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XXV Seminário Internacional de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia

por Leila Costa - publicado 31/03/2014 17:30 - última modificação 07/04/2014 16:09

Grupo de Estudos de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia

Instituto de Estudos Avançados - Universidade de São Paulo

Associação Filosófica Scientiae Studia

Projeto Temático Fapesp 2011/51614-3

 

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XXV Seminário Internacional de Filosofia, História

e Sociologia da Ciência e da Tecnologia

 

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Helena Mateus Jerónimo

(ISEG – Universidade de Lisboa – Portugal)

(Pesquisadora Visitante Fapesp)

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Riscos, incertezas e acidentes: enfrentando problemas tecnocientíficos

 

As quatro palestras que me proponho realizar na Universidade de São Paulo seguem uma dinâmica sequencial, que tem início com a explicitação e questionamento teórico de conceitos e termina com a análise de diferentes estudos de caso. Cada uma das palestras está, assim, desenhada para partir da precedente, embora tenha, por si só, autonomia suficiente para contemplar uma audiência irregular.

 

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1a. Palestra – 13/03/2014 – quinta-feira – 9:30 às 12:00 horas

Questionando os Conceitos de Risco e Incerteza em Problemas de Base Científico-Tecnológica

 

Em finais do século XX, o conceito de risco, com uma importante tradição teórica nas ciências sociais, foi chamado a definir a atual fase da sociedade moderna em confronto com as consequências ambíguas do seu próprio triunfo. Simultaneamente, o conceito de risco é também utilizado, como parte decisiva do trabalho dos peritos, na delicada área de explicação e predição de impactos ambientais e de fenômenos de base técnico-científica. Mas será o conceito de risco suficientemente inequívoco para caracterizar as atuais sociedades e os problemas ambientais, que têm, regra geral, um caráter extensivo, duradouro e global? Poderá constituir o instrumento-chave para um modelo de avaliação e orientação desses novos problemas ambientais? E, quanto à avaliação e resolução dos problemas, poderemos confiar tais tarefas apenas aos peritos da ciência e da tecnologia, bem como aos meios de controlo que possam propor?

Reconceitualizado por autores como Patrick Lagadec (1981) ou Ulrich Beck (1992 [1986]), circunscrito a desenvolvimentos tecnológicos com impactos potencialmente catastróficos no autor francês ou estendido à caracterização das sociedades dos nossos dias como no sociólogo alemão, o conceito de risco tem o engenho de ter trazido para as ciências sociais os novos perigos ambientais introduzidos pela tecnologia. Tal como foi popularizado pela obra Risk Society de Beck, o conceito de risco tem igualmente o mérito de analisar as mudanças na natureza das ameaças atuais: são qualitativamente diferentes das existentes em épocas históricas anteriores quanto à sua capacidade de impacto no ecossistema e de aniquilamento da espécie humana, envolvem dinâmicas até agora desconhecidas e são o produto das ações e decisões humanas que se concretizam através do complexo científico-tecnológico-industrial.

Porém, a expansão do conceito de risco em termos macrosociológicos foi feita à custa de uma ausência de delimitação analítica clara entre aquele conceito e outras noções próximas, tais como incerteza, ignorância, perigo e ameaça. Assistimos hoje à mescla quase indiferenciada de todos estes conceitos e sua absorção pela genérica e institucionalizada categoria do risco. Ficou esquecida a distinção clássica entre risco e incerteza, oriunda da economia desde o início do século XX, em que uma situação de risco era entendida como podendo ser avaliada e calculada em termos das suas probabilidades numéricas, a passo que uma situação de incerteza não podia ser avaliada mediante um cálculo racional (Knight, 1921; Keynes 1921). A prevalência actual da linguagem do risco reforça e surge reforçada numa “cultura institucional de recusa da imprevisibilidade e da falta de controlo” (Leach, Scoones e Wynne 2005). Numa cultura preocupada em gerir, com segurança, os eventos futuros, o carácter probabilístico do conceito de risco dá a imagem de supremacia do controlo científico sobre o aleatório, as contingências, os acidentes e o acaso.

