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Cibercultura, Cibernegócios e Formação da Juventude - Uma Introdução

por Mauro Bellesa - publicado 28/10/2021 10:35 - última modificação 28/10/2021 10:37

Por Luiz R. Alves é professor-pesquisador sênior da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP. Professor da Educação Básica Pública. Graduado em Letras e Pedagogia. Mestrado e Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada, FFLCH-USP. Livre-docência em Ciências da Comunicação (ECA). Tem orientado estudantes da graduação ao pós-doutorado.

Por Luiz R. Alves é professor-pesquisador sênior da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP. Professor da Educação Básica Pública. Graduado em Letras e Pedagogia. Mestrado e Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada, FFLCH-USP. Livre-docência em Ciências da Comunicação (ECA). Tem orientado estudantes da graduação ao pós-doutorado.

25 outubro de 2021.

Trabalhar com educação/ensino de crianças, adolescentes e jovens implica recepcionar os novos eventos e fenômenos do mundo no âmbito do espaço educativo e, imediatamente, criticá-los com o rigor possível construído pela comunidade. Tal disposição, porém, não é trabalho exclusivo dos profissionais da educação, menos ainda de um grupo de notáveis ou da tecnoburocracia. Se não for ação inclusiva de estudantes e pessoas interessadas na comunidade escolar será outra coisa que não educação. É o que se dá com os novos campos das interações sociais: internet, jogos eletrônicos, redes sociais, tecnologias de conexão e suas inteligências, big data e big techs, novas ecologias do corpo na cultura/natureza, dinâmica behaviorista do uso de dados, aprendizado de máquinas e similares.

Considere-se que já foram postos elementos reguladores, nacionais e internacionais, para a ação de instituições e organizações desses novos campos de conhecimento. De um lado, é intenso o debate sobre a regulamentação das mídias, e não somente da imprensa, a partir do ditame constitucional -Art. 220, §5 - que veda monopólios e oligopólios no sistema de comunicação social. Pululam mitos de interesse, partidários e corporativos. Mas por isso mesmo é tema necessário ao debate de quem vive circuitos formativos no ensino básico e na universidade. Está em questão o direito de conhecer por meio de fatos e dados eticamente formulados por todas as mídias.

Conhecem-se sistemas reguladores em muitas nações, também sobre o uso de dados pessoais. O Brasil tem seu texto, desafiado e questionado diariamente pela prática de oligopólios das novas mídias. Trata-se da Lei 13.709/2-18, que visa resguardar direitos pessoais e estabelecer responsabilidades por quem trabalha com dados.

A par das formulações em andamento, sem dúvida os campos sedutores e instigantes das redes, seus algoritmos e seu intenso sistema de comunicação são recebidos com curiosidade e mesmo prazer, tanto porque podem auxiliar na construção dos circuitos formativos e seus currículos integrais de estudo e experiência quanto porque a juventude os recebeu antes da escola e nesta instalou suas redes associativas. Compreendê-las sugere, pois, desenvolver estudos que tratam delas, discutir seus riscos e possibilidades, ver o que há de ação cultural no movimento mundial de participação nas redes e de negócios das corporações; do mesmo modo, pensar coletivamente nas reações sociais e nas pistas para que as novas tecnologias não se esvaziem de suas virtudes educacionais e mesmo de suas estéticas. O trabalho é urgente e necessário.

A escola é bom lugar para o debate. O autor prefere propor a atitude crítica em vez de embarcar no discurso fácil do aprendizado de/por máquinas, visto que não há o mínimo consenso de seu valor para o ato complexo e desafiador de aprender. No entanto, o grande tema é indispensável, tanto porque comporta uma juventude que abraçou a dinâmica comunicativa quanto em razão de na comunidade escolar residir uma comunidade educadora, pelo menos em potencial. Acresce, ainda, que tal ação é da natureza de seu trabalho curricular, das disposições dos projetos político-pedagógicos e da postura ética de seus regimentos.

Este trabalho deseja compor a ação crítica do campo educacional e sua consequente explicação.

Em um denso e pequeno artigo de 1984[1], Furtado se veste de profetas do Aleijadinho para nos introduzir diretamente ao novo campo dos algoritmos, da mineração de dados, do aprendizado de máquinas, das extraordinárias vigilâncias corporativas e, a par disso, da necessidade radical de ver um horizonte de cidadania local/mundial. Ele se questiona e a pergunta precisa ser feita às novas gerações de estudantes: “...como apropriar-se do hardware da informática sem intoxicar-se com o software, os sistemas de símbolos importados que com frequência ressecam nossas raízes culturais? Esse problema se coloca hoje um pouco por toda parte, na medida em que a produção de bens culturais se transformou em ciclópico negócio e uma das leis que regem esse negócio é a uniformização dos padrões de comportamento, base da criação de grandes mercados” (p.19)

Trata-se de reconhecer que estamos a pisar em caminhos revolucionários de um mundo cyber/ciber munidos de um repertório expressivo e significativo que a nossa história cultural oferece há muito tempo, aparato e código que nos formaram e, ainda que falemos outras línguas, o repertório mostra limites. Não há novilingua para captar sentidos novos e novíssimos, a despeito de empréstimos, decalques, justaposições, cópias, tudo ainda sob experimentação. É justo, pois, que a questão, os textos que a estimulam e situações do entorno de suas significações sejam debatidas e as respostas fundamentadas. Os lugares de educação serão centrais para tal desejo, bem como necessidade.

Assumamos, também, que o único sistema econômico-político que a imensa maioria das pessoas conhece é o capitalismo. Das outras experiências sistemáticas, como o socialismo, há notícias, relatos, exageros, opiniões e mesmo bons estudos. Mas se trata de uma experiência parca e rara.

Como entender que os estudos sobre esta sociedade cibernética tenham tantas nomeações precárias? E como não considerar, pela ótica educacional, que todas as criações do campo cibernético são governadas pelo neoliberalismo capitalista? O campo parabólico aramaico, em que Jesus vive, assevera no sinótico Mateus: “Pelos frutos conhecereis as árvores. É possível alguém colher uvas de um espinheiro ou figos das ervas daninhas?”

Veja-se: capitalismo de vigilância, capitalismo digital, capitalismo de controle, capitalismo eco-técnico, capitalismo de algoritmos, capitalismo planetário, capitalismo informacional e tantos outros. Parece ficar claro que as leituras de totalidade dos fenômenos se esgarçaram, fragmentaram-se. Em seu lugar, o que antes já se entendeu como atributos do sistema, ou regime, passou a ser confundido com o seu todo e este, mitificado, dá lugar a toda sorte de apropriações, mais propriamente de simulações enganadoras do real, o que significa que o real deixa de ser conhecido pelas maiorias e serve a toda sorte de manipulações no círculo corporativo.

Como entender, do mesmo modo, que um “arrastão” de dados, perpetrado 24 horas por dia pelas grandes corporações do mercado informacional, imediatamente trocado em moedas globais no círculo restrito dos capitais, seja nomeado como epistemologia?

Pensar nessas questões como não-pedagógicas é grave engano. Tal atitude leva imediatamente à posição tornada abominável por Hannah Arendt. Para ela, o mundo adulto deve se perguntar sobre como recepciona as novas criaturas e se as ama. Ou se está decidido a passar a elas todos os seus enganos, preconceitos e estereótipos.

Referência

ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo, Editora Perspectiva, 1972.



[1] Celso Furtado, Revista do Brasil, Secretaria da Cultura do Rio de Janeiro,1984.