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Impacto dos Eventos na Qualidade de Vida dos Residentes

por admin - publicado 25/06/2024 11:50 - última modificação 06/08/2024 13:50

Autores: Yoná da Silva Dalonso e Ricardo Ricci Uvinha

Yoná da Silva Dalonso[I] e Ricardo Ricci Uvinha[II]

25 de junho de 2024

Os eventos, como festivais, conferências, competições esportivas dentre outras tipologias de eventos, desempenham papel significativo na vida das comunidades.  Não somente oferecem entretenimento e oportunidades de socialização, mas também podem ter significativo impacto na qualidade de vida dos residentes. Este ensaio busca explorar como os eventos influenciam a qualidade de vida das pessoas que residem nas áreas onde eles ocorrem.

Considerando que os eventos, muitas vezes, contribuem para a criação de senso de comunidade, eles proporcionam oportunidades para os residentes se reunirem, interagirem e celebrarem de forma coletiva. Essa conexão comunitária pode fortalecer os laços sociais, promover a inclusão e reduzir o isolamento social, fatores que contribuem para melhor qualidade de vida. Vale considerar que, quando as pessoas se sentem parte de uma comunidade vibrante e ativa, tendem a experimentar sensação de pertencimento e apoio, o que pode ter impactos positivos na saúde mental e bem-estar emocional das pessoas envolvidas. Neste cenário, residirá uma necessidade crescente de planejadores e analistas de políticas com capacidade de lidar com as complexas questões relacionadas aos eventos (DALONSO et al., 2014).

O bem-estar subjetivo dos residentes é considerado um dos determinantes mais críticos de sua qualidade de vida global, sendo na atualidade um ponto focal de muitas discussões e desenvolvimentos de políticas públicas. As autoridades locais e os governos centrais iniciam continuamente políticas para melhorar o bem-estar dos residentes e avaliam o sucesso dessas ações de políticas públicas com base no quanto essas ações melhoram e impactam na qualidade de vida das pessoas. Neste sentido, os decisores políticos estão gradualmente mais envolvidos nas questões de bem-estar dos residentes, por meio do desenvolvimento regional, comunitário e de bairro, e avaliam o sucesso pela utilização de indicadores objetivos e subjetivos da qualidade de vida da comunidade.

Melhorar o bem-estar dos indivíduos para um nível significativo tem sido o objetivo fundamental de todas as sociedades modernas. Embora vários fatores possam influenciar, muitos estudos têm demonstrado que atividades que proporcionam oportunidades para melhorar as interações e relacionamentos sociais estão positivamente correlacionadas com o bem-estar subjetivo.

Essa relação é essencial para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3: Saúde e Bem-estar. Os festivais e eventos, ao promoverem interações sociais, ajudam a combater a solidão e o isolamento, problemas que são reconhecidos como grandes desafios para a saúde mental nas sociedades modernas. Além disso, a participação em eventos comunitários pode incentivar estilos de vida mais ativos e saudáveis, por meio da promoção de atividade física regular entre os participantes, uma vez que a atividade física é um fator crucial para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardíacas, diabetes e obesidade, alinhando-se com as metas do ODS 3 para reduzir a mortalidade prematura por essas doenças. Portanto, ao proporcionar um ambiente que favorece a interação social, a atividade física e a educação em saúde, os festivais e eventos comunitários desempenham papel significativo na promoção da saúde e do bem-estar, contribuindo diretamente para o alcance do ODS 3. Estes eventos não apenas melhoram a qualidade de vida dos indivíduos, mas também fortalecem a coesão social e criam comunidades mais saudáveis e resilientes.

Além disso, os eventos muitas vezes estimulam a economia local, criando empregos temporários e aumentando o fluxo de turistas e visitantes. Isso pode resultar em benefícios econômicos tangíveis para os residentes, incluindo oportunidades de emprego sazonal, aumento das vendas para empresas locais e investimento em infraestrutura. Esses benefícios possibilitam o acesso a mais serviços e recursos, bem como maior sensação de segurança financeira para os públicos envolvidos.

Além de causarem impactos econômicos positivos nas comunidades locais, os festivais podem gerar benefícios socioculturais positivos para as comunidades anfitriãs, tais como a coesão comunitária, união grupal/familiar, socialização, recuperação cultural  e entretenimento. Além disso, os residentes locais participam em festivais locais por uma variedade de razões hedônicas e funcionais, tais como entretenimento, curiosidade, aprendizagem, apreciação estética, socialização, melhoria pessoal, autoexpressão e aceitação dos outros. As experiências positivas dos participantes com festivais possibilitam, da mesma forma, a satisfação pessoal, o que provavelmente resultará em aumento em sua felicidade geral e, consequentemente, em seu bem-estar subjetivo.