Muitos dos atuais problemas de base técnico-científica e ambientais transbordam a semântica do risco probabilístico e ilustram novas regiões de incerteza, implicando necessariamente uma reorientação da própria ciência e seus procedimentos. Por isso, vários autores têm vindo a recuperar a distinção entre os conceitos de risco e incerteza e salientam a natureza ontológica da incerteza, inerente aos mundos social e natural, através das noções de “ignorância”, “indeterminação”, “catástrofes” e “acidentes” (e.g. Perrow 1984; Funtowicz e Ravetz 1990; Wynne 1992; Dupuy 2002). Certos problemas (os quais aparecem, por vezes, incluídos na noção de risco) seriam mais corretamente descritos pela linguagem da incerteza. Subjacente a este argumento estaria o desconhecimento das probabilidades estatísticas de muitas das consequências possíveis; a insuficiente confiança nas estimativas produzidas pelos peritos; as potenciais margens de erro; e as incertezas aleatórias na natureza e no comportamento humano (Martins 1998).

Defender uma concepção baseada no risco ou uma concepção baseada na incerteza não é uma opção indiferente, principalmente em processos controversos que envolvem perigos sérios, consequências imprevisíveis e uma solução tecnológica. Risco e incerteza apontam para uma interpretação e uma orientação específicas, desencadeando, por isso, diferentes implicações políticas. O risco está associado à prevenção, ao passo que os vários tipos de incerteza estão articulados à precaução. Na cultura do risco probabilístico, por exemplo, procura-se testar os impactos de determinada tecnologia no ambiente e/ou na saúde humana para averiguar se é ou não socialmente aceitável. Quando os impactos são de muito baixa probabilidade, desenvolve-se uma atitude permissiva face a esse risco. Daí que as políticas de prevenção conduzam, em geral, a um processo de mitigação, negociação e aceitação dos riscos com base nos conhecimentos existentes e na natureza, gravidade e probabilidade dos riscos. Já as políticas de precaução apelam a uma orientação de prudência e a acautelar danos de perigosidade incerta, podendo inclusivamente induzir à recusa de certas decisões e ações tecnoeconômicas.

 

Bibliografia

Beck, Ulrich (1992 [1986]), Risk Society. Towards a New Modernity, London, Sage.

Dupuy, Jean-Pierre (2002), Pour un Catastrophisme Éclairé: Quand l’Impossible est Certain, Paris: Seuil.

Funtowicz, Silvio and Jerome Ravetz (1990), Uncertainty and Quality in Science for Policy, Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.

Keynes, John Maynard (1921), A Treatise on Probability, London: Macmillan.

Knight, Frank H. (1921), Risk, Uncertainty and Profit, Boston: Houghton Mifflin.

Jerónimo, Helena Mateus (2010), Queimar a Incerteza: Poder e Ambiente no Conflito da Co-Incineração de Resíduos Industriais Perigosos, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.

Lagadec, Patrick. 1981. La Civilisation du Risque: Catastrophes Technologiques et Responsabilité Sociale. Paris: Seuil.

Leach, Melissa, Ian Scoones e Brian Wynne (2005), “Introduction: science, citizenship and globalization” in Melissa Leach, Ian Scoones e Brian Wynne (eds.), Science and Citizens: Globalization and the Challenge of Engagement, London and New York: Zed Books, pp. 3-14.

Martins, Hermínio (1997-1998). “Risco, incerteza e escatologia: Reflexões sobre o experimentum mundi tecnológico em curso (I)”, Episteme, n.º 1, Dezembro-Janeiro, pp. 99-121.

Martins, Hermínio (1998), “Risco, incerteza e escatologia: Reflexões sobre o experimentum mundi tecnológico em curso (II)”, Episteme, n.º 2, Junho-Julho, pp. 41-75.

Perrow, Charles (1984), Normal Accidents: Living with High-Risk Technologies, New York: Basic Books.

