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Impacto Social de Programas de Pós-graduação no Brasil com Interfaces na Área de Sustentabilidade Urbana

por Letícia Martins Tanaka - publicado 12/03/2021 17:01 - última modificação 12/03/2021 17:01

por Cláudia Terezinha Kniess, Alejandro Dorado, Gérsica Moraes Nogueira da Silva, Lúcio Flavio da Silva Freitas, Thelmo de Carvalho Teixeira Branco Filho

por Cláudia Terezinha Kniess, Alejandro Dorado, Gérsica Moraes Nogueira da Silva, Lúcio Flavio da Silva Freitas, Thelmo de Carvalho Teixeira Branco Filho, do IEA/USP Cidades Globais GPesq-3

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015, composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030. Esses objetivos têm em sua essência a busca por uma melhor qualidade de vida, compartilhada de forma equitativa, que seja sustentável (COSTANZA et al., 2014). Os pilares que sustentam os ODS objetivam atender, de forma simultânea, a essência do programa, passam pelos aspectos econômicos, sociais e de ambiente, conhecidos como o Triple Bottom Line - TBL (ELKINGTON, 2001; COSTANZA et al., 2014).

A Organização das Nações Unidas - ONU reconheceu o papel das cidades no contexto da sustentabilidade, atribuindo um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para “Cidades e Comunidades Sustentáveis – Objetivo 11” (ONU, 2015). Cidades mais inclusivas, seguras, sustentáveis e resilientes a desastres ou a eventos incomuns são as metas deste objetivo, conhecido como ODS das cidades.

Além dos aspectos que fundamentam o conceito do desenvolvimento sustentável, as cidades demandam a articulação com o contexto social e cultural da população para obtenção plena dos ODS. Uma vez que as cidades abrigam a maior parte da população mundial e demandam grande quantidade de insumos, são centros geradores de poluição ambiental e representam cenários de oportunidades e desigualdades, sociais e econômicas (SOTTO et al., 2019). A gestão do meio ambiente urbano representa um desafio complexo para as sociedades contemporâneas. O meio ambiente, qualificado de urbano, engloba tanto o meio ambiente natural quanto o meio ambiente transformado, resultado da ação do homem e da sociedade (ACSELRAD, 2004).

Os centros urbanos crescem e com eles aumentam os grandes problemas sociais e desequilíbrios ambientais, que resultam na diminuição da qualidade de vida, degradação ambiental acelerada e riscos de governabilidade (KNIESS et al., 2019). Portanto, os desafios não englobam somente a preservação dos recursos ambientais, mas também envolvem assegurar condições de vida digna à população, propiciando que parcelas da sociedade não sejam excluídas do processo de desenvolvimento das cidades.

A sustentabilidade nas cidades mobiliza todas as disciplinas e campos do conhecimento, por seu impacto escalar e pelas análises e soluções complexas que demanda. A universidade, por ser essencialmente multidisciplinar e dispor de recursos humanos das mais variadas disciplinas e especialidades, comprometidos em responder às demandas sociais, deve promover um ambiente favorável ao desenvolvimento e aprofundamento de métodos e práticas alinhados com soluções sustentáveis, inclusive para as cidades (SOTTO et al., 2019). Isto posto, um fator de extrema relevância no contexto da sustentabilidade urbana é a formação de recursos humanos de alto nível em Programas de Pós-graduação, e a contribuição para a sociedade das pesquisas e ações realizadas pelos Programas integradas à gestão da sustentabilidade nas cidades.

Nesse sentido, o objetivo desse ensaio é apresentar algumas reflexões relacionadas ao papel dos Programas de Pós-graduação no Brasil, no que tange aos impactos para a área de sustentabilidade urbana. Essa reflexão emergiu dos seguintes questionamentos:  será que os Programas de Pós-graduação estão preparados para enfrentar os desafios complexos da multi e interdisciplinaridade e da intersetorialidade características da sustentabilidade urbana? Em que medida as pesquisas realizadas pelos Programas exercem impactos reais na sociedade e contribuem para formação aperfeiçoada de recursos humanos? Quais os indicadores de impacto social que orientam as ações dos Programas de Pós-graduação nas diferentes áreas de avaliação? Devido à complexidade desses questionamentos, com certeza não será possível respondê-los nesse ensaio, mas alguns pontos para discussão podem ser apresentados.

