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Como também ficou a literatura na cultura digital?

por Mauro Bellesa - publicado 22/09/2021 12:20 - última modificação 22/09/2021 13:38

Por Arlete Aparecida Mathias, doutora em tecnologias da inteligência design digital pela PUC-SP. Escritora de fábulas infanto-juvenis, coordenadora do Projeto Tecnologias de Inovações - Habilitação e Transposição de Docentes e Leitores da Linguagem Analógica à Digital.

Por Arlete Aparecida Mathias, doutora em tecnologias da inteligência design digital pela PUC-SP. Escritora de fábulas infanto-juvenis, coordenadora do Projeto Tecnologias de Inovações - Habilitação e Transposição de Docentes e Leitores da Linguagem Analógica à Digital.

22 de setembro de 2021.

Atualmente, uma miríade de artistas e escritores saltaram em queda livre para o ciberespaço atraídos pela migração dos seus leitores. Contudo, para reconquistá-los em novo habitat, os artífices da escrita se reinventaram com inusitadas produções literárias eletrônicas para acesso on-line deles.

A propósito, apesar da literatura ter tido uma relação muito estreita com a cultura impressa e com o suporte paradigmático livro, hoje, o leitor e a literatura, não só se emanciparam da linguagem verbal das criações literárias impressas em papel, como circulam experiências em meios e espaços diferentes; eis o ponto de intersecção com objeto da minha pesquisa a que atrelo uma questão retórica para chamar sua atenção e refletirmos: como também ficou a literatura na cultura digital?

A respeito disto, será que a resposta para esta questão nos possibilitaria pensá-la por meio do seu livro de cabeceira preferido, ou quiçá, encontrá-la no conto ou coletânea poética de sua maior empatia?

Pensaram, então? Sim ou não? Prontos para alguma opinião? Mas, até que sua resposta ocorra nesta fração de segundo, então, esqueçam um pouco da tradicional concepção de literatura que conhecemos, ou seja, com as atuais mudanças rápidas e constantes, talvez a concepção que temos sobre ela possa estar desatualizada. Contudo, será que a literatura, nos dias atuais, também sofreu transformações como todos os outros conhecimentos e artes?

Você já parou para pensar e se deu conta do que também está acontecendo com a   literatura em tempos de cultura digital? Será que ela também está em metamorfose e se aventura com outras mídias e algoritmos no solo da Inteligência Artificial?

Literatura digital, Literatura Eletrônica, Literatura Hipermídia, Tecno Arte Poesia, Literatura Não Impressa, entre outras, e-literature são as diversas nomenclaturas com um mesmo sentido que os principais estudos reconhecem cunhados o frescor estético deste novo gênero.

Todavia, apesar de suas várias designações, poucos sabem sobre este novo gênero literário, por isso tenho curiosidade de saber: você já ouviu falar algo sobre a literatura digital?

É muito provável que não, por isso compartilho aqui alguns rastros primordiais esclarecedores de sua identidade. Aliás, seu espírito camaleônico e múltiplo influencia muitos à dedução e impressão equivocada, ou seja, muitos associam os textos da literatura digital como os textos de romances literários tradicionais digitalizados em formato PDF para execução de leitura convencional/linear em smartphone, tablets, ou em qualquer outro dispositivo eletrônico; mas não é isto.

Também, haveria um completo equívoco por parte de alguém que imaginasse a leitura de uma criação no campo da literatura digital, com possibilidade de executá-la na tela de um e-book e ou de um leitor e-reader.  Afinal, então, o que caracteriza a literatura digital?

A literatura digital de acordo com as descobertas do arcabouço teórico que observa este campo, é o único gênero literário produzido e criado para exclusiva inteligibilidade de leitura mosaiáquica, alinear em aparelhos digitais, computadores, máquinas inteligentes como: smartphones, tabletes e dispositivos móveis. (GAÍNZA, 2013)

Em uma mesma obra mesclam-se mídias e sistemas semióticos múltiplos como:  gráficos, sonoros, imagens, animações algorítmicas que podemos ver, sentir, ouvir, interagir – declamação, interpretação de uma obra, composição musical entre outros.

A multiplicidade é palavra-chave que a ELO - Eletronic Literature Organization -      enfocou no conceito de literatura eletrônica.

