Você está aqui: Página Inicial / PESQUISA / Projetos Institucionais / USP Cidades Globais / Ensaios / Gestão de Resíduos Sólidos em Municípios: Desafio para Gestores e Sociedade

Gestão de Resíduos Sólidos em Municípios: Desafio para Gestores e Sociedade

por Mauro Bellesa - publicado 08/03/2024 14:25 - última modificação 08/03/2024 14:25

Pedro Lombardi Filho[1] e Wanda Maria Risso Günther[2]

A geração de resíduos sólidos tem aumentado de forma significativa nos últimos anos, com reflexos socioambientais, econômicos e na saúde global. Essa geração está diretamente associada à forma como a sociedade produz, consome e descarta seus bens e produtos. No Brasil, mesmo com o auge da pandemia nos anos de 2020 e 2021 os índices de geração continuaram crescendo, além da diversidade de tipos de resíduos gerados em municípios: resíduos sólidos urbanos e rurais domiciliares, limpeza e manutenção pública, resíduos da construção civil, de serviços de saúde, saneamento, transportes (portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários), agrossilvopastoris, comércio e indústria. Há também os passíveis de logística reversa (pilhas e baterias, pneus, eletroeletrônicos entre outros), os que exigem cuidados específicos no manejo, transporte e destinação devido às características de periculosidade, representados por resíduos perigosos em geral e aqueles resultantes de atividades potencialmente poluidoras.  A quantidade de resíduos gerada e as características de cada tipologia interferem diretamente em seu gerenciamento, pois determinam linhas de fluxos para as etapas subsequentes de coleta, transporte, transbordo e destinação, incrementando as possibilidades de valorização dos materiais presentes.

A redução dos impactos socioambientais e do consumo de recursos exigem soluções inovadoras na gestão de resíduos sólidos. A disposição final em aterros sanitários, método economicamente mais viável, consolidado e amplamente aplicado no país não deve ser considerada como solução única a ser adotada por municípios ou consórcios. Os princípios da sustentabilidade pressupõem aplicar o conceito da minimização de resíduos e trabalhar pela sua máxima valorização, de modo a dispor no ambiente confinado e seguro (aterros) somente o rejeito, ou seja, o resíduo que não tenha mais como ser recuperado ou valorizado. A transformação esperada exige mudanças nos padrões de produção, consumo e no descarte, com uma visão que considere os impactos socioambientais e sanitários no presente e futuro.  Cada solução deve ser embasada em fatores como quantidade, periculosidade e características de cada fluxo específico, com a finalidade de analisar o potencial para redução, reutilização, reciclagem e valorização, ampliando a demanda como materiais a serem reintegrados ao ciclo econômico, dentro da perspectiva da economia circular.

Os baixos índices de reciclagem no país cerca de 4% e a existência de serviços de coleta seletiva em apenas 20% dos municípios brasileiros, de acordo com estudo da Abrelpe em 2022, refletem o desestímulo da segregação dos resíduos na fonte geradora e a consequente coleta seletiva pouco efetiva, assim como a falta de políticas públicas de transição para a economia circular, fato que se constata na manutenção da gestão indiferenciada de resíduos em grande parte dos municípios brasileiros. Isso é válido tanto para os materiais recicláveis domiciliares (plásticos, papéis, metais, vidros), como para os resíduos orgânicos presentes na massa de resíduos sólidos urbanos, ou de fontes específicas, para os quais há métodos consolidados de recuperação energética e da biomassa.

Neste contexto, estudos para aprimoramento e avanço da gestão municipal de resíduos requerem inicialmente conhecimento da realidade local, o que é conseguido por meio de diagnóstico apurado, holístico e integrado. Esse levantamento acurado possibilita a compreensão das políticas e mecanismos da gestão atual, o atendimento à normativa legal-regulatória vigente e a percepção do caminho necessário à obtenção da gestão integrada e sustentável, sendo assim, necessários, levantamentos de dados primários e secundários, envolvendo:

  • Estudo dos instrumentos de fiscalização, planos e equipamentos urbanos;
  • Análise de fluxos de geração, coleta, transporte, transbordo e destinação conforme funcionalidade aplicada ao resíduo;
  • Pesquisa do arcabouço legal-regulatório e das normas técnicas aplicados ao tema.

Para isso, a gestão pública deve estar estruturada legalmente, ou seja, com base em conceitos atuais e ferramentas definidas na legislação do município, com identificação e qualificação dos atores envolvidos e equipamentos urbanos, suas funções e atribuições conforme cada etapa do gerenciamento (geração, coleta, transporte, transbordo, tratamento e disposição final). Por sua vez, o poder público deve contar com ferramentas eficientes para atuar como incentivador, fiscalizador e regulamentador.