Wynne, Brian (1992), “Uncertainty and environmental learning: reconceiving science and policy in the preventive paradigm”, Global Environmental Change: Human and Policy Dimensions 2, no. 2, June, pp. 111-127.

 

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2a. Palestra – 20/03/2014 – quinta-feira – 9:30 às 12:00 horas

A Peritagem Científica: Suas Especificidades no Saber e na Ação

 

A reflexão sobre os conceitos de risco e os vários tipos de incerteza convida a pensar o lugar, o desempenho e o sentido da peritagem científica. A peritagem científica é uma actividade de interface entre o mundo científico e o mundo da decisão. Na hipótese interpretativa de Philippe Roqueplo (1997), sociólogo francês com estudos relevantes nesta área, é precisamente a inscrição no dinamismo do processo decisório que caracteriza e define a peritagem científica e os peritos. Neste sentido, a expressão de um conhecimento científico só adquire valor de peritagem quando é convocado para clarificar, justificar ou fundamentar, mesmo que parcialmente, uma decisão. Trata-se de um conhecimento que serve a decisão, embora não constitua a própria decisão. Parece, assim, justificado que nos interroguemos sobre várias questões pertinentes. O que é que caracteriza a actividade do perito, por comparação ao do cientista? Qual é a incumbência do aconselhamento científico quanto à decisão política, dado que a ciência, para além dos seus limites cognitivos e éticos, nos coloca em plena controvérsia em termos de opções entre horizontes de perigos, riscos e incertezas? Ao procurar obter legitimidade através do recurso ao conhecimento científico, não se depararão as instâncias políticas com as insuficiências de legitimidade da própria ciência?

Com base na literatura sociológica existente sobre a peritagem científica, argumento que a posição do perito não pode ser entendida sem referência ao contexto da sua convocação, da ligação à decisão política e dos constrangimentos indexados a essa finalidade. Nas atuais condições de busca e dependência de soluções de base científica, as exigências e expectativas depositadas na expertise científica por parte dos responsáveis políticos em decisões tecnicamente complexas e da sociedade em geral colidem com os limites intrínsecos do seu aconselhamento, com a interpenetração de juízos normativos e variáveis contextuais, com os conflitos entre peritos e com o reconhecimento das incertezas e da ignorância no que concerne a sistemas tecnocientíficos complexos ou a problemas ambientais e de saúde pública.

A partir destas considerações, procuro refletir sobre o modo como a peritagem científica enfrenta encruzilhadas específicas, o que nos incita a reavaliar as capacidades, equilíbrios e tensões na relação entre ciência e política. Em primeiro lugar, exporei argumentos que mostram como a peritagem científica se constitui como uma instância que amplifica a já inerente complexidade das relações entre ciência, sistemas tecnológicos e valores sociais e políticos. Em segundo lugar, ilustrarei, tendo por base vários estudos de caso, que, no quadro dessa complexidade, a peritagem científica possui uma significativa multiplicidade de formatos. Por último, analisarei a tendência das comissões de peritos para subsumir as incertezas inerentes a muitos dos fenômenos para os quais são mobilizados e se confinarem à linguagem probabilística do risco. Se a complexidade congênita é algo inerente no âmbito da relação entre as esferas entretecidas, mas que têm domínios de responsabilidade distintos, para seguir a indicação de fundo de Max Weber, impõe-se uma reflexão sobre as dificuldades experimentadas por uma entidade cuja multiplicidade de formatos é indicativa da sua oscilação entre o prolongamento de certas orientações vigentes no atual sistema científico-técnico e a abertura a princípios, valores e tecnologias que oferecem soluções alternativas aos problemas mais graves no âmbito social, econômico, ecológico e energético. Convocada no seio destas orientações vigentes, as dificuldades que o processo de peritagem científica conhece só podem ser solucionadas no contexto de uma reestruturação das lógicas convencionais que dirigem as nossas sociedades, sob pena de não ir muito mais além de um labor pericial adequado ao status quo.

Bibliografia

Beck, Ulrich (1992 [1986]), Risk Society. Towards a New Modernity, London, Sage.

