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Expansão das redes de distribuição elétrica subterrânea como instrumento de mitigação de impactos socioambientais no centro expandido de São Paulo

por Letícia Martins Tanaka - publicado 12/03/2021 17:07 - última modificação 12/03/2021 17:07

por Gérsica Nogueira da Silva, Giuliano Maselli Locosselli & Lúcio da Silva Freitas

por Gérsica Nogueira da Silva, Giuliano Maselli Locosselli & Lúcio da Silva Freitas

O sistema de energia elétrico do Brasil conta com uma rede de transmissão de energia com mais de 90 mil quilômetros de linhas, dos quais, mais de 98% são distribuídos por vias aéreas (NAKAGUISHI; HERMES, 2011), A disposição das redes de distribuição elétrica aérea convencionais resulta do menor custo de instalação, quando comparada aos outros tipos de distribuição, atendendo quase totalidade das capitais brasileiras, inclusive o centro expandido de São Paulo.

Considerando a crescente demanda dos sistemas de distribuição, principalmente nos grandes centros urbanos, a distribuição aérea apresenta problemas associados, uma vez que, competem pelo espaço público e interferem na acessibilidade e mobilidade, implicando riscos de acidentes, por exemplo, quando próximas às fachadas dos prédios, contribuem, além de tudo, com a poluição visual, conflitos no uso e ocupação do solo e riscos à população, resultam também em desligamentos na rede de serviços e perdas materiais e econômicas, inclusive, perda de vidas.

No contexto do planejamento urbano, compete em termos de espaço com a arborização viária, promovendo em muitos casos a incompatibilização da estrutura da paisagem. A arborização urbana representa um elemento importante para o conforto humano, refletindo na qualidade de vida da população, uma vez que contribui para redução de ruídos, melhoria da qualidade do ar, redução da amplitude térmica e regulação do ciclo da água, entre outros. É notória sua relevância, no entanto, é contínua e conflituosa sua perda, decorrente do comprometimento estrutural das árvores viárias pelo seu manejo inadequado para a manutenção da rede elétrica, que afeta diretamente a arborização viária devido às podas, para a adequação da copa das árvores, executadas pela concessionária de energia elétrica e/ou subprefeituras. Apesar de existirem procedimentos padrões, podas sucessivas e mal executadas aumentam a frequência de queda das árvores, e consequentemente, de acidentes que resultam em perdas materiais e humanas, além da interrupção do fornecimento de energia elétrica.

Esta síntese de impactos gerados nas megacidades apresenta um grande desafio: acolher uma população cada vez mais adensada junto a sua demanda de infraestrutura e ao mesmo tempo desacelerar localmente a degradação ambiental, garantindo a manutenção dos serviços ecossistêmicos e seus benefícios essenciais para a população.

A abordagem dessa problemática requer uma visão transdisciplinar, para embasar a criação de um modelo de metrópole, que atenda às demandas da sociedade, permitindo o desenvolvimento da infraestrutura verde nas cidades. Para tal, no tocante às redes de distribuição elétrica, pode-se haver a substituição das redes de transmissão aérea para subterrânea.

A Lei nº 14.023, de 8 de julho de 2005, regulamentada pelo Decreto nº 47.817/2006, dispõe sobre a obrigatoriedade de tornar subterrâneo todo o cabeamento ora instalado pelas concessionárias de serviços públicos, as empresas estatais e as prestadoras de serviços que operam ou utilizam cabos aéreos no Município de São Paulo (SÃO PAULO, 2006). O referido decreto prevê em seu artigo 2º que a concessionária de distribuição de energia elétrica deve enterrar a fiação em 250 km de vias por ano, de acordo com o Programa de Enterramento da Rede Aérea (PERA), elaborado por Câmara Técnica de Gestão de Redes Aéreas (CTGRA).

Apesar da relevância do estabelecido no decreto, apenas em 2015 (10 anos depois), tornou-se público o Plano Básico do PERA, por meio da Portaria nº 216, de 23 de fevereiro de 2015, incluindo procedimentos e critérios de priorização de vias, em locais onde estejam previstas outras intervenções que possibilitem a conversão das redes aéreas de maneira econômica e gradativa, considerando a disponibilidade de recursos necessários para este fim (CORREIA, 2016). Como mencionado o aspecto trans- e multidisciplinar da gestão urbana para esta questão, o bem-estar da cidade e dos ecossistemas urbanos demandam planejamento, investimentos, desenvolvimento de políticas públicas, e acima de tudo participação social.