Avaliação dos Programas de Pós-Graduação (PPG’s)

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, agência fundacional subordinada hierarquicamente ao Ministério da Educação (MEC), é responsável pela regulação do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), incluindo a avaliação dos PPPG’s, que são agrupados em 49 áreas de conhecimento, subdivididas e agregadas por sua afinidade em dois níveis (CAPES, 2019a; 2019b). O primeiro nível (Colégios) e o segundo nível (Grandes áreas) correspondem, no total, a 3 Colégios e 9 Grandes áreas, que são assim organizados: Colégios de ciências da vida (contendo as grandes áreas de ciências agrárias, ciências biológicas e ciências da saúde), Colégio de ciências exatas, tecnológicas e multidisciplinar (contendo as grandes áreas de ciências exatas e da terra, engenharias e multidisciplinar) e Colégio de humanidades (contendo as grandes áreas de ciências humanas, ciências sociais aplicadas e linguística, letras e arte) (CAPES, 2019b). Diversos Programas pertencentes à diferentes áreas de avaliação dedicam-se à geração de conhecimento e formação de recursos humanos que promovem contribuições voltadas a sustentabilidade urbana.

Talvez um ponto crucial de ligação entre as necessidades de conhecimento e a capacitação de pessoal para a área de sustentabilidade urbana e o sistema de Pós-graduação do país esteja no sistema de avaliação da CAPES. Na medida em que os Programas sejam avaliados também por seus impactos reais e pelos benefícios trazidos à sociedade, talvez venha a se ter um equilíbrio maior entre as publicações acadêmicas e a apropriação prática do conhecimento.

De fato, no sistema vigente, a inserção social é um dos cinco critérios da ficha de avaliação. A avaliação dos Programas é estruturada e elaborada levando-se em conta os seguintes quesitos: I - Proposta do Programa; II - Corpo docente; III - Corpo discente; IV - Produção Intelectual; V - Inserção Social (CAPES, 2019b). No entanto, está em tramitação na CAPES a proposta para uma nova ficha de avaliação para os Programas de Pós-graduação Stricto Sensu (CAPES, 2019c). De acordo com o último documento de área da área de avaliação da CAPES Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo (publicado em março de 2019), os quesitos da nova Ficha de avaliação – “Programa”, “Formação” e “Impacto na sociedade” – sinalizam mudança de uma avaliação focada em métricas e indicadores quantitativos para uma avaliação qualitativa (CAPES, 2019c).

Existe na comunidade acadêmica uma crescente preocupação com a questão do impacto social, ou seja, os benefícios que as instituições de ensino e as pesquisas trazem para a sociedade. No entanto, a avaliação e a mensuração do impacto social do conhecimento gerado por instituições de ensino e pesquisa e seus Programas de Pós-graduação é uma tarefa complexa.  Até o momento, apesar de diversos estudos e avaliações terem sido realizados, parece não ter sido consolidada uma metodologia para a medição do impacto social, como também os indicadores relacionados. Pode-se citar alguns fatores que influenciam nessa dificuldade, como por exemplo, as diferenças entre os sistemas de ensino e pesquisa, as diferenças entre os campos científicos áreas de avaliação, como também as dificuldades associadas à própria operacionalização da medição dos impactos. Nos casos dos Programas que abordam pesquisas na área de sustentabilidade urbana, um indicador de impacto social poderia ser o acompanhamento das ações implantadas, para confrontar com os impactos projetados.

Programas de Pós-Graduação com interfaces da Sustentabilidade Urbana

Como um ponto de partida para a presente reflexão deste ensaio, foram selecionadas, em função do perfil dos Programas, 6 (seis) áreas de avaliação da CAPES que integram pesquisas em sustentabilidade urbana, sendo elas: Biodiversidade (149 Programas); Engenharias I (128 Programas); Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo (198 Programas);  Planejamento Urbano e Regional / Demografia (49 Programas); Interdisciplinar (595 Programas) e Ciências Ambientais (137 Programas).  Foram analisados, nos Documentos das Áreas, os parâmetros que norteiam o entendimento sobre o impacto na sociedade.

Apesar de existirem barreiras disciplinares na academia, inclusive no ambiente de pesquisa e de formação profissional, a abordagem da sustentabilidade como tema transversal é fundamental, considerando inclusive a diversidade de áreas a serem avaliadas. Para que iniciativas inter/transdisciplinares possam se estabelecer como práticas universitárias acadêmicas e profissionais de longo prazo, dependente de reestruturações institucionais e processuais importantes. Entre as iniciativas que valorizam a sustentabilidade no contexto da educação superior, cita-se como exemplo o “environmental sustainability ranking”, iniciativa ainda emergente, mas simbolicamente importante (RAGAZZI; GHIDINI, 2017).

O Documento da Área 07 - Biodiversidade apresenta como perspectivas de impacto na sociedade, a missão de prover conceitos e ferramentas que permitam o uso sustentável do capital biológico e que promover o avanço científico em escala global. Também assinala a importância do Brasil como provedor de importantes serviços ambientais. Assim, a produção intelectual básica ou aplicada, que trate de forma inovadora destas questões, é considerada como um forte impacto na sociedade. Uma das formas de mensurar esse impacto é de que forma a sociedade está assimilando e utilizando essa informação para garantir o uso adequado desses serviços ecossistêmicos, sua conservação e o acesso a todos os atores sociais.

