A aula como espaço coletivo

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 13:00 - última modificação 07/02/2020 13:00

Durante a atividade temática, professores pensaram em aspectos que valorizam a reflexão e a melhora da qualidade no trabalho feito diretamente com os alunos
Pontos-chave

1. A troca entre gestão e professores – assim como o diálogo entre professores e alunos – é fundamental para garantir a continuidade de bons projetos e a renovação do trabalho.

2. Os processos de avaliação e de registro são importantes para a discussão entre coordenador pedagógico e professor. Também possibilitam trocas entre os docentes.

3. A instauração de um bom clima também depende do trabalho dos professores dentro de sala de aula, promovendo uma escuta aberta e empática dos estudantes.

Como a gestão pode influenciar os momentos de aula? Essa foi a questão que norteou as reflexões da atividade coordenada por Silene Kuin e Mônica Carrer durante o terceiro encontro do Ciclo Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes da Cátedra de Educação Básica da USP. A sessão aconteceu após a abertura apresentada por Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC. Na fala inicial, a especialista debateu as funções de diretores e coordenadores pedagógicos. Nessa atividade temática, os professores se dedicaram a pensar como essas funções podem influenciar o fazer docente.

Para disparar a discussão, as coordenadoras dividiram a sala em três grupos e distribuíram, para cada um, a transcrição de um diálogo real e que tratava do tema da sala. Os participantes fizeram a leitura desse texto, debateram-no em pequenos grupos e depois apresentaram um resumo das principais reflexões levantadas para o restante dos participantes na atividade.

Diálogos da vida real

O primeiro cenário trazia o relato de um professor sobre algo que havia acontecido em sua sala de aula. Segundo ele, após apresentar um conceito, ele propôs que a turma realizasse uma pesquisa em grupo para aprofundar no tema discutido em aula. Um dos grupos achou uma informação diferente da que havia sido apresentada e questionou o docente. No fim das contas, o professor descobriu que havia passado um dado desatualizado. "É interessante ver como agora, precisamos sair do papel de sabe-tudo", pontuou a professora Sabrina Manczyk, da rede particular de São Paulo, relacionando o caso à fala de abertura, em que Tereza Perez discutiu a importância de não focar mais o ensino apenas na transmissão de informação.

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

O segundo cenário tratava de um diálogo entre um gestor e dois professores para a conclusão de um projeto. Os dois docentes apresentam entusiasmo, falando sobre o envolvimento dos estudantes e a participação deles. Já o gestor destaca que houve um certo tumulto: pais das turmas que não estavam no projeto reclamaram que os filhos não estavam usando recursos tecnológicos em aula, pessoas questionaram as saídas dos estudantes pelo bairro. "O que significa, para esse gestor, um tumulto? A quebra na cultura de que os alunos devem estar em silêncio, que só há uma organização possível", destacou a professora Janaína Ferreira da Silva, da rede municipal de São Paulo. "Havia um projeto incrível em desenvolvimento e que acabou sendo interrompido porque a gestão não o viu com bons olhos e os professores também não conseguiram defendê-lo", concordou Kuin.

O último cenário apresentava falas de adolescentes que participaram de um grupo focal sobre o que mais os atraía na escola. O domínio do professor sobre o conteúdo, a proximidade da relação dele com os alunos e o uso de estratégias diferenciadas apareceram entre os tópicos levantados. Os professores que discutiram esse caso levantaram a importância de compartilhar o planejamento com os alunos. "Em minhas turmas de Educação Infantil, eu convido as crianças a participar na criação do nosso espaço", conta Anna Carla Pinheiro, da rede particular. Kelly Correa da Silva, do Colégio de Aplicação da UFRGS, levantou um ponto de atenção: "Não podemos, também, abrir demais para que todo mundo discuta nossas aulas, porque nós somos profissionais, especialistas. Estudamos para planejar nosso trabalho."

Depois das discussões em agrupamentos menores e com toda a sala sobre os cenários apresentados pelas coordenadoras, os grupos foram convidados a pensar em propostas de intervenção relacionadas aos temas. O resultado apareceu na plenária, ao fim do dia.