Outro ponto fundamental é a capacitação do corpo técnico municipal e a organização dos dados e informações do setor. Em geral, municípios de pequenos e médio porte carecem de profissionais capacitados e não possuem dados organizados e sistematizados. A capacitação técnica permite melhor interpretação e aplicação dos novos requisitos ambientais, de saúde e segurança, e é determinante na discussão e busca de soluções adaptativas na transição para a sustentabilidade, baseadas na natureza e em novas rotas tecnológicas para a destinação dos resíduos sólidos. A produção e registro de dados é fundamental para retratar as condições locais e permite a alimentação de indicadores, essenciais para o planejamento, gestão e avaliação das soluções implementadas. Os dados necessitam de organização e registros ao longo do tempo, compondo séries históricas, quantitativos de geração, coleta, transporte, transbordo, tratamento e disposição final por tipologia de resíduo; tipos e quantidades de equipamentos urbanos disponíveis, localização, estado de conservação e função, tanto em áreas urbanas como rurais. É fundamental ter conhecimento e controle dos serviços sob administração municipal, seja na modalidade de administração direta, sob responsabilidade da municipalidade, seja na administração indireta por meio da contratação de empresa prestadora de serviços (terceirização), ou ainda, quando a contratação está sob responsabilidade do gerador, pessoa física ou jurídica, na qual a prefeitura atua como órgão fiscalizador e regulamentador.

Projetos ambientais de incentivo à coleta seletiva e reciclagem, logística reversa, minimização de desperdícios, compostagem e projetos sociais de reintegração de catadores são temas chave que se enquadram à dinâmica atual da gestão municipal de resíduos e devem atender à proposta de circularidade, com retorno à cadeia produtiva, redução do uso de recursos naturais e geração de emprego e renda, temas abarcados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares).

O município necessita ainda, atender aos requisitos legais como a elaboração e implantação do plano de gestão integrada de resíduos sólidos (PGIRS), incluindo a gravimetria dos resíduos sólidos urbanos, e a realização de planejamento ambiental e territorial inseridos na gestão do estado, como preconiza o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), instrumento da PNRS. Para obtenção de recursos financeiros, o município necessita se qualificar e capacitar para se enquadrar às exigências de obtenção de recursos disponibilizados em projetos socioambientais, para o estado de São Paulo, citam-se o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) e o Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição (Fecop) e, em âmbito federal, recursos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e programas governamentais específicos, entre outros.

Sendo assim, a gestão de resíduos sólidos é desafio dinâmico na gestão municipal, pois cada fluxo de resíduos tem sua peculiaridade e especificidade, exigindo participação da sociedade nas propostas de soluções e encaminhamentos, a qual deve ser continuamente estimulada por campanhas educacionais e incentivos ao entendimento das necessidades e melhorias de uma economia que propõe a circularidade dos resíduos e redução do consumo de recursos naturais. Por sua vez, o poder público em seu papel de incentivador, regulamentador e de fiscalização deve investir na capacitação do corpo técnico para aprimoramento da gestão dos resíduos, com diagnósticos mais precisos, efetivação na captação de recursos em projetos de incentivos fiscais e parcerias com empresas privadas, e na aplicação de novas rotas tecnológicas para a solução dos desafios da gestão dos resíduos sólidos urbanos.

[1] Engenheiro Civil pela Escola Politécnica USP (1994). Pós-Graduação em Gestão e Tecnologias Ambientais MBA -USP (2011), Mestrado em Ambiente Saúde e Sustentabilidade - Faculdade de Saúde Pública USP (2017) Doutor em Saúde Global e Sustentabilidade na Faculdade de Saúde Pública -USP (2022). Sócio diretor - MBrazil Engenharia de Soluções e Com. Integrada Ltda e pós-doutorando no Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados IEA - USP.

[2] Engenharia Civil e Cientista Social. Especialista em Engenharia de Saúde Pública e em Tratamento e Gestão de Resíduos Sólidos. Mestre e Doutora em Saúde Pública (USP), Pós-doutorado pela Universidad Autónoma de Madrid e Livre Docência em Gestão Ambiental (USP). É professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública/USP e coordenadora acadêmica do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados IEA-USP.

ODS relacionados com o tema:

  • ODS   6 - Água potável e saneamento
  • ODS 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis
  • ODS 12 - Consumo e Produção Sustentáveis