O estado do Rio de Janeiro lidera em percentual da participação total de redes subterrâneas no Brasil, seguido dos estados de São Paulo e Brasília, apresentando cerca de 43%, 24% e 11%, respectivamente (LMDM, 2014), representando em 2010 apenas 2% do total das redes urbanas de baixa e média tensão. Atualmente, cidades como Washington, Paris, Barcelona e Nova York já têm a totalidade de suas redes distribuídas no subsolo, grande parte da substituição teve início durante a primeira metade do século 20 (NAKAGUISHI; HERMES, 2011).

Estudo realizado por Fernandes (2018), na cidade do Rio de Janeiro, concluiu que o custo de construção da rede subterrânea, resultou em melhor desempenho no atendimento do serviço prestado pelas concessionárias, onde a satisfação do consumidor foi até cinco vezes mais bem avaliada em comparação serviços em redes aéreas, além de benefícios em médio prazo quanto a sua eficiência, estética e benefícios a sociedade. Isto posto, parcerias entre concessionárias e a priorização de áreas é importante para ampliar a distribuição subterrânea, tornando mais fácil a manutenção, diminuindo a taxa de roubo de cabos e reduzindo acidentes e custos com indenizações. Além disso, haveria contribuições para enfrentamento das alterações climáticas, e a melhoria da saúde pública e ambiental, e até mesmo redução de custos relacionados à substituição de árvores com maior frequência nas cidades (BUCKERIDGE, 2015).

No ano de 2020, foram completados 15 anos da publicação da Lei nº 14.023/2005, e um dos aspectos apontados nos atrasos na execução do PERA é o alto custo financeiro da substituição da rede, principalmente quando a legislação não indica a origem do orçamento para as obras. O aspecto econômico é relevante, e por isso também é preciso caracterizar e quantificar os impactos sobre a arborização urbana nas megacidades e obter valor monetário associado aos riscos e aos serviços ecossistêmicos de regulação.

Na cidade de São Paulo, Pelegrini et al. (2011) empreendeu uma análise de valoração contingente para o aterramento da rede elétrica. Em linhas gerais, o método consiste na realização de entrevistas para apurar a disposição a pagar dos consumidores pelo aterramento. No entanto, como é comum em questões ambientais, a complexidade da dinâmica ambiental resulta que apenas parte dos benefícios ecossistêmicos, por exemplo, da arborização urbana, são captados pela percepção dos consumidores. Ainda assim, o valor atribuído ao serviço de enterramento de redes pelos clientes residenciais corresponde de 40% a 60% do custo médio para enterramento de redes (PELEGRINI et al., 2011). É necessário o desenvolvimento de metodologias que considerem o valor do conjunto de serviços ecossistêmicos possibilitados pela distribuição elétrica subterrânea e pela arborização, de modo que se apure corretamente a relação custo-benefício.

Esses serviços ecossistêmicos, e sua correspondente valoração econômica, têm recebido atenção dos pesquisadores. Amplia-se a massa crítica, o que confere mais segurança sobre os resultados empíricos, e disponibiliza maior leque de métodos. São conhecidos, por exemplo, os impactos positivos da arborização sobre o preço dos imóveis e sobre os aluguéis (DAAMS et al., 2019; DONOVAN; BUTRY, 2011). A disposição a pagar pela substituição da distribuição de energia aérea pela distribuição subterrânea varia significativamente entre os consumidores (MACNAIR et al., 2011). Também passível de precificação, é a retirada de poluentes do ar, conforme os custos evitados, como aqueles sobre a saúde pública (NOWAK et al., 2018); ou ainda, o sequestro de carbono pelas árvores urbanas (MACGOVERN; PASHER, 2016). Em linhas gerais, pode-se manejar a arborização urbana de modo que tenha impacto relevante sobre a água urbana, o conforto térmico e os ciclos do carbono e da poluição do ar e da água (LIVESLEY et al, 2016).