Cerezo, José A. López y Marta I. González Garcia (2002), Políticas del Bosque: Expertos, Políticos y Ciudadanos en la Polémica del Eucalipto en Asturias, Madrid, Cambridge University Press e OEI.

Garcia, José Luís e Filipa Subtil (2000), “Conflito social e ambiente: a Ponte Vasco da Gama”, Análise Social, vol. XXXIV, n.º 151-152, pp. 711-750.

Godard, Olivier, Claude Henry, Patrick Lagadec, e Erwann Michel-Kerjan (2002), Traité des Nouveaux Risques: Précaution, Crise, Assurance, Paris, Gallimard.

Jasanoff, Sheila (1990), The Fifth Branch: Science Advisers as Policymakers, Cambridge, Mass., e London, Harvard University Press.

Jerónimo, Helena Mateus (2011), “El peritaje científico en la era de la tecnociencia y de las incertidumbres: multiplicidades, posibilidades y límites”, in Teresa González de la Fe e Antonio López Peláez (orgs.), Innovación, Conocimiento Científico y Cambio Social: Ensayos de Sociología Ibérica de la Ciencia y la Tecnología, Madrid, CIS, pp. 53-68.

Jerónimo, Helena Mateus (2006), “A peritagem científica perante o risco e as incertezas”, Análise Social, n.º 181, vol. XLI, pp. 1143-1165.

Nelkin, Dorothy (1975), “The political impact of technical expertise”, Social Studies of Science, 5, pp. 35-54.

Nowotny, Helga (2003), “Democratising expertise and socially robust knowledge”, Science and Public Policy, vol. 30, n.º 3, June, pp. 151-156.

Roqueplo, Philippe (1997), Entre Savoir et Décision, l’Expertise Scientifique, Paris, INRA Editions.

Roy, Alexis (2001), Les Experts Face au Risque: le Cas des Plantes Transgéniques, Paris, PUF.

Sempere, Joaquim (2007), “El saber científico-técnico en la constitución de la sociedad civil”, in Manuel Pérez Yruela, Teresa González de la Fe e Teresa Montagut (orgs.), Escritos Sociológicos: Libro Homenaje a Salvador Giner, Madrid, Centro de Investigaciones Sociológicas, pp. 301-313.

Trépos, Jean-Yves (1996), La Sociologie de l’ Expertise, Paris, PUF.

Weingart, Peter (1999), “Scientific expertise and political accountability: paradoxes of science in politics”, Science and Public Policy, vol. 26, n.º 3, June, pp. 151-161.

 

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3a. Palestra – 28/03/2014 – sexta-feira – 9:30 às 12:00 horas

Quando as Incertezas são Reduzidas a Riscos: O conflito em Redor dos Resíduos Perigosos em Portugal

 

Dentre os temas ambientais que envolvem decisões de risco, poucos têm sido mais contenciosos do que a instalação de infraestruturas de tratamento ou deposição de resíduos, sobretudo os perigosos. Em Portugal, a decisão política de implementar um processo de queima de resíduos industriais perigosos em fornos de cimenteiras (conhecido por método da coincineração) deu origem a um dos maiores, mais debatidos e arrastados conflitos políticos e ambientais do país.

A coincineração de resíduos perigosos surgiu em 1997 como o método que o governo da altura escolheu, em consonância com práticas vigentes em vários países europeus e nos EUA. Esta opção gerou um intenso conflito, protagonizado, sobretudo, pelas organizações ambientalistas e pelas populações das povoações próximas das cimenteiras. Para esclarecer as dúvidas das populações relativamente aos riscos e pronunciar-se em termos definitivos sobre a implementação da coincineração, o governo nomeou uma comissão científica que, em traços largos, apoiou aquela opção. O conflito em redor deste problema prolongou-se durante os 11 anos seguintes, até que outra alternativa científico-tecnológica, entretanto surgida, acabou por ser efetivamente implementada por um outro governo e que contou com o apoio dos ambientalistas. Esta alternativa conjugava o tratamento de uma parte dos resíduos com a coincineração dos que não poderiam alvo de tratamento. Esta breve descrição do caso mostra que a tendência que apareceu como predominante na esfera científica foi adotar uma orientação articulada com o poder político e os interesses econômicos das cimenteiras, tendo sido depois substituída por outra orientação técnico-científica que se conjugava com valores ambientais de reutilização e reciclagem e de respeito com a percepção de risco das populações contestatárias.

