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O que são os tokens não fungíveis (NFT) no metaverso das redes descentralizadas

por Fernanda Rezende - publicado 06/08/2021 10:10 - última modificação 13/09/2021 09:05

Por Carolina Christofoletti e Ricardo Praciano

Por Carolina Christofoletti e Ricardo Praciano. Carolina é bacharela em direito pela FD de Ribeirão Preto, USP, mestranda em Criminalidade Cibernética pela Faculdade Politécnica, Universidade de Nebrija, Espanha, e mestranda em Cumprimento Normativo pela Faculdade de Direito, Universidade de Castilla la Mancha, Espanha. Ricardo é mestrando em Educação na UnB, especialista em Educação a Distância. Licenciado em Educação Profissional, é bacharel em Computação na Universidade Católica de Brasília. Professor da Secretaria de Educação do DF.

A ideia de liquidez elaborada por Zygmunt Bauman expressa a característica fluída na sociedade presente no século XXI, onde as coisas e o comportamento das pessoas não foram constituídos para durar. Nesse paradigma perdeu-se a concretude, a solidez dos significados. O processo de digitalização crescente de ativos, proporcionado pelos avanços da tecnologia, tende de certa forma a ‘liquefazer’ artefatos físicos em bits. A criptoarte é uma dessas tendências no campo da cultura, migrando a arte fisicamente situada para artefatos digitais.

Um exemplo da elaboração do universo da criptoarte é o NFT (Non-fungible Token), símbolo não-fungível. O conceito de fungibilidade remete a algo que se deteriora com o tempo, que se consome depois do uso e que pode ser substituído por outro da mesma espécie. Portanto, um item não-fungível é algo exclusivo, único.

NFT é um artefato tecnológico que se atribui um certificado digital de propriedade, como a uma obra de arte, um objeto colecionável ou outro produto cultural, distinguindo-o em sua originalidade. É armazenado digitalmente em uma rede Blockchain, uma estrutura de rede de dados que permite sua verificação pública, sua não divisão, com uso de segurança criptográfica e que assegura a propriedade de seu detentor.

Blockchain são redes registradas onde transações de forma descentralizada através de funções hash, que é distribuído aos pedaços entre vários computadores da rede, por meio de cálculos denominados prova de trabalho (Pow), esta prova se dá por meio de algoritmos robustos que demandam cálculos que garantem a divisão dos hashes entre os blocos por meio de codificação criptográfica.

NFTs são tokens (chave/símbolo), associados a um certificado digitalmente criado que assegura a propriedade de algo. Sua existência segue os padrões das criptomoedas, portanto oferece uma segurança criptográfica robusta, com duas chaves e a descentralização entre os nós da rede. Pode ser armazenada de forma online ou não.

Características de um NFT:

●       Em grande parte, estão na rede Ethereum, embora existam algumas em outras redes;

●       Um token NFT é único, não há outro correspondente na rede;

●       Há somente um proprietário para cada token existente na rede;

●       São criados em ambientes próprios, vinculados à uma carteira (wallet) de criptomoedas;

●       São comercializados em mercados específicos, sendo de acesso restrito (curadoria) ou aberto;

●       O artista envia sua obra, estabelece o preço final ou uma modalidade de leilão, preenche informações sobre a obra. Em seguida, solicita o processo minted da obra, que é a criação de contrato que valida e vincula a originalidade da obra ao artista, neste processo envolve em muitos casos o pagamento de um gas (taxas de transação realizadas na plataforma Ethereum), que é variável de acordo com a plataforma e a cotação do Ether.

●       O criador da obra pode determinar um valor de royalty para a obra sempre que a sua criação for negociada novamente na rede.

Um dos principais usos dos NFTs está no universo das criações. A partir deles tudo pode adquirir valor. De obras de arte às fake news, o metaverso - (onde os NTFs deverão ser hospedadas, como se fosse em galerias globais) é até o momento, um local sem qualquer juízo de valor.

Metaverso é a palavra que designa um ambiente que agrega experiências tanto no ambiente virtual quanto no concreto. Faz uso de tecnologias como criptomoedas, video games, realidade aumentada, realidade virtual e internet).