No contexto da área 10 - Engenharias I, o Documento de Área cita que, os impactos dos PPG’s na sociedade estão relacionados tanto aos produtos, processos e ferramentas desenvolvidos por meio de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico,  quanto no desenvolvimento das capacidades humanas para atuação no ensino (técnico, graduação e Pós-graduação), na avaliação de políticas públicas relacionadas (com consequente apoio a tomada de decisões em diferentes níveis) e no envolvimento com empresas ou instituições públicas e privadas para transferência de tecnologias e/ou criação de novos produtos e técnicas.

Conforme o Documento de Área 27 - Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo, entende-se que o impacto dos PPG’s na sociedade é definido em função da formação, geração de conhecimento e articulação com a sociedade. Guardada coesão com a proposta de formação do PPG, inclui resultados, consequências e repercussões sobre o poder público, sociedade civil, mercado, e outras dimensões da vida social. As atividades de formação, geração de conhecimento e articulação com a sociedade podem assumir variadas formas, desde ensino, pesquisa e extensão, mas também projetos aplicados, direcionados para a prática, o ensino e a pesquisa pedagógica, o meio acadêmico. O importante é que tais atividades sejam resultados institucionais dos PPG’s, daí que, deve haver forte conexão com a identidade do Programa. Deve estar no planejamento estratégico e fazer parte da autoavaliação. O impacto social justifica e legitima a existência do Programa.

Já o Documento da Área 30 - Planejamento Urbano e Regional e Demografia (PLURD), ressalta que o impacto na sociedade deve ser medido por diferentes dimensões, principalmente a difusão do conhecimento produzido e a formação de recursos humanos. Como parâmetros de avaliação propõe seis grandes temas: i) a abrangência da difusão na escala nacional e internacional; ii) o conhecimento produzido tanto acadêmico como divulgação; iii) a inovação de conhecimentos; iv) a formação dos recursos humanos, em termos de escala (local, regional, nacional e internacional); v) o potencial de formação dos recursos humanos em termos de qualidade de sua inserção profissional e vi) a relação reativa e proativa frente a PPG novos e mais distantes das grandes áreas geográficas de concentração da oferta de Pós-graduação na Área PLURD. Obviamente há uma contribuição para a sociedade pela definição de parâmetros que permitam mensurar o aumento da qualidade de vida nos ambientes urbanos e rurais, com indicadores de desempenho eficazes e eficientes para sua medição.

No que concerne à Área 45 - Interdisciplinar, depreende-se que se trata de um espaço transversal, no qual articula com todas as demais áreas. Assim, deve-se observar alguns princípios, dentre eles o de descortinar novos caminhos teóricos - metodológicos de investigação, inovação e ensino. É consabido que não se trata de uma tarefa fácil agregar várias perspectivas do conhecimento ao mesmo tempo. Entrementes, o diálogo entre as facetas epistemológicas, é inevitável.

O esteio da transdisciplinaridade consiste em fortalecer os laços entre as ciências humanas e exatas de forma a abranger a arte, a cultura, a poesia e a literatura, além da experiência espiritual. Deve haver uma “aproximação disciplinar” de maneira que a transdisciplinaridade seja um fator de complementaridade. Portanto, a transdisciplinaridade ocupa um papel multidimensional pelo fato de considerar os fatores tempo e história, longe de ser considerada uma filosofia ou uma ciência da ciência (BRANCO FILHO, 2018).

De acordo com o Documento da Área 49 - Ciências Ambientais, a coordenação tem buscado parâmetros consistentes que permitam sinalizar os impactos socioeconômicos e ambientais, decorrentes das atividades dos PPG’s e das qualificações de sua atuação, sobretudo em áreas de fronteira, de interiorização e de vulnerabilidade social, econômica e ambiental. Como ponto de partida propôs-se uma primeira versão sistematizada de avaliação, utilizando um indicador/mapa denominado de Destaque Territorial. O processo de autoavaliação possibilita indicar programas que ainda que não estejam fisicamente em áreas de vulnerabilidades socioambientais, mas realizam ações que impactam o seu enfrentamento. Este indicador foi concebido com a intenção de criar uma métrica quantitativa, ainda que tenha concepção qualitativa, relacionada à Inserção Social de maneira que os Programas reconhecessem um indicador plausível para um quesito normalmente reconhecido como de avaliação genérica. Por consequência, desencadearia outros indicadores com o mesmo formato quanti-qualitativo.

Diante das descrições anteriores, observa-se que cada área de avaliação da CAPES possui um entendimento específico sobre as contribuições dos seus PPG’s para a sociedade, como também as métricas para avaliação. No entanto, observa-se alguns pontos de convergência relacionados a formação de recursos humanos, disseminação do conhecimento, produção intelectual, desenvolvimento de produtos e processos e