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Sentiremos Saudades no Metaverso?

por Fernanda Rezende - publicado 17/12/2021 11:01 - última modificação 17/12/2021 11:01

por Gabriel Engel Ducatti, mestrando em Filosofia na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus Marília, com bolsa FAPESP. É também bacharel e licenciado em Filosofia pela mesma universidade (também bolsista FAPESP, e bacharel em Direito) pelo Centro Universitário Toledo Prudente.

por Gabriel Engel Ducatti, mestrando em Filosofia na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus Marília, com bolsa FAPESP. É também bacharel e licenciado em Filosofia pela mesma universidade (também bolsista FAPESP, e bacharel em Direito) pelo Centro Universitário Toledo Prudente

16 de dezembro de 2021

Longe de um sentimentalismo piegas (ao menos na intenção), a pergunta que dá título a este texto busca refletir sobre algo importante acerca das relações humanas: sentimos saudades.

Entre tantas as possíveis caracterizações, o Dicionário Michaelis (2021), por exemplo, define saudade como: "Sentimento nostálgico e melancólico associado à recordação de pessoa ou coisa ausente, distante ou extinta, ou à ausência de coisas, prazeres e emoções experimentadas e já passadas, consideradas bens positivos e desejáveis”. Saudade, pelo menos como nos explica o dicionário, relaciona-se à ausência de algo ou alguém, que está distante ou foi extinto. Há, em certo sentido, uma conexão que é rompida ou suspensa, fazendo emergir um sentimento nostálgico ou melancólico ligado à recordação de quando tal conexão era plena e sem muitos entraves.

No atual contexto, em que as tecnologias digitais permeiam desde o modo como fazemos compras no supermercado até como conhecemos e nos relacionamos com alguém, surge a proposta de um ambiente digital altamente imersivo e interativo, denominado de Metaverso. Ao abrir o site do Facebook, ou melhor, Meta, deparamo-nos com a afirmação de que “A conexão está evoluindo e nós também”, colocando o Metaverso como o próximo passo evolutivo das conexões sociais (2021).

Grosso modo, o que se idealiza são ambientes digitais ou espaços 3D imersivos e hiper conectados, que possibilitem às pessoas momentos de socialização, estudos, colaboração e trabalho a partir de modos e interfaces que vão além dos possíveis na realidade, digamos, não-digital.

A partir de avatares em realidade virtual, óculos inteligentes e realidade aumentada, será possível “encontrar” pessoas em espaços digitais fictícios computadorizados, como naves espaciais, mansões com paisagens inacreditáveis, entre outros que a imaginação nos permita conceber. Nestes espaços será possível trabalhar, jogar, conversar, enfim, interagir e estabelecer conexões reais.

Nesse sentido, retomo e complemento a questão inicial do presente texto: no Metaverso, enquanto espaços digitais em que há uma imersão dos sentidos do usuário, uma sensação de estar em outro lugar e possuir um outro corpo (avatar), uma plausibilidade, entendida como o ambiente ser coerente, responsivo e contínuo ao usuário, os “encontros” serão suficientes para, como se diz, matar a saudade? Ou, mesmo vendo, ouvindo e “tocando” alguém no Metaverso, ainda haverá um plus, algo a mais faltante, que fará o sentimento da ausência emergir em nós? Se sim, o que isso nos indica?

Parece-nos coerente pensar que as videochamadas, as constantes trocas de mensagens de texto e/ou áudio, e as quase ininterruptas fotografias de nosso dia a dia publicadas nas redes sociais suavizam o peso da distância. Não é minha proposta negar as possibilidades qualitativas surgidas com o avanço das tecnologias digitais. Entretanto, aqueles que já mantiveram um relacionamento a distância, que ficaram meses sem encontrar seus entes queridos, ou até aqueles que se saturaram das inúmeras aulas online, esses sim entenderão o significado do encontro, do cheiro, dos abraços, do aperto de mão e da presença síncrona que parecem faltar ao Metaverso.

É possível enxergarmos o Metaverso como uma ampliação das possibilidades de conexões sociais, haja vista as interfaces computadorizadas, a hiper conexão à internet e a não limitação aos espaços e encontros físicos. No entanto, é possível também olharmos de outro ângulo e percebermos os “encontros” do Metaverso como limitantes da experiência humana da presença. Ambas as perspectivas são válidas e, a meu ver, não excludentes.

Pensar a saudade como um elemento indicativo do valor da presença talvez seja um caminho para nós não nos confundirmos (ainda mais), enquanto sociedade, sobre o que é real ou fictício. Não que a ficção seja irreal ou não tenha seu valor, pelo contrário, ela concede a nós, humanos, a possibilidade de contemplarmos o possível e imaginarmos mundos outros. Mas a realidade, enquanto alteridade, dura, insistente, que vai além de nossos interesses e desejos, que esteve antes de nós e estará depois de nós, também tem sua relevância na constituição de nossos caminhos e nossas vidas.

Por fim, para não encerrar o texto e deixar o leitor apenas com uma definição de dicionário, cito um trecho de Clarice Lispector que, em seu breve poema denominado “saudade”, escreve (2010, p. 141): “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença”.

 

Referências Bibliográficas:

LISPECTOR, Clarice. De Amor e Amizade: crônicas para jovens. Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2010.

META. Welcome to Meta. 2021. Disponível em: https://about.facebook.com/meta/. Acesso em: 07 dez. 2021.

MICHAELIS. Saudade. In: Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa. Editora Melhoramentos Ltda., 2021.