Tendo por base a evidência empírica recolhida sobre esse conflito, por intermédio de análise documental e entrevistas em profundidade a actores-chave, são quatro os objectivos desta comunicação: (1) discutir as implicações do facto da peritagem científica ter sido convocada só após o anúncio público da decisão e da irrupção dos protestos por parte dos residentes locais, cientistas e associações ambientalistas e cívicas, o que conduziu a uma situação em que o governo se apodera do aconselhamento científico para justificar e tentar legitimar a posteriori uma decisão já tomada; (2) discutir as consequências do perfil técnico da comissão de peritos, as suas origens disciplinares e o carácter vinculativo do seu mandato; (3) identificar os usos das noções de "risco" e "incertezas" nos relatórios científicos dos peritos convocados pelo governo e nos das comissões de contra-peritos, e as suas diferentes concepções quanto à confiança depositada na ciência, à capacidade de monitorização por parte do Estado e das entidades competentes e aos critérios para considerar certas práticas como suficientemente seguras para as populações; (4) discutir a existência de uma pluralidade de orientações científicas e técnicas, as relações de afinidade entre as várias orientações científicas e certas perspectivas de valor e de controlo, assim como o papel das ciências sociais na identificação dos valores que organizam concepções de participação e justiça ambiental.

 

Bibliografia

Funtowicz, Silvio O., e Jerome R. Ravetz (1990), Uncertainty and Quality in Science for Policy, Dordrecht, Kluwer.

Garcia, José Luís e Filipa Subtil (2000), “Conflito social e ambiente: a Ponte Vasco da Gama”, Análise Social, vol. XXXIV, n.º 151-152, pp. 711-750.

González Garcia, José M. (2006), La Diosa Fortuna: Metamorfosis de una Metáfora Política, Madrid, A. Machado Libros.

Jerónimo, Helena Mateus e José Luís Garcia (2011), “Risks, alternative knowledge strategies and democratic legitimacy: the conflict over co-incineration of hazardous industrial waste in Portugal”, Journal of Risk Research, vol. 14, n.º 8, pp. 951-967.

Jerónimo, Helena Mateus (2010), Queimar a Incerteza: Poder e Ambiente no Conflito da Co-Incineração de Resíduos Industriais Perigosos, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.

Lacey, Hugh (1999), Is Science Value Free? Values and scientific understanding, Londres e Nova Iorque, Routledge.

Lacey, Hugh. 2005. Values and Objectivity in Science: The Current Controversy about Transgenics Crops,  Laham, MD, Lexington Books.

Wynne, Brian (1992), “Uncertainty and environmental learning: reconceiving science and policy in the preventive paradigm”, Global Environmental Change: Human and Policy Dimensions 2 (2): 111-127.

 

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4a. Palestra – 04/04/2014 – sexta-feira – 9:30 às 12:00 horas

A Catástrofe Continuada: O Acidente de Fukushima e as Incertezas das Centrais Nucleares

 

Quando ocorrem catástrofes como a que assolou o Japão no dia 11 Março de 2011, em que uma calamidade natural precipitou o acidente na central nuclear de Fukushima, o segundo mais grave acidente da história das centrais nucleares depois de Chernobyl, caem por terra as previsões e as probabilidades ínfimas dos riscos e o balanço entre custos e benefícios com que estão ocupados os peritos em segurança dos sistemas técnicos da sociedade contemporânea.

