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Metaverso e feminismo

por Mauro Bellesa - publicado 07/03/2022 10:05 - última modificação 25/04/2022 12:50

Por Renata Frada, doutoranda do Programa Doutoral em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais (ICPD) da Universidade de Aveiro e da Universidade do Porto (Portugal), mestre em letras pelo Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharel em comunicação social (habilitação jornalismo) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Por Renata Frada, doutoranda do Programa Doutoral em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais (ICPD) da Universidade de Aveiro e da Universidade do Porto (Portugal), mestre em letras pelo Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharel em comunicação social (habilitação jornalismo) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

29 de janeiro de 2021

Acusações de assédio moral e sexual, bullying e discursos de ódio despontam no metaverso. Kellen Browning e Sheera Frenke (2021), do The New York Times, reportaram exemplos, como o caso de Chanelle Siggens. Ao colocar o Oculus Quest de realidade virtual para iniciar o jogo Population One, a jovem percebeu o avatar de outro jogador se aproximar, tocá-la com intenções sexuais até ejacular em seu avatar. Solicitou ao jogador, cujo avatar parecia masculino, que parasse. Este não se sentiu intimidado, mas partiu. Segundo Browning e Frenk, ocorrem no VRChat (jogo de realidade virtual) incidentes de violação uma vez a cada sete minutos.

O fato despertou um sinal vermelho e a indagação: o que as feministas, sobretudo tecnológicas, têm a dizer sobre estas interações e violências on-line relacionadas a mulheres? Pretendo apontar neste ensaio questionamentos enquanto pesquisadora da Cátedra Oscar Sala, onde investigamos o metaverso, e de minha pesquisa doutoral, sobre mulheres em tecnologia.

Levantei na web informações sobre feminismo e metaverso. Encontrei recente iniciativa, Feminist Metaverse (2021), organização descentralizada autônoma, voltada a construir um metaverso feminista. Para o coletivo, nenhuma das quatro ondas feministas, incluindo a ciberfeminista, resolveu problemas sociais fundamentais das mulheres na educação, discriminação de gênero, remuneração desigual, violência doméstica, tráfico e casamento infantil. Propõe:

Construir um universo paralelo virtual feminista em blockchain. Regras e sistemas da comunidade serão formulados e controlados por membros. Desenvolverão um produto digital web3.0 e espaço no qual mulheres pelo mundo poderão se ajudar, gerar renda e armazenar riqueza com segurança.

Realizar a quinta revolução feminista, promover a comunicação entre integrantes descentralizada, transparente e anônima.

A Feminist Metaverse tem objetivos ambiciosos. Questiono se excludentes, ao propor um ambiente virtual isolado. É a primeira comunidade, em meu mapeamento sobre grupos femininos em tecnologia, a apresentar características.

Como parte do levantamento, destaco artigo de Meredith McPherron (2022), CEO da Drive by DraftKings. A executiva aborda investimentos recordes em roupas esportivas com tecnologias embarcadas, inclusive para mulheres, publicados no SportsTechX VC Report 2021: US$ 20 bilhões. O foco é voltado a engajamento dos fãs, jogos, aplicativos, metaversos e blockchain. Inicialmente, os recursos foram utilizados em NFTs (Non-Fungible Token), a tendência é concentrá-los em metaverso, em 2022. Práticas esportivas, voltadas à manutenção da saúde, estarão intrinsecamente misturadas a interações on-line, marcando um novo estilo de vida, com ênfase nas mulheres.

Busquei mais contradições no consumo de mensagens e produtos para mulheres. Ao inserir “metaverse” na loja virtual RedBubble, verifiquei um exemplo da dicotomia que marca o capitalismo voraz atual. É possível encontrar camisetas com mensagens ideológicas paradoxais. Há produtos com a logomarca Meta, dizeres “anti-metaverse - resistance squad”, “life is better in the metaverse”, “meet me in the metaverse”, “metaverse - I’m in”, “off to the metaverse”, “anti-metaverse human being”, por exemplo.