Estes impactos positivos podem também ser observados na saúde física dos residentes. A exemplo, os eventos esportivos podem inspirar as pessoas a se tornarem mais ativas e engajadas em atividades físicas, o que pode levar a uma população mais saudável e com menor incidência de doenças relacionadas ao sedentarismo. Da mesma forma, eventos culturais que promovem a arte, a música e outras formas de expressão criativa podem contribuir para o bem-estar emocional das pessoas, oferecendo oportunidades de relaxamento, inspiração e autodescoberta.

Entretanto, apesar destes eventos promoverem o impulso da atividade turística, impactando muitas vezes na economia local, é relevante considerar o impacto social gerado pela atividade, por meio da identificação do envolvimento de todos os atores do destino (stakeholders). Estudos efetuados indicam que os festivais e eventos geram condições favoráveis, durante os quais os moradores podem optar por interagir com os visitantes, com um limite de tempo, e sem ameaça ao estilo de vida dos habitantes locais (UVINHA, 2016). Um exemplo de caso revelador é o impacto do Carnaval do Rio de Janeiro nas comunidades das favelas. Enquanto o evento atrai milhões de turistas e gera receita para a cidade, muitos residentes das favelas enfrentam deslocamento e marginalização devido à gentrificação. Da mesma forma, os Jogos Olímpicos de Londres de 2012 foram celebrados como um grande sucesso, mas também foram criticados por impulsionar a gentrificação e o aumento dos preços dos imóveis em bairros anteriormente marginalizados.

Assim, alguns eventos podem resultar em efeitos negativos, como congestionamento, poluição sonora, aumento da criminalidade, dentre outros, que podem afetar adversamente a comunidade local. Portanto, é essencial que os organizadores de eventos considerem cuidadosamente os impactos potenciais de suas atividades e tomem medidas para mitigar efeitos negativos. Da mesma forma, os impactos ambientais gerados por eventos podem ter consequências significativas na qualidade de vida local. Um dos principais impactos ambientais dos eventos é a geração de resíduos sólidos. Grandes reuniões de pessoas muitas vezes resultam em aumento no consumo de produtos descartáveis, como alimentos embalados, copos plásticos e utensílios descartáveis. Além disso, eventos frequentemente requerem o uso intensivo de recursos naturais, como água e energia. A exemplo, o Festival de Verão de Salvador, na Bahia, também enfrenta desafios relacionados ao seu impacto ambiental. Este festival, que ocorre anualmente, atrai milhares de pessoas para a cidade litorânea durante a temporada de verão. Embora os organizadores do Festival venham implementando medidas de sustentabilidade, como programas de reciclagem, conscientização ambiental e uso de fontes de energia renovável, a cada edição do evento inovações no campo da sustentabilidade vão se caracterizando como medidas indispensáveis para a compensação dos impactos causados no ecossistema pela realização do evento.

Outro aspecto a considerar é a necessidade, muitas vezes, de  construção de estruturas temporárias, iluminação, sistemas de som e outras infraestruturas que consomem grandes quantidades de energia, muitas vezes provenientes de fontes não renováveis, contribuindo para as emissões de gases de efeito estufa e a mudança climática. O festival de música Burning Man, realizado anualmente no deserto de Black Rock, no estado de Nevada, nos Estados Unidos apresenta um cenário desafiador neste sentido. Este festival, conhecido por sua cultura de participação, expressão artística e sustentabilidade, também enfrentou desafios relacionados ao impacto ambiental. Durante o Burning Man, são construídas diversas estruturas temporárias, incluindo enormes instalações de arte, palcos, áreas de acampamento e estruturas para fornecer serviços como alimentação, água e banheiros. Além disso, o festival requer sistemas de iluminação, som e outras infraestruturas que consomem grandes quantidades de energia. No entanto, devido à sua localização remota no deserto, o Burning Man enfrenta restrições significativas quanto ao fornecimento de energia e recursos naturais. A maioria da eletricidade usada no evento é gerada por geradores a diesel, o que contribui para as emissões de gases de efeito estufa e poluição sonora e atmosférica. Para abordar esses desafios, os organizadores do Burning Man têm implementado várias iniciativas sustentáveis, incluindo o uso de energias renováveis e a gestão de resíduos por meio de um programa denominado "Leave No Trace" (Não Deixe Rastros), incentivando os participantes a recolherem todo o seu lixo e resíduos após o festival.

