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A retomada da consciência crítica diante das invenções tecnológicas da humanidade

por Mauro Bellesa - publicado 04/10/2021 14:00 - última modificação 04/10/2021 14:00

Por Marina Polo, doutora em estudos da comunicação (tecnologia, cultura e sociedade) pela Universidade do Minho (Portugal), onde integra o Observatório de Políticas de Ciência, Comunicação e Cultura (POLObs) transversal aos grupos de pesquisa do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Participante do Laboratório de Pesquisa em Economia, Tecnologia e Políticas da Comunicação (Telas) da Universidade Federal do Ceará).

Por Marina Polo, doutora em estudos da comunicação (tecnologia, cultura e sociedade) pela Universidade do Minho (Portugal), onde integra o Observatório de Políticas de Ciência, Comunicação e Cultura (POLObs) transversal aos grupos de pesquisa do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Participante do Laboratório de Pesquisa em Economia, Tecnologia e Políticas da Comunicação (Telas) da Universidade Federal do Ceará).

18 de setembro de 2021.

A máquina intitulada The Ultimate Machine foi uma das invenções de Claude Shannon, conhecido teórico da informação. A imagem associada ao protótipo desta invenção revela que foi projetada em uma caixa de madeira onde encontrava-se incorporado, na parte central, um interruptor com as inscrições On e Off. Ao posicionar o interruptor no On, a caixa se abre e uma mão mecânica, a simular o aspecto humano, surge com o objetivo de empurrar o interruptor em direção ao Off. A máquina é então desligada.

Este processo mecânico é melhor descrito por Arthur C. Clark, no livro Voice Across the Sea, no qual o autor ajuda a explicar, de forma simples, que a função da máquina era desligar-se caso fosse ligada. Faltou ainda revelar que, enquanto ligada, a máquina produzia um ruído e, ao ser desligada, deixava o silêncio tomar conta do espaço.

Versões mais recentes da invenção de Shannon podem ser encontradas em vídeos hospedados na Internet. Um destes é intitulado The Most Useless Machine Ever e reproduz a lógica de funcionamento da máquina original. Na versão digital a audiência é instigada a apertar o botão play para, através do computador, assistir a uma outra mão humana ligar o interruptor. O título do vídeo sugere não considerar a utilidade reflexiva daquilo que está sendo reproduzido, entretanto, o fato de ter sido visualizado mais de 11 milhões de vezes demonstra o quão atrativa é a interação entre o humano e a máquina.

A invenção de Shannon coloca algumas questões. Seria possível, ao longo de uma série de interações, confundir quem foi o responsável pelo primeiro impulso? Ao invés de ser a mão humana a ligar a máquina, estaria a tentar desligá-la? A máquina estaria, inversamente ao proposto, a funcionar para não ser desligada?

A interação entre o humano e a máquina pode ser atrativa e até regozijante enquanto experiência simples na qual o ser humano se deixa absorver. Nesta aproximação, a máquina nos chama, nos envolve, nos invade. De um interruptor à um clique na tela do computador, o ser humano deixa-se entranhar. Toca. Se envolve. Acorda e verifica a caixa de entrada do seu e-mail. Aperta um botão para fazer o seu café. Verifica a perfeição do funcionamento da máquina e se satisfaz. Já não pode deixar de verificar se chegou novas mensagens. Existe uma urgência repetitiva em verificar se a máquina continua ligada, mesmo em uma sociedade na qual estar On já não é um fato excepcional e, aparentemente, não há uma mão a tentar desligar a máquina.

Desde a mão mecânica, incorporada à máquina de Shannon, aos computadores que permitem assistir a um vídeo hospedado na Internet, tudo origina das invenções da humanidade. Consiste neste fato o fundamento que explica a maquinaria como condição humana. A negação desta condição leva a análises deterministas, exemplificadas pelas visões de “maravilhamento” ou “embasbacamento” diante das máquinas, nas expressões utilizadas por Álvaro Vieira Pinto.

A superação do deslumbramento diante da técnica é indispensável mas isso não desemboca em um manifesto contrário às máquinas, pelo contrário, trata-se de uma tomada de consciência da relação dialética através da qual o sujeito atua como criador e receptor da tecnologia.

Respondendo à questão que nos é colocada com a invenção de Shannon, a máquina não poderia evitar o seu próprio desligamento. O ser humano, porém, pode ser instigado a repetir o processo a ponto de pôr em causa se está a ligar ou a desligar a máquina. Contudo esta ideia só se concretizaria diante do apagamento do próprio sujeito, o único que pode dar os impulsos necessários para a perfeição do funcionamento da máquina.

Se até aqui referimos a aproximação da tecnologia do seu caráter social, é a apropriação privada da tecnologia e o seu modo de inserção na sociedade que revela a sua instrumentalização. As tecnologias enquanto estruturas físicas possuem camadas de fibra, transportam dados, ocupam espaço, propagam calor, superaquecem e precisam de manutenção. Estão inseridas em uma economia política carregada dos valores hegemônicos de uma classe dominante. É neste âmbito, das disputas entre o público e o privado, entre o local e o global, entre o cidadão e o consumidor, que a retomada da consciência crítica diante das invenções tecnológicas da humanidade se faz fundamental.

Referências

VIEIRA PINTO, A. O Conceito de Tecnologia. Vol. I. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

WILLIAMS, Raymond. Televisão: tecnologia e forma cultural. São Paulo: Boitempo, 2016.