Isto posto, verifica-se a relevância de estudos que contribuam com a valoração de serviços ecossistêmicos de regulação prestados pela arborização urbana, relacionando principalmente os aspectos da amenização da poluição do ar e da temperatura, em grandes capitais como São Paulo, uma vez que, eventos climáticos extremos potencializam os efeitos negativos sobre o ambiente urbano. Com isso, verifica-se necessidade de melhor articulação entre comunidade científica, Ministério Público, órgãos municipais e atores sociais de interesse, na efetivação da Lei nº 14.023/2005 e do Programa de Enterramento da Rede Aérea (PERA), contemplando, desta forma, compromissos da Agenda 2030, com destaque aos ODS 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura), ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis), ODS 13 (Ação com a mudança global do clima) e ODS 15 (Vida terrestre).

REFERÊNCIAS

BUCKERIDGE, M. S. Árvores urbanas em São Paulo: planejamento, economia e água. Estudos Avançados, v. 29, n. 84, p. 85-101, 2015.

CORREIA, Talita de Souza. Aspectos econômicos e ambientais da implantação de redes subterrâneas de energia elétrica. Monografia elaborada como requisito para conclusão do Curso (Especialização em Gerenciamento Ambiental) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ/USP, São Paulo, 2016.

DAAMS, M. N.; SIJTSMA, F. J.; VENERI, P. Mixed monetary and non-monetary valuation of attractive urban green space: A case study using Amsterdam house prices. Ecological Economics. Volume 166, December 2019.

DONOVAN, G. H.; BUTRY, D. T., DONOVAN, The effect of urban trees on the rental price of single-family homes in Portland, Oregon. Urban Forestry & Urban Greening. Volume 10, Issue 3, 2011, Pages 163-168

LMDM Consultoria Empresarial. Estudo: A Transformação das Redes de Distribuição de Energia Aéreas em Subterrâneas. 2014. Disponível em: http://www.lmdm.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Estudo-Redes-A%C3%A9reas-x-Subterr%C3%A2neas.pdf. Acesso em: 15 jan. 2021.

LIVESLEY, S. J.; MACPHERSON, E. G.; CALFAPIETRA, C., The Urban Forest and Ecosystem Services: Impacts on Urban Water, Heat, and Pollution Cycles at the Tree, Street, and City Scale. Journal of Environmental Quality, Volume 45, Issue 1, January-February, 2016, p. 119-124.

MACGOVERN, M.; PASHER, J., Canadian urban tree canopy cover and carbon sequestration status and change 1990–2012, Urban Forestry & Urban Greening, Volume 20, December 2016, p. 227-232.

MACNAIR, B. J.; BENNETT, J.; HENSHER, D. A.; ROSE, J.M., Households' willingness to pay for overhead-to-underground conversion of electricity distribution networks. Energy Policy, Volume 39, Issue 5, May 2011, P. 2560-2567.

NAKAGUISHI, M. I., HERMES, P. D. Estudo comparativo técnico/financeiro para implantação de redes de distribuição subterrâneas. 2011. Disponível em: http://www.eletrica.ufpr.br/ufpr2/tccs/199.pdf. Acesso em: 15 jan. 2021.

NOWAK, D. J.; HIRABAYASHIB, S.; DOYLE, M.; MACGOVERNO, M.; PASH, J., Air pollution removal by urban forests in Canada and its effect on air qualityand human health. Urban Forestry & Urban Greening, n 29, 2018, p. 40–48.

ONU. Agenda 2030. 2019. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 15 dez. 2020.

PELEGRINI, M. A.; ANUATTI NETO, F.; BORGER, F. G.; BELLUZZO JUNIOR, W.; CYRILLO, I.O.; TAHAN, C. M. V.; LONGUE, C. A., Avaliação da disposição a pagar dos consumidores por melhor qualidade do serviço e enterramento da rede. Anais do VI Congresso de Inovação Tecnológica em Energia Elétrica (VI CITENEL), Fortaleza/CE. 2011.

SÃO PAULO. Lei nº 14.023, de 8 de julho de 2005. Dispõe sobre a obrigatoriedade de tornar subterrâneo todo o cabeamento ora instalado no Município de São Paulo e dá outras providências. Lex: Coletânea de Legislação Municipal, São Paulo, 2005.