Alimentado pela filosofia democratizante das redes de pares, os NTFs nascem como uma oposição conceitual ao pluriverso dominado pelas grandes corporações- nos bolsos das quais os valores intangíveis do mundo digital são constantemente depositados.

Os NTFs pretendem, no limite, devolver o valor das criações digitais aos seus criadores. Em prol de um “design” mais adequado à virtualização do mundo, os NTFs serão negociados através de uma interface de videogame, onde membros do então recém-nascido metaverso poderão capitalizar seus bens digitais sem a interferência de qualquer moderador de conteúdo ou curador de arte.

A comercialização de NTFs será intermediada, assim, por avatares em uma plataforma cujas regras estão ainda para serem estabelecidas: o metaverso. Nascidos por detrás das telas, os NTFs geralmente não saem delas: um vídeo viralizado no TikTok não se transpõe ao mundo real, mas permanece, eternamente, por detrás das telas.

Um TikTok viral, um avatar personalizado do The Sims: com os NTFs, todos eles podem adquirir valor. Aos poucos, também os locais de exibição na galeria global do metaverso começam, eles também, a adquirir valor. Ainda assim, a possibilidade dos autores capitalizarem suas próprias criações parece ser mais atrativa do que o atual modelo de “gorjetas”, financiados pelas grandes corporações como Facebook, TikTok, YouTube e outros.

O metaverso, ainda que conceitualmente intangível, necessita de uma estrutura física apta a hospedar o protocolo (conhecida como rede de pares). E, ainda que algumas corporações ofereçam hoje uma tal infraestrutura (tal como o Hyperledger, sediado hoje pela Fundação Linux) e outras - tal como o Facebook- possuam planos concretos na mesma direção, o metaverso pertence hoje, ainda, às redes descentralizadas de pares, redes estas mantidas através de uma rede de “voluntários globais”.

Pertencente a ninguém, as redes de pares distribuídas têm a pretensão de serem, literalmente, terra de ninguém - inclusive, para fins de moderação de conteúdo. A capitalização destas mesmas infraestruturas - e não mais dos tokens que a habitam- permanece, ainda, no breu. O metaverso é a verdadeira personificação do dito “terra de ninguém”

O metaverso é, assim, a materialização de um sonho chamado Coliseu do Mundo. Um local em que não é mais preciso estar em Paris para comprar um ticket para o Lidô: Os shows do cabaré se monetizarão através de NTFs, os quais estarão acessíveis desde qualquer localidade no mundo. Esteja onde se esteja, o Lidô sempre será um só: um token, por fim, não fungível.

O cabaré francês exibirá seus ‘shows’, ele também, no Coliseu do mundo, o qual poderá ser acessado através de alguns poucos cliques e por uma plateia global. Nunca tantos ingressos terão sido vendidos: O espaço físico de um teatro não será, nunca mais, o limite.

As fraudes de ingresso serão, como nunca dantes, controladas pela bilheteria mundial chamada blockchain. E, quando o cabaré houver se tornado um completo tédio, em uma questão de segundos os avatares poderão ser transportados à San Telmo, em Buenos Aires. A plateia, agora, é o mundo.

Tudo isso, em um ambiente bastante interessante: No metaverso, o tango ‘Por una Cabeza’ somente poderá ser tocado pelo avatar de Carlos Gardel ou por seus reprodutores autorizados, licenciados através dos NTFs. No blockchain, os “covers” são imediatamente reconhecíveis.

Ao caminhar pelas avenidas do metaverso, se poderia afirmar com a precisão do blockchain: Eu vi Carlos Gardel… ou ao menos, ouvi o original ser tocado! As portas do metaverso estão, porém, abertas ao mundo: Ao tango e à Gardel, assim às drogas e ao El Chapo. E, nada mais prudente do que a preocupação sobre uma criminalidade que pertence, em boa medida, ao universo dos tokenizáveis que jamais “reemergem” das telas: os materiais de abuso sexual infantil.

Uma vez no blockchain, para sempre no blockchain. E a eternalização de um abuso infantil nas cadeias do metaverso é, assim, um problema que não foi, ao nível de protocolo e ainda em nenhum outro, resolvido.

Coisas para se pensar sobre.