Outro exemplo emblemático de impacto dos eventos nas cidades é o Carnaval, festividade popular que ocorre em muitas regiões ao redor do mundo. O Carnaval não apenas proporciona entretenimento e celebração cultural, mas também tem impacto significativo na qualidade de vida das cidades onde é realizado. Em muitas cidades, o Carnaval é uma fonte importante de receita econômica, gerando empregos temporários e estimulando o turismo local. Durante o período do Carnaval, hotéis, restaurantes, bares, lojas e outros estabelecimentos comerciais experimentam aumento no número de clientes, o que pode resultar em maiores receitas e oportunidades de negócios para os residentes locais. Quanto à promoção da cultura e da identidade local, o Carnaval celebra as tradições e expressões culturais únicas de cada comunidade, por meio de desfiles, festas, apresentações musicais e outras atividades, fortalecendo o senso de pertencimento e orgulho entre os residentes. Essa conexão com a cultura local pode contribuir para maior coesão social e sensação de comunidade mais forte, o que pode melhorar a qualidade de vida dos residentes.

No entanto, o Carnaval também pode apresentar desafios significativos para as cidades, especialmente em termos de segurança pública e gestão de resíduos. O grande número de pessoas reunidas em espaços públicos pode sobrecarregar os serviços de segurança e emergência, aumentando o risco de incidentes e geração de inseguridade aos visitantes e residentes, para além da geração de grandes quantidades de resíduos sólidos, como embalagens de comida e bebida, confetes, serpentinas e outros materiais descartáveis, que podem sobrecarregar os sistemas de coleta e contribuir para a poluição ambiental. A exemplo, o Carnaval do Rio de Janeiro é um evento que demonstra claramente esses impactos. A festividade não apenas movimenta a economia local, gerando milhões de reais em receitas e milhares de empregos temporários, mas também enfrenta desafios como a necessidade de uma gestão eficiente de resíduos sólidos e segurança pública para lidar com a grande afluência de turistas e residentes (GARCIA, 2023).

Essa abordagem está diretamente relacionada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11: Cidades e Comunidades Sustentáveis, que visa tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. A participação ativa dos cidadãos nas decisões sobre eventos e turismo pode contribuir para a criação de espaços urbanos que refletem as necessidades e aspirações de seus habitantes, promovendo um senso de pertencimento e coesão social. A integração da comunidade no planejamento e na execução de eventos também pode ajudar a distribuir de maneira mais equitativa os benefícios econômicos do turismo, apoiando negócios locais e garantindo que os ganhos econômicos sejam compartilhados por uma maior parcela da população. Isso pode ajudar a reduzir desigualdades sociais e econômicas, um objetivo central do ODS 11.

Em conclusão, os eventos têm o potencial de influenciar significativamente a qualidade de vida e a geração de bem-estar dos residentes das comunidades onde ocorrem. Quando planejados e executados com sensibilidade e consideração pelos impactos sociais, econômicos e ambientais, os eventos podem fortalecer os laços comunitários, estimular o desenvolvimento econômico e promover o bem-estar físico e emocional dos residentes. No entanto, é crucial que os organizadores de eventos e as autoridades locais trabalhem juntos para garantir que os benefícios superem quaisquer efeitos negativos, criando assim um ambiente onde todos os residentes possam prosperar e desfrutar de melhor qualidade de vida.

Referências

DALONSO, Yoná S. et al. Tourism experience, events and public policies. Annals of Tourism Research, v. 46, p. 181-184, 2014.

GARCIA, Marta Regina Fernández Y. O ano que teve e não teve Carnaval no Rio de Janeiro. 2023. Tese de Doutorado. PUC-Rio.

UVINHA, Ricardo Ricci. Turismo, Lazer e Megaeventos Esportivos no Brasil: relato de experiências sobre as Olimpíadas 2016. Revista Turismo em Análise, v. 27, n. 3, p. 714-731, 2016.

ODS relacionados

3 - Saúde e Bem-Estar
11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis


[I] Pós-doutoranda do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP. Doutora em Geografia pela Universidade do Minho (Portugal). Docente da Universidade da Região de Joinville (Univille).
[II] Professor titular e diretor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (Each) da USP. Supervisor de pós-doutorado do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.