qualidade das interações sociais, qualidade ambiental, direitos políticos e liberdade de expressão. "Esse trabalho influencia muita coisa e. com exceção da questão ambiental, essa lista está em debate entre os igualitaristas desde o final do século 19."

"Precisamos entender melhor o que afeta as possibilidades de igualdade em cada uma dessas dimensões, uma teoria positiva que explique por que o mundo social é desse modo.

Marta disse que os estudos do CEM indicam que o grande desafio para a liberdade de escolha não é a carência em uma das dimensões, mas a superposição de desvantagens. "Estudamos as diferenças a partir de uma dimensão, mas os indivíduos são uma combinação dessas coisas. Uma mulher pobre e não branca acumula desvantagens."

Como exemplo dos impactos da desigualdade de renda, ela afirmou que isso tem grande influência na escolaridade a ser atingida pelo indivíduo e nas suas demandas em saúde: "Os mais ricos e escolarizados gastam mais com consultas e exames, os mais pobres e menos escolarizados demandam mais internações. Se o sistema estiver propiciando internações, estará atendendo aos mais pobres."

Arretche disse que os espaços urbanos são altamente segregados, com a concentração de indivíduos semelhantes no mesmo território. "Estamos habituados a estudar a desigualdade em termos de indivíduos, mas ela tem uma dimensão espacial. Há superposição de desigualdades tanto nos indivíduos quanto nos territórios." Em sua opinião, o conceito da superposição poderia ser útil para definir quais populações merecem atenção prioritária.

Sérgio Adorno - Virada Sustentável - 25/8/2017
Sérgio Adorno

Violência

Para Sérgio Adorno, é difícil falar de violência sem falar na vida na cidade, na desigualdade, no acesso aos direitos e em outras questões.

"Nas discussões na sociedade, violência é um sinônimo para crime. Mas há uma diferença fundamental: o crime é a violência penalmente classificada, mas há uma série de atos que afetam a integridade física e psíquica dos indivíduos e não são punidos porque não são considerados crimes."

Além disso, "há a falsa impressão de que a violência no Brasil é um fenômeno recente, dos últimos 20, 30 anos". Uma visão errada de um passado de muitos atos cruéis na educação das crianças, no desfrute do corpo da escrava como capital da propriedade, no espancamento de mulheres para subjugá-las, comentou Adorno.

Falar de violência é ir além dos muros das prisões, segundo ele. "Ela faz parte do mundo das relações pessoais e provoca danos, prejuízos e sofrimento numa relação desigual, onde alguém se impõe sobre outra pessoa."

Por outro lado, a percepção do que é violento varia. Para explicar isso ele citou o levantamento DNA Paulistano feito pelo jornal "Folha de São Paulo" em 2012 nos distritos da capital. '"À pergunta 'Você se sente muito inseguro no seu bairro?', os moradores em áreas com altas taxas de homicídio e outros problemas, como falta de saneamento e de água, responderam 'sim' em menor proporção do que aqueles de áreas com taxas mais baixas de homicídios, que dizem se sentir muito inseguros."

"Minha hipótese é que onde as taxas de homicídio são altas, os moradores se habituaram a ver os mortos dia sim dia não e consideram que 'isso acontece, nada será feito para mudar e a gente vai vivendo'. Nos bairros de alta renda, se um parente é assaltado ou assassinado, são utilizados todos os mecanismos sociais para que seja feita justiça. As mortes não são iguais."

Vítor Blotta - Virada Sustentável - 25/8/2017
Vitor Blotta

Nenhuma sociedade que caminhou em direção à democracia, ao estado de direito, deixou de lidar com a questão dos homicídios, de acordo com Adorno. "No hemisfério norte, as taxas diminuíram, no hemisfério sul, cresceram. É difícil lidar com uma sociedade em que a proteção equitativa do direito à vida não é assegurada minimamente."

Segundo ele, não há consenso sobre as causas da violência no Brasil. "Sabemos que o surgimento do crime organizado alterou a economia da criminalidade e isso mudou a configuração dos crimes e da violência. As respostas dadas pelos governos tem sido matar sem perguntar e o encarceramento em massa, o que serviu para estruturar o crime organizado nas prisões."

Adornou disse que nos anos 2000 a cada 11 minutos em média uma pessoa foi assassinada. "Nos últimos 20 anos do século, 1,1 milhão de pessoas foram assassinadas, 50% mais do que as vítimas da guerra civil em Angola."

Mídia

Em uma de suas intervenções, Vitor Blotta comentou que os meios de comunicação refletem esse quadro de violência, com os programas jornalísticos de televisão "expondo irregularmente suspeitos e vítimas e apresentando coisas que podem estimular o uso da violência na resolução de conflitos".

Blotta disse que ao examinar essa questão do ponto de vista jornalístico surgiu a dúvida quanto à efetividade de uma coação externa para minimizar esse tipo de violência midiática. "Ela seria silenciada um pouco, mas não deixaria de existir na sociedade. A mudança efetiva viria mesmo a partir do campo interno do próprio jornalismo."

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP