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O futuro das publicações acadêmicas

por Mauro Bellesa - publicado 24/05/2016 12:40 - última modificação 30/05/2016 11:15

Em workshop com pesquisadores e profissionais de editoração acadêmica no dia 19 de abril, Michael Elliott discutiu projeto da Fundação Mellon, dos EUA, para apoio à utilização da edição digital pelas ciências humanas.
Workshop com Michael Elliott
Michael Elliott (à dir.) disse que a preocupação com a sobrevivência das editoras universitárias foi uma das motivações para projeto sobre publicações digitais com acesso aberto

Uma das áreas onde as tecnologias digitais têm ocasionado maior transformação é a editorial, fazendo com jornais, revistas, livros e outras publicações impressas convivam com edições online ou sejam substituídas por elas.

As publicações acadêmicas (monografias e periódicos) não são uma exceção nesse processo, mas, dadas às suas especificidades, principalmente aquelas afeitas à socialização do conhecimento e à sustentabilidade econômica do esforço editorial, exigem mudanças de posturas que vão além das preocupações meramente financeiras.

Essas questões foram discutidas no workshop Pesquisa sem Fronteiras: O Futuro da Publicação Acadêmica no Mundo Digital com o históriador Michael Elliott, da Universidade Emory, na tarde do dia 19 de abril. Ele havia proferido, na manhã do mesmo dia, a conferência As Humanidades e seus Públicos, que também tratou de aspectos ligados à edição digital e sua importância para a divulgação dos trabalhos em ciências humanas a públicos externos ao meio acadêmico.

Dirigido a profissionais e pesquisadores envolvidos com a publicação digital de monografias e artigos científicos, o workshop foi uma oportunidade para Elliott falar sobre o projeto de apoio a publicações digitais que a Universidade Emory desenvolve a pedido da Fundação Mellon, instituição privada americana que apoia as humanidades.

Segundo Elliott, a fundação se preocupa com o futuro da publicação de monografias pelas editoras universitárias em razão de dois fatores: a baixa remuneração paga pelos revendedores online de livros; por serem financiadas pelas universidades, as editoras são obrigadas a publicar apenas livros destinados ao público acadêmico, não podendo lançar livros comercialmente mais rentáveis, voltados a outros públicos.

Um terceiro aspecto, ligado às necessidades do público, motivou a fundação a investir em propostas de publicação online de acesso livre pelas universidades: os periódicos científicos não são de acesso livre nos EUA, mas publicados por "editoras privadas que aumentam o preço das assinaturas de forma agressiva", de acordo com Elliott.

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Pesquisa sem Fronteiras: O Futuro da Publicação Acadêmica no Mundo Digital - Workshop conduzido por Michael Elliott - 19/04/16

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Em paralelo aos projetos de edição digital, as editoras universitárias continuam a debater sobre como produzir de forma economicamente viável obras impressas em tiragens reduzidas, destinadas a públicos específicos. "Os editores estudam há alguns um novo modelo econômico no qual a maior parte dos custos são recuperados na universidade de atuação do autor, para depois o trabalho ser colocado em acesso aberto online. Para colaborar com esse modelo, a Mellon forneceu plataformas de edição digital a várias universidades."

Na Emory, a fundação patrocinou um estudo feito por um grupo de professores ligados à gestão da universidade, entre eles o próprio Elliott. O modelo editorial foi analisado do ponto de vista administrativo.

No relatório do trabalho, os professores afirmam que a monografia é uma forma vital de expressão do pensamento das ciências humanas e deve ser preservada. Para eles, o futuro das publicações será híbrido, com trabalhos digitais e impressos.  Em coerência com os princípios éticos que valorizam, defendem que as publicações sejam de acesso livro pelo público em geral, inclusive o internacional.

Elliott disse que os mais interessados no modelo são os acadêmicos jovens com vínculos internacionais. Eles querem que as pessoas dos países onde realizam pesquisas tenham acesso às publicações, sobretudo as pessoas de países onde o público tem dificuldade de acesso a bibliotecas especializadas.

Segundo Elliott, os editores afirmam que o fator que mais interfere na composição do custo de produção de uma monografia é a dificuldade de trabalhar com os humanistas, devido ao longo tempo que demandam para a produção do texto. No caso da edição digital, há também a questão da especificidade de cada trabalho. "A esperança é que haja ganho de escala quando maior número de editoras e acadêmicos estiverem publicando em formato digital."

Elliott ressalva, entretanto, que ainda há uma série de perguntas a serem respondidas: as monografias digitais serão semelhantes às impressas ou serão projetos dinâmicos como os que citou na conferência que precedeu o workshop (Voyages – Trans-Atlantic Slave Trade DatabseEnchanting the Desert )? a edição digital resultará em algum tipo de perda em relação à edição impressa? as monografias digitais e as impressas terão o mesmo impacto? o público interessado será o mesmo? Outra preocupação de Elliott é quanto à preservação do material digital, problema que ninguém ainda resolveu.

Claudia Bauzer Medeiros, da Unicamp e da Coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa em eScience, afirmou que há um outro problema relativo às edições digitais: em certos casos, os dados de uma publicação digital podem ser utilizados tanto para reproduzir um experimento quanto para a produção de um novo trabalho, o que violaria o direito autoral. Elliott respondeu que nos EUA há a possibilidade de utilizar partes ou capítulos de um texto pagando os direitos autorais correspondentes. No entanto, explicou, em vez de receberem esses valores, que são reduzidos, os pesquisadores preferem que o trabalho seja de acesso livre.

Cada vez mais a pesquisa em humanidades inclui o trabalho com computadores e outros equipamentos, com o envolvimento de vários técnicos, e isso fica mais acentuado na produção digital. Diante disse, surge a dúvida sobre quem deve constar da relação de autores de um artigo. A questão foi levantada por Luís Ferla, professor de história contemporânea na Unifesp. Ele disse que seu grupo de pesquisa publicou um artigo assinado por 14 pessoas, incluindo entre eles o técnico fotográfico e outros profissionais. "A princípio, a revista alegou que não tinha espaço para publicar os nomes das 14 pessoas, mas acabaram aceitando a inclusão de todos". Elliott afirmou que isso foi perguntando ao responsável pela monografia digital Enchanting the Desert, que respondeu ser o autor e que o crédito ao trabalho dos demais envolvidos aparece numa página específica do site, de forma análoga à forma como os créditos aparecem no cinema.

Jaime Ginzburg, professor de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, disse que uma vantagem do material digital em áreas como a de estudos literários, na qual atua, é a facilidade de lidar com ele e organizá-lo. Outra vantagem que observa é de natureza social, pois muitos alunos não têm recursos para comprar livros. Além disso, considera que o processo de edição fica transparente, com informações sobre todo o processo, diminuindo o risco de procedimentos questionáveis por parte das revistas. No entanto, ele vê um risco inerente ao mundo digital: pelo fato de estarem "lado a lado" no mundo digital, o material produzido por pesquisadores pode ser confundido com aquele produzido por amadores. "Pedimos uma pesquisa sobre um escritor aos alunos de graduação e eles vão pesquisar no Google e em blogs", exemplificou.

Mas a tendência do acesso aberto online não é uma unanimidade. Luiz Bevilacqua, coordenador do Grupo de Cognição e Sistemas Complexos da UFABC, relatou o ocorrido com a revista da Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas, criada nos anos 80, com apoio do CNPq: "Com esse apoio, a revista pôde adotar o acesso livre. Mas as coisas estão mudando. Continuamos responsáveis pela qualidade editorial, mas estamos nos tornando mais comerciais e não há mais acesso livre."

Luiz Bevilacqua e Jaime Ginzburg
Luiz Bevilacqua (primeiro plano) e Jaime Ginzburg, dois dos participantes do workshop

O mesmo aconteceu com a revista da Sociedade Brasileira de Computação, uma das primeiras a ingressar Scientific Eletronic Library Online (SciELO), segundo Cláudia. "Como a revista queria contar com mais propaganda institucional e com isso obter maior visibilidade internacional, resolveu sair da SciELO e ser publicada por uma editora de periódicos internacional."

Outro ponto destacado por Elliot é a pertinência da publicação de monografias por editoras universitárias. Para ele, muitas dessas editoras são importantes, confiáveis, com revisão por pares e todos os procedimentos necessários, por isso não prosperou a sugestão de ignorar as editoras e cada pesquisador ou grupo fazer o trabalho por conta própria. "Em primeiro lugar, deve-se considerar que o trabalho editorial feito por elas é muito bom. Além disso, a academia funciona como uma economia de prestígio e as editoras adicionam esse tipo valor ao que fazem."

Jézio Gutierre, presidente da Editora da Unesp, disse que não há certeza sobre o que é uma editora acadêmico e que isso é importante para toda a discussão, "senão vamos continuar a buscar objetivos que não são consistentes". O segundo passo a definir, segundo ele, é quem pagará pelo trabalho. Ele também pensa que é preciso analisar se a publicação digital de acesso livre é realmente uma preocupação social real ou apenas da instituição.

Gutierre também falou sobre a experiência "surpreendentemente bem-sucedida" que a editora tem tido com as edições digitais em geral e com SciELO. "Temos um programa estável de publicação digital já com 340 títulos, com número anual de lançamentos tendo chegado a 120. Em cinco anos atingimos a marca de 50 milhões de acessos e 20 milhões de downloads. Na SciELO Books, com acesso livre, já são 92 títulos".

Elliott respondeu que a definição das características de uma editora acadêmica ainda é uma questão em aberto, pois os diferentes atores ainda não definiram o que constitui uma editora desse tipo. "O interessante é que a Cambridge University Press e a Oxford University Press, as duas maiores editoras acadêmicas dos EUA, não participam dessa discussão. Elas têm medo do novo tipo de modelo porque se tornaram editoras comerciais, apesar de também produzirem títulos acadêmicos."

"A editoras universitárias americanas foram criadas para apoiar a comunicação entre os acadêmicos e também para diferenciar quem era da academia de quem não era. Agora falamos de algo diferente: promover a comunicação também com o público leigo. Isso introduz uma ambiguidade na missão das editoras."

Quanto ao financiamento do modelo, Elliott disse que a proposta é mudar a responsabilidade pelo custeio das publicações do consumidor para o produtor e dessa forma tornar o conteúdo disponível a mais pessoas. "Nos EUA, isso vai se transformar num fardo institucional, não num fardo político."

Elliott não acredita que as agências governamentais de fomento à pesquisa americanas financiarão essa transição de modelo nas humanidades.  "Curiosamente, o principal patrocinador até agora é uma fundação privada [Mellon], que financia a implantação do sistema e depois procura sair dele. Um dos lados negativos previstos é aumento do custo para a contratação de pesquisadores na área de humanidades, pois será preciso prever os gastos com a produção de acesso aberto do docente."

Segundo Elliott, a Mellon defende o novo sistema modelo por diversas razões, mas sua preocupação principal é com o fato de o modelo atual das editoras universitárias não ser sustentável financeiramente, principalmente porque há o problema do freeright, ou seja, algumas pessoas se beneficiam de algo que elas não pagam: "Quando um professor de uma universidade que não tem editora publica um livro na editora da Universidade de Chicago, por exemplo, sua universidade se beneficia de algo em que não investiu."

Além disso, a Mellon constata que as editoras universitárias têm tido um retorno menor, pois não conseguem vender cópias para as bibliotecas. "Soma-se a isso o fato de a maior parte das editoras universitárias nos EUA serem muito pequenas e não terem recursos necessários para construir uma infraestrutura para editar e distribuir publicações digitais, a menos que tenham certeza de que haverá um fluxo contínuo de autores."

Martin Grossmann, ex-diretor do IEA, quis saber dos representantes da Unesp e da Câmara Brasileira do Livro se há uma estratégia em análise para o mercado brasileiro.

De acordo com Jézio Gutierre, presidente da Editora da Unesp, há várias pessoas e grupos de estudos preocupados com isso, inclusive na USP Leste. Todavia, "ninguém sabe o que acontecerá no futuro, inclusive porque as estatísticas americanas de 2015 indicam uma retração no mercado de livros digitais e por haver uma postura ainda refratária do público acadêmico em relação a eles".

Segundo Elliott, uma das razões pelas quais Mellon está investindo é exatamente essa: "Não sabemos o que vai acontecer e o que ela faz é conceder recursos para experimentarmos".

De acordo com Daniela Manole, diretora da Câmara Brasileira do Livro, o mercado brasileiro é híbrido, com espaço para muitos formatos editoriais. "Um dos motivos pelos quais os editores estão utilizando vários formatos é prevenir a pirataria. "Atualmente há soluções para serem oferecidas às universidades e bibliotecas, como o acesso por capítulo ou por página. No entanto, esse projeto não consegue ingressar nas universidades públicas." Quanto à participação nas vendas, ela disse que os livros digitais representam 4% do faturamento das editoras no Brasil, seguindo mais ou menos o mercado europeu, ao passo que nos EUA e no Reino Unido, a participação chega a 30% da receita.

Daniela afirmou que "possibilitar o acesso livre às fontes de educação em acesso livre é um conceito antigo, defendido em 2002 pela Unesco, mas tem de ser financiada". Mas há muitas confusões entre os conceitos, de acordo com ela: "As pessoas querem que o autor produza, seja editado e depois colocado no mercado e que a obra seja gratuita. O resultado é a pirataria." Ela informou que a CBL tem uma comissão sobre livros digitais, onde todos esses temas são discutidos por meio de workshops e cursos.

Além dos custos de produção, é preciso considerar os custos de preservação das publicações digitais, segundo Claudia: "Na Nasa, os dados de muitas missões a Marte estão perdidos porque não havia política de preservação ou porque foram armazenados em lugares inadequados".

Perguntado por ela se há estudos sobre os custos de preservação das obras acadêmicas digitais, Elliott respondeu que está sendo feito um estudo sobre isso, mas que é difícil de realizá-lo, pois ainda não há o material a ser preservado.

A graduanda Beatriz Kalichman, colaboradora do projeto de pesquisa do professor visitante do IEA Jeffrey Lesser, disse que ao se pensar num modelo brasileiro para o acesso livre, deve–se levar em consideração de que as bolsas para pesquisa são pagas com dinheiro público e por isso os resultados também dever ser públicos.

Elliott disse que muito recentemente as agências americanas de fomento à ciência começaram a definir termos de acesso aberto, no sentido de que sejam públicos os resultados de uma pesquisa patrocinada com recursos públicos. "A política americana que permitiu que os pesquisadores recebessem recursos e isso propiciasse riqueza particular, por meio da participação em patentes e outras propriedades intelectuais, foi uma decisão dos anos 80, durante o governo de Ronald Reagan.

Fotos: Leonor Calazans/IEA-USP