Por isso, o leitor ao navegar em uma obra literária eletrônica é; ubíquo, imersivo; um jogador que descobre peças chaves omissas para seus caminhos; um músico que executa, decifra notas musicais diante de uma partitura; aquele que (re) constrói, (des) monta o texto como uma quebra –cabeça; clica /toca a tela nos apelos lúdicos da criação literária eletrônica. (AARSETH, 1997; SANTAELLA, 2004; LANDOW, 2006; GROYS, 2012).

O Atlas Digital de Literatura mapeou o principal acervo de obras literárias eletrônicas brasileiras. Aliás, o nosso acesso universal às criações eletrônicas literárias on-line é gratuito. Ler eletronicamente, não implica o leitor ler menos, ou seja, as mudanças estruturais o concede acesso à informação por perspectivas inéditas, típicas do estado de expansão dos estudos literários.  (ABARELLO, 2011; CANCLINI, 2015)

O leitor emaranha-se por múltiplas linguagens e gêneros; virtualmente , se  aventura  nos contos e poemas; flutua e sobrevoa de forma tridimensional a ilha Liberdade (2013) de Alckmar dos Santos et al.

Chacoalhar, derrubar objetos do cenário, loop de cartas do baralho, acrobacias de palavras e outras combinações algorítmicas; a agência Atomic Antelope uniu Ipad e literatura na releitura eletrônica do clássico Alice no País das Maravilhas (1865). Sua restauração Alice for iPads (2010) é aplicativo cativo do público infantojuvenil.

O Cupido da pintura Festa de Vênus (1636) de Peter Paul Rubens exposta na Galeria de Arte do Aeroporto de Bruxelas, quebrou  o topo do seu quadro, saltou  fora dele e, em terceira dimensão, sobrevoou a sala área VIP de espera. De forma surpreendente, ele recuperou arcos e flechas e os lançou como dardos de amor nos espectadores. Todos os utilitários dos serviços aéreos em Bruxelas no mês de abril de 2020 se encantaram e se divertiram com a leitura 3RD interativa e Cupido de Rubens.

Diante da tela a sensação do leitor é que as palavras do poema estão vivas; humanizadas; elas (des) aparecem, virtualmente. Apelativas aos sentidos do espectador elas disputam seu próximo click/toque na criação eletrônica Amor de Clarice (2019), releitura de Rui Torres do conto impresso Amor (1960) de Clarice Lispector.

No traçado reflexivo que repenso pistas de como também ficou a literatura na cultura digital, não quero dizer que a literatura digital substituirá a literatura impressa e livro, mas as novas safras de escritores configuram suas produções eletrônicas como “ a um rio que corre levando consigo água de vários sítios e memória de lugares por onde passa- tudo em uma substância única”- (CASTRO, 1993). No contexto de obras aqui citadas, há substância única que interliga comunicação comum entre as criações literárias digitais e as diferentes artes, linguagens e conhecimentos. Atrelo a compreensão disto como uma possível contribuição da literatura em máquinas inteligentes para todas as nossas incertezas humanas hodiernas.

REFERÊNCIAS

AARSETH, Essen. Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature. Baltimore: The John Hopkins UP, 1997.

ALBARELLO, Francisco. Leer/navegar en Internet. Las formas de lectura en la computadora. Buenos Aires: La Crujía, 2011

CASTRO, Ernesto Manuel de Melo. O fim visual do século XX. São Paulo: Edusp, 1993.

GAINZA, Carolina et al. Como leemos um texto hipertextual? Uma exploración de la lectura de

Literatura digital. In Revista Humanidades n.35, enero Junio, 2017, pp 43-74, Santiago de Chile

GARCÍA Canclini, Néstor, Verónica Gerber, Andrés López et al. Hacía una antropología de los lectores. México, DF: Ariel, 2015.

GROYS, Boris. “De la imagen al archivo de imagen Y de vuelta: el arte en la era de la digitalización”. Castillo, Alejandra y Cristián Gómez-Moya. Arte, archivo y tecnología. Santiago: Ediciones Universidad Finis Terrae, 2012.

LANDOW, George. Hipertext 3.0. Critical Theory and New media in an Era of Globalization. Baltimore: The John Hopkins University Press, 2006. Labbé, Carlos. Pentagonal. 2001. Web, mayo 2016,.

MATHIAS, Arlete Aparecida. Diálogo Poético  Intermediático de Rui Torres e Clarice Lispector . In :  Darandina  Revistaeletrônica PPG em Letras: UFJF vol. 6- n. 2.  2014.

SANTAELLA, Lúcia. Navegar no Ciberespaço. São Paulo: Ed. Paulus, 2004.