O 11 de Março deu a ver, uma vez mais, que, nas sociedades contemporâneas, onde a nossa vida individual e social decorre largamente sob as condições e dependência de densas e emaranhadas redes de meios tecnológicos interdependentes, muitas das vulnerabilidades e das ameaças não são fáceis de localizar nem predizer, e são incalculáveis e não compensáveis. Mas o que o desastre do Japão tornou ainda mais flagrante foi que essas vulnerabilidades e ameaças podem implicar-se umas com as outras, pois procedem das inúmeras contingências provocadas por acontecimentos naturais ou pela acção técnica, que podem interagir com sistemas potencialmente destrutivos de que a produção de energia através de centrais nucleares é, porventura, um exemplo extremo. Fukushima reproduz em grande escala uma disposição forte dos desastres das nossas sociedades sujeitas às circunstâncias da tecnoesfera em vigor: as catástrofes naturais tendem a ser acompanhadas por consequências também calamitosas nos diversos planos em que decorre a vida humana. O tsunami que assolou o Japão tomou também a configuração de um tsunami ecológico, social, económico, político. O desastre de Fukushima pode ser pensado não como um desastre do Japão, mas da nossa civilização tecnológica.

Compreendemos melhor o projecto intelectual de pensadores como Jacques Ellul, Günther Anders ou Hans Jonas se percebermos que o interesse que dedicaram ao entendimento do fenómeno tecnológico moderno é, antes do mais, uma indagação sobre a perda da capacidade de regular a complexidade do sistema tecnológico e a dificuldade de reconhecer a nossa ignorância e a incerteza que sempre existiu. Mas quantos mais problemas decorrem daquele sistema tecnológico, mais a ele se apela enquanto solução única capaz de os dirimir. A ocorrência de acidentes, em menor ou maior escala, com efeitos mais ou menos globais, aniquiladores, de longo-prazo e irreversíveis, vem depois contrariar esta mentalidade do tudo-sob-controlo, assente em grande medida no dogma da infalibilidade tecnológica. Não só não eliminámos a incerteza como a sociedade tecnológica nos traz uma incerteza que se assemelha ou é mesmo mais gigante do que as antigas incertezas das forças naturais. Ocupados com os cálculos dos riscos, não encaramos a incerteza como certa. Assumir a incerteza significa levar a sério o princípio da precaução e a regulação da tecnologia.

 

Bibliografia

Anders, Günther (2006 [1981]), La Menace Nucléaire: Considérations radicales sur l’âge atomique, Éditions Du Rocher / Le Serpent à Plumes.

Dupuy, Jean-Pierre (2008), «Postface: De l’oeil du cyclone au point fixe endogène». In Mark Anspach (dir.), Jean-Pierre Dupuy, Dans L’oeil du cyclone: Colloque de Cerisy, Paris, Carnets Nord: 297-316.

Ellul, Jacques (1954), La Technique ou l’Enjeu du Siécle, Paris, Armand Colin.

Ellul, Jacques (1988), Le Bluff Technologique, Paris, Hachette.

Ellul, Jacques (2004 [1977]), Le Système Technicien, Paris, Le Cherche Midi.

Ferrier, Michaël (2012), Fukushima: Récit d’un désastre, Mésnil-sur-l’Éstrée, Gallimard.

Filine, Arkadi. 2012. Oublier Fukushima: texts et documents. Quincy-sous-Sénart, Bout de la Ville.

Garcia, José Luís e Helena Mateus Jerónimo (2013), “Fukushima: A Tsunami of Technological Order”, in Helena Mateus Jerónimo, José Luís Garcia e Carl Mitcham (eds.), Jacques Ellul and the Technological Society in the 21st Century, Nova Iorque, Springer, pp. 129-144.

Jonas, Hans (1984), Imperative of responsibility: in search of an ethics for the technological age, Chicago, University of Chicago Press.

Martins, Hermínio (2011), Experimentum Humanum: Civilização Tecnológica e condição humana, Lisboa, Relógio d’Água.

Narbona, Cristina and Jordi Ortega (2012), La Energía después de Fukushima, Madrid, Turpial.

Perrow, Charles (1999 [1984]), Normal Accidents: Living with High-Risk Technologies, New York, Basic Books.