Três momentos para uma boa aula

O primeiro grupo sistematizou suas reflexões pensando em quais elementos devem ser considerados antes de uma aula, durante ela e após o seu fim para garantir a sua qualidade. Durante o planejamento, o grupo destacou a importância de se escolher um bom tema, adequado para a faixa etária e para a turma específica em que ela será desenvolvida. Também apontou a importância do docente se atentar para o tempo que será necessário para aquela prática e fazer a escolha do melhor espaço. "De repente, é possível até sair do ambiente da sala", sugeriu a professora Juliana Zambon, da rede particular.

Durante a aula, é importante favorecer uma metodologia que envolva os estudantes: com a apresentação de um problema e o levantamento de hipóteses, por exemplos. O grupo destacou a importância de se ampliar o repertório dos estudantes, apresentando vídeos, textos e podcasts que ajudem a ampliar a reflexão e a aprendizagem. "Ao final, é possível propor uma autoavaliação, em que os estudantes falem sobre o que já sabiam, o que aprenderam e o que poderiam aprender", diz Juliana.

Depois da aula, o docente deve avaliar se a proposta realizada conseguiu alcançar o objetivo, elencar os pontos positivos e negativos, ver como os estudantes se envolveram naquela prática, e com base nesses apontamentos, planejar uma próxima aula. "Um ponto que ficou muito claro foi a importância do registro do professor. Ele auxilia no planejamento de aulas posteriormente", comenta Juliana, que representou o grupo durante a plenária.

Aula: espaço de colaboração

O segundo grupo levantou algumas situações em que o apoio da gestão poderia qualificar o trabalho em sala. A primeira diz respeito às condições de trabalho dos professores. "Pensamos nelas não como um limitador da qualidade do trabalho, mas no impacto que elas têm no bem estar do educador e também dos alunos", explica Janaína, que apresentou a discussão no auditório.

Outro aspecto diz respeito às interações entre professores e de professores com o coordenador pedagógico. Uma possibilidade é a existência de uma avaliação processual, tanto dos alunos pelo professor quanto do professor pelo gestor. "O coordenador pode apontar, junto com o educador, pontos de avanço ao decorrer do tempo e também aspectos em que é possível melhorar no planejamento e na execução das aulas", sugere. O grupo também falou sobre a importância dos registros. Anotações, fotos e vídeos podem fazer parte do material observado e discutido entre professor e gestores. A troca de registros entre os professores é outra estratégia, assim como assistir aulas uns dos outros. "A ideia é criar uma comunidade educativa na escola", conta Juliana.

O professor e o clima da aula

O último grupo pensou em três dimensões que impactam nos resultados de uma aula: pessoal, do conhecimento e institucional. Na dimensão pessoal, os participantes chamaram a atenção para o acolhimento dentro da sala. "É importante que haja empatia e escuta dos alunos pelo professor", destacou Anna Carla Pinheiro, da rede particular. O professor Gilberto José da Silva, da rede estadual, exemplificou: "Sempre peço para os alunos me chamar de Giba. Já quebra com a seriedade que eles vêem nas aulas de Matemática."

Quem é Silene Kuin
Educadora com doutorado, mestrado e especialização em Educação-Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na linha Novas Tecnologias em Educação. Atua como docente no Ensino Superior nas modalidades presencial e a distância. Foi diretora do Departamento de Recursos Didáticos e Tecnológicos de Educação a Distância da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo (EFAP).

A segunda dimensão implica no domínio do professor sobre o tema e no uso de abordagens inovadoras. "Precisamos conhecer os alunos, saber em que territórios eles estão e considerar isso", diz Anna Carla. Ela destaca o trabalho em grupos colaborativos e as metodologias ativas, que podem auxiliar na inclusão e contemplar a diversidade em sala de aula.

Quem é Mônica Carrer
Professora do Ciclo 1 do Ensino Fundamental da rede estadual de São Paulo e consultora do Itaú Social para a Cátedra de Educação Básica.

Por fim, a dimensão institucional. Todos dentro da escola devem ter uma boa comunicação – gestores, professores, funcionários, alunos e família. "É importante que haja uma troca de experiência e uma constante busca por conhecimento, às vezes até de colegas mais distantes, como de professores do Fundamental 2 e da Educação Infantil", afirma Anna. Luís Carlos de Menezes, membro da Cátedra de Educação Básica da USP, destacou a perspectiva do trabalho colaborativo entre professores. "É muito interessante ver como todos os grupos enxergam o espaço aula como um espaço coletivo", comentou.