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Psycho-Pass: Um Anime entre a Realidade e a Ficção

por Mauro Bellesa - publicado 26/10/2021 10:45 - última modificação 26/10/2021 10:43

Por Bruno Henrique Dantas, graduando em direito pela Universidade da Amazônia (Unama) e antropologia pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa); pesquisador no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da (Labô) da PUC-SP, nos grupos de pesquisa sobre Isaiah Berlin, Hannah Arendt e Ateísmo e Apologética.

Por Bruno Henrique Dantas, graduando em direito pela Universidade da Amazônia (Unama) e antropologia pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa); pesquisador no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da  (Labô) da PUC-SP, nos grupos de pesquisa sobre Isaiah Berlin, Hannah Arendt e Ateísmo e Apologética.

20 de outubro de 2021.

As distopias são críticas e as profecias, que a literatura nos permite alcançar, partem da realidade a qual talvez não esteja nitidamente clara à nossa consciência. É nesta perspectiva que a animação japonesa “Psycho-Pass” tangencia temas contemporâneos em uma linguagem acessível. Tecnopolíticas de vigilância, o ciborgue, a consciência, liberdade, cyberterrorismo, bioterrorismo, todos esses temas são retratados na série de uma forma extremamente profunda e com um drama policial de fundo.

A realidade inicial da série é de um Japão autoritário, isolado do restante do mundo e extremamente tecnológico, cuja sociedade é controlada pelo sistema Sybil. A partir dele mede-se o teor de psycho-pass de cada cidadão, as matizes turvas mostram um nível de violência que é considerado socialmente perigoso. Nesse sentido, para virar um criminoso basta ser detectado em um radar do Ministério do Bem-Estar, logo, o indivíduo será levado para longas sessões de terapia intensiva ou morto automaticamente pelas armas dos agentes da A.S.P (Agência de Segurança Pública).

Análises acerca dos personagens, principalmente de um dos principais vilões denominado Makishima – revelam que essa sociedade estaria entre as paródias de Philip K. Dick, não tão violenta quanto as distopias de George Orwell e também não tão selvagem quanto as de Willian Gibson, mas próximas dos filmes de Blade Runner, em especifico o que retrata o texto “androides sonham com ovelhas elétricas”.

O controle como forma de política pública

A ideia de um sistema autônomo controlado pela inteligência artificial é constante na literatura e uma realidade deste século. A animação traz para o debate questões sobre o futuro das políticas públicas de vigilância diante das necessidades de bem-estar dos indivíduos. Além disso, a base do sistema torna-se a confiança e a sensação de segurança que o público adquiriu e, a partir da vigilância total, visualiza-se que todos sabem que estão sendo monitorados, pois nada foge aos olhos do Sybil.

Em um sentido filosófico e dialogando com autores contemporâneos, esta distopia não dialoga com o conceito de cultura de vigilância de pensadores como David Lyon, porque não há uma autonomia nos indivíduos ao se exporem nas redes para satisfazerem ou constituírem uma subjetividade, mas sim, tem-se aí a personificação do panóptico foucaultiano somado à burocracia weberiana que busca passar um sentimento de segurança e bem-estar ao povo a partir de políticas tecnológicas autoritárias.

Liberdade humana e subjetividade

A heteronomia em relação ao sistema e a forma como ele controla a vida dos indivíduos coloca em questão as liberdades humanas, sua subjetividade e escolhas diante a automatização, nota-se que os questionamentos surgem nos próprios diálogos – há como uma sociedade eliminar a violência? É possível controlar nossas pulsões? Nascemos livres, mas encontramos o Sybil em todos os lugares?

Pode-se realizar uma associação entre a distopia e as relações modernas de vigilância, conforme aparece no pensamento que Shoshana Zuboff expôs em seu livro “A era do capitalismo de vigilância”. A autora mostra como as grandes marcas moldam novas dinâmicas de poder e colonizam a subjetividade dos indivíduos em busca do lucro. No entanto, a diferença entre a ficção e a tese da autora é visível, enquanto o anime trabalha na estrutura do estatismo de vigilância, no qual o governo mantém o monopólio da força, o capitalismo de vigilância rompe com os poderes do Estado e torna-se uma força transnacional autônoma e perigosa.

É perceptível a semelhança em ambos os casos, pois abre-se o dilema da liberdade, seja no controle do Estado na vida de indivíduos e sua impossibilidade de escolher seu futuro, carreira, se irá morrer ou viver, seja também no impulsionamento de marcas, vendas ou likes, as formas de controle nos atravessam, moldam o pensar, viver e sonhar. O desafio é o da autonomia, o espaço da criatividade e da esperança, o fatal toma conta da análise, mas mostra-se que há possibilidades de romper ciclos trágicos e constituir novos espaços de autonomia, liberdade e corresponsabilidade.

O ciborgue e seus desdobramentos

A animação traz ao debate uma área especifica do pensamento contemporâneo que visualiza o ser humano em uma perspectiva tecnológica, sua fusão ou simbiose, gerando o ciborgue. Nesse sentido, é necessário lembrar que o debate em relação ao ciborgue trouxe reflexões profundas a partir do “Manifesto ciborgue” de Donna Haraway, no qual máquina, homem, feminismo, técnica são repensados.

Mas o ponto principal que se destaca no anime é o pensamento sobre o homem como produtor de técnicas ao se tornar um ciborgue, seja por estar totalmente dependente da máquina, em uma simbiose completa dessa relação, seja também pela dependência ou por trazer à tona personagens que são máquinas que conseguiram transplantar a consciência humana para além do corpo – esta tripla interpretação faz jus ao ciborguismo e sua complexidade.

Outros olhares são necessários

Os debates e as reflexões sobre o contemporâneo fazem do anime uma singularidade, seja por ele ter uma capacidade de dialogar com jovens e trazer de uma forma interessante vários temas que permeiam as estruturas sociais vigentes, seja também por sua estrutura de roteiro dramático e pelo diálogo profundo com autores da filosofia como: Rousseau, Nietzsche, Pascal, Kierkergaard, entre inúmeros outros pensadores.

Mesmo que tentássemos, seria impossível esgotar em uma série ou livro, as utopias e distopias acerca da realidade, pois suas perspectivas criam uma infinidade de possibilidades e interpretações que devem ser apreendidas por cada indivíduo. Nesse caso, Psycho-pass pode ser visto como um excelente crítico e profeta, fazendo emergir uma ampla gama de temas que podem ser pensados como o cyberterrorismo, bioterrorismo, justiça, inteligência artificial, dentre outros inúmeros pontos de interesse.

Se a realidade não é o que parece, como já nos adverte o cosmólogo Carlo Rovelli que ao menos a literatura seja o nosso guia para o real por meio de ficções relevadoras. Nesse sentido, Psycho-pass pode ser tomada como possibilidade de compreensão de fenômenos existentes na contemporaneidade.