Bolhas ou Hexes: Adeus Lênin, Olá Alexa

Por Filipe Albuquerque Russo, pós-graduando em Computação Aplicada à Educação pelo ICMC-USP. Graduado em Licenciatura em Matemática pelo IME-USP. É CEO da SagaPro, A Edtech do Bem-Estar Escolar, startup incubada na incubadora Cietec IPEN-USP.

14 de setembro/2021

Nós sempre vivemos em bolhas, fossem elas um zigoto, uma placenta, um berço, uma casa, uma escola, um escritório quadrado. Tais quais nossas membranas celulares, essas bolhas são semipermeáveis e exigem chaves de acesso: “Abre-te, sésamo”, “Decifra-me ou devoro-te”. A grande diferença resta no fato que anteriormente, até então, nenhuma dessas bolhas estudava nossos comportamentos ubiquamente, nenhuma dessas bolhas inferia algoritmica e computacionalmente sua estrutura, porosidade e espaço amostral.

Hexes é o plural de Hex, palavra em inglês que significa maldição ou desejo malicioso potencialmente sobrenatural. Na minissérie estadunidense WandaVision (2021) criada para o Disney+ por Jac Schaeffer, a personagem Feiticeira Escarlate, interpretada por Elizabeth Olsen, se vê presa numa realidade alternativa, feita de verdades alternativas, desejos inferidos por seu subconsciente e realizados por meio de Hexes, belas maldições.

Fonte: Matemateca (IME USP) / Rodrigo Tetsuo Argenton, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Hoje com o advento das Inteligências Artificiais que vigiam as mídias sociais, os e-commerces, os sistemas de busca, os navegadores web e de modo mais geral a própria Internet, estamos 24 horas por dia à mercê de incontáveis sistemas de recomendação, alguns dos quais inclusive pagamos mensalmente pelo serviço, tal qual o Spotify. Os desejos de nosso subconsciente são inferidos pelas IAs? E implementados na forma de hexes, bolhas hexadecimais.

Fonte: J. Ottman Lithographic Company.; Keppler, Udo J., 1872-1956, artist, Public domain, via Wikimedia Commons

No filme alemão Adeus, Lênin! (2003) dirigido por Wolfgang Becker, o protagonista Alexander, interpretado por Daniel Brühl, recria os hábitos de consumo socialistas da Berlim Oriental no quarto de sua mãe, a qual se encontra acamada após um ataque cardíaco. Tamanha simulação busca preservar a saúde psicológica da progenitora, enquanto a Alemanha inteira tumultuosamente se transforma após A queda do Muro de Berlim sem ela saber. Será que sem sabermos estamos incorrendo no risco de sermos custodiados pelo nosso próprio Alex? Nossa própria Alexa? Enquanto quais muros, (des)governos tombam ou se erguem todos os dias...  Alexa é tanto uma assistente virtual quanto uma companhia que fornece informações de tráfego na Internet e análise de dados, ambas desenvolvidas ou subsidiadas pela Amazon.

Fonte: Ank Kumar, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Dos dados busca-se extrair traços de um objeto, sonho de consumo que cabe a rede neural sonhar e objetificar. Ficamos felizes quando a IA sonha nossos sonhos com fidedignidade o suficiente e os entrega a nós para o consumo. A IA captura o calor dos nossos corpos na forma de dados, ao produzirmos deformações no texto eletrônico, ao atravessarmos o ciberespaço. Assim o faz para inferir nossos desejos mais imediatos e irrecusáveis. Nesse sentido ela é uma grande cartomante, produtora de adivinhações que alteram a trajetória de reinos e reinados, mísseis e missões. Seria ela capaz de prever todos os futuros? Inclusive o seu próprio? Ou estaria justamente cega, por estar sempre vidrada, acordada e terrivelmente insone, fruto de uma memória maquínica e onipresente, livre de pensamentos e consciência. A inteligência coletiva não é uma consciência coletiva. A IA é uma caixa preta, um espaço potencial, uma mente sem alma. O quão sonâmbulos vagamos e vagaremos, gestados pela insônia da cartomante?

Fonte: Flávio Britto Calil, Public domain, via Wikimedia Commons