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A ascensão das redes e a morte da democracia

por Mauro Bellesa - publicado 09/09/2021 11:15 - última modificação 13/09/2021 08:54

Por Luis Eduardo de Souza Leite Trancoso Daher, integrante da equipe de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais no PDK Advogados. Graduando em Direito na Universidade Federal Fluminense, onde é pesquisador nos grupos "Tutela de Dados Pessoais" e "Direito Administrativo Contemporâneo". Membro da Associação Nacional de Advogados(as) de Direito Digital.

Por Luis Eduardo de Souza Leite Trancoso Daher, integrante da equipe de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais no PDK Advogados. Graduando em Direito na Universidade Federal Fluminense, onde é pesquisador nos grupos "Tutela de Dados Pessoais" e "Direito Administrativo Contemporâneo". Membro da Associação Nacional de Advogados(as) de Direito Digital.

27 de agosto de 2021.

É fato que somos um país mazelado pelas entranhas históricas do autoritarismo, da violência e da brutalidade nas mais variadas formas de governo. Em consenso com esta afirmação, em seu livro “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Holanda tece a seguinte consideração: “A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido” (HOLANDA, 2016, p. 208). No país tropical, ter um governo alinhado com direitos e garantias fundamentais sempre se revelou uma dificuldade.

Em paralelo a isto, a tecnologia mudou tudo. Incontáveis países passaram por transformações tecnológicas de que derivaram transformações sociais profundas. Paulatinamente, a tecnologia foi se tornando cada vez mais parte das nossas vidas, em verdadeira simbiose com os seres humanos e, consequentemente, com suas repercussões no meio social. A comunicação avançou até patamares antes inimagináveis, assim como o acesso ao conhecimento e à difusão de ideais. A possibilidade de comunicação de massa instantânea abriu precedentes para métodos pouco ortodoxos de governo.

Desta forma, os meios de se atentar contra o regime democrático não restaram anacrônicos. Estes mostraram-se bastante alinhados à concepção de um país hiperconectado, um território interligado em redes, conforme o conceito de Manuel Castells (CASTELLS, 2006), segundo o qual a tecnologia modifica a realidade como a conhecemos a todo momento. Evoluímos de uma visão analógica de mundo para uma digital e o autoritarismo revestiu-se de uma nova capa, um pouco mais velada e discreta, mas talvez mais perigosa ainda: a capa do Tecnoautoritarismo.

Nesta discussão, é latente o papel que desempenham os dados e toda a dificuldade de controlá-los e rastreá-los, todavia, neste breve excerto, eles não serão o foco principal. Daremos um pouco mais de destaque à convivência em redes, que agrava essa dificuldade de rastrear e controlar nossos próprios dados, além de criar ameaças inéditas para a democracia, como exércitos digitais, bots, filtros bolha, Fake News, desinformação e diversas outras formas de modulação democrática.

Assim, enfrentamos releituras de antigas engrenagens institucionalizadas da democracia que podem ser subvertidas para propósitos avessos, como leis, atos normativos e decisões, além de estarmos em um ambiente propício para a propagação de ideais contra democráticos, especulações e teorias da conspiração, justamente pela influência dos algoritmos das redes sociais e pela capacidade de criação de câmaras de personalização e direcionamento de ideias (filtros bolha). Sergio Amadeu da Silveira nos traz, pelas palavras de Langdon Winner que as tecnologias podem incorporar formas específicas de poder e autoridade, podem conter certas propriedades políticas (AMADEU, 2019)

A modulação comportamental por meio de algoritmos e estratégias digitais é uma realidade e se tornou possível devido à importância que o meio digital angariou nos últimos anos. Pela primeira vez, uma rede social é o principal meio de comunicação e informação do Brasileiro e a mídia on-line é apontada como principal fonte de notícias no mundo.

Assim, é necessário refletir acerca da influência do digital na democracia, influência esta que pode e deveria se mostrar positiva, de acordo com o que nos traz Eduardo Magrani;

O engajamento político-democrático por meio de plataformas digitais teria, portanto, ao menos em tese, a capacidade ou o potencial (por conta das características próprias das plataformas de internet) de reduzir déficits democráticos, contribuindo tanto para o incremento da democracia representativa (indireta) quanto para abrir novos espaços e canais de interação através da democracia direta e participativa/deliberativa (MAGRANI, 2014).

Sabemos que estamos longe deste ideal e, além disso, caminhamos constantemente na direção contrária. É necessário falar de Autoritarismo Contemporâneo ou Tecnoautoritarismo em um governo democrático porque os reiterados ataques por meio de mecanismos institucionais impulsionados pela tecnologia, como as recentes investidas de Roberto Jefferson contra as instituições democráticas ao pleitear o fechamento do Supremo Tribunal Federal e o fim da independência do poder judiciário, além de ameaçar cláusulas pétreas da Constituição Federal demandam esse cuidado. Em uma democracia tão recente, é melhor pecar pelo excesso. Além de Jefferson, Daniel Silveira, outro aliado de Jair Bolsonaro, gravou vídeos defendendo o fechamento de instituições e o fim do regime democrático, os quais se espalharam pelas redes rapidamente e de forma preocupante.

Na era do Whatsapp e dos filtros bolha, discursos como os de Daniel Silveira e Roberto Jefferson e até mesmo do próprio presidente da República democraticamente eleito, sobre a necessidade do fechamento de instituições democráticas “corruptas”, a “falta de confiabilidade do sistema de urnas eletrônicas” e muitos outros atentatórios ao Estado Democrático de Direito ecoam e reverberam em seus apoiadores, de maneira instantânea e organizada, trazendo consigo a manobrabilidade das massas, a disciplina, o controle e o enquadramento em “Corpos Dóceis”(FOUCAULT, 2008), no melhor estilo Foucaultiano da expressão. Esta bolha é ainda fomentada e complexificada pela inclusão de bots neste cenário. Com atuação mais marcada no Twitter pela possibilidade de impulsionamento por meio de hashtags, estes robôs criam a falsa sensação de aderência a discursos específicos e contribuem para a desinformação e manipulação da esfera pública.

Há importantes iniciativas que auxiliam no esclarecimento deste fenômeno tão novo, mas tão latente em nossa democracia. Neste sentido, na Retrospectiva do Tecnoautoritarismo – 2020, o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) e a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa (DPBR), de acordo com o site da própria LAUT, sinalizam para o uso de tecnologias que aumentam a capacidade informacional do Estado, sem as devidas salvaguardas para o cidadão. O relatório é parte de um esforço de pesquisa conjunta – inserida em projeto que tem participação da OAB/RJ.

A respeito dos bots, o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro conta com outro interessante projeto, o PEGABOT. O mecanismo verifica um perfil em rede social e dá uma pontuação baseada na probabilidade desse perfil ser um bot. Quanto maior a pontuação, maior a chance de ser um bot, de acordo com o site da própria instituição.

A ascensão das redes e a crescente cultura do compartilhamento contribuem, portanto, de maneira exponencial para o crescimento daquilo que mencionamos como uma nova forma de autoritarismo. A rebatida das instituições e a constante vigilância e conscientização da população sobre o assunto são medidas essenciais para a manutenção do ambiente democrático. A democracia ainda não está morta, mas respira por aparelhos.

 

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. “A sociedade em rede”. 9. ed. rev. ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

MAGRANI, Eduardo. Democracia conectada: a internet como ferramenta de engajamento político-democrático. Curitiba: Juruá, 2014.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o Autoritarismo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

SILVEIRA, Sergio Amadeu da. Democracia e os códigos invisíveis: como os algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2019.