Em entrevista a Machado (2021), do site do Instituto Humanitas Unisinos, Zanatta destaca:

A lógica corporativa que anuncia o metaverso como futuro da Internet justamente para poder constituí-lo enquanto projeto empresarial, explorando fronteiras ainda mais novas do capitalismo cognitivo e imaterial. O mesmo tipo de ceticismo e olhar crítico pode ser aplicado ao metaverso. Trata-se de uma visão conceitual sobre uma possibilidade sociotécnica. Deve ser visto também pelas lentes das lógicas discursivas que tentam apresentar construir novos mercados, na medida em que introduzem novos projetos sobre tecnologia e sociedade.

O conceito de metaverso está atrelado, segundo Zanatta, à “ideia de um universo digital compartilhado na nuvem, mesclando elementos fisicamente presentes, por Realidade Aumentada, com espaços virtuais”. Uma das primeiras expressões de metaverso remonta a 1992, na ficção ciberpunk Snow Crash (Neal Stephenson). Há um espaço virtual coletivo compatível com a realidade física, um metaverso, visionário e precursor de lançamentos de empresas em 2022.

Ao abordar a ubiquidade da vida on-line, Santaella (2021) constata a existência de dois espaços diferenciados: o ciber (informações circulam e interagimos pelo toque) e o mundo físico (corpos circulam em interação com dispositivos móveis):

A narração da vida nas redes, a qualquer hora, em qualquer lugar, leva de roldão e dissolve igualmente a diferença ontológica entre o tempo do viver e sua transposição para o discurso narrativo, quase sempre híbrido, em imagens e audiovisuais. Essa sobreposição sincrônica entre o viver e a narrativa do viver tornou-se tão imperativa a ponto de podermos afirmar que a segunda se tornou mais importante do que a primeira, ou melhor, como se a segunda pudesse trazer sentido para a vida.

As Big Techs vendem o sonho do mundo off-line reproduzido no on-line. A transição digital acelerada pelo Covid 19 impôs novas relações de consumo, a dissolução do tempo-espaço doméstico e profissional. Em 2019, Tim Berners Lee lançou um novo manifesto para a Web, visando assegurar privacidade de dados, proteger cidadãos de violências digitais. Em 2021, no UN Generation Equality Forum, Twitter, TikTok, Google e Facebook se comprometeram a combater o abuso on-line e melhorar a segurança das mulheres nas plataformas. O metaverso é ainda um ambiente pautado por uma ubiquidade sem lei, um grande desafio para a sociedade e o feminismo tecnológico. Se no mundo físico é tão difícil lutar por diversidade, inclusão, representatividade, identidade de género, como estruturar a transposição destas causas em interações digitais? Os desafios são imensos, os debates, implementações de políticas de proteção social parecem distantes da velocidade do desenvolvimento tecnológico dos mundos em metaverso.

Referências

Browning, K., Frenkel, S. The New York Times. The Metaverse’s Dark Side: Here Come Harassment and Assaults. 2021. Disponível em https://bityli.com/ZNDsF Acesso em 27 de janeiro de 2022.

Feminist Metaverse. What is Feminist Metaverse?. 2021. Disponível em https://url.gratis/0skDa7 Acesso em 27 de janeiro de 2022.

Machado, R. Metaverso: entre a possibilidade de uma existência estendida e a escravidão algorítmica. Entrevista especial com Rafael Zanatta. Instituto Humanitas Unisinos - IHU. 2021. Disponível em https://url.gratis/RN4TOW Acesso em 27 de janeiro de 2022.

Santaella, L. (2021). Humanos hiperhíbridos: linguagens e cultura na segunda era da internet. São Paulo: Paulus.

McPherron, M. Sportico. Metaverse, AR and women top 2022S sports tech investment trends. 2022. Disponível em https://url.gratis/saidvX Acesso em 27 de janeiro de 2022.

RedBubble. 2022. Disponível em https://www.redbubble.com Acesso em 27 de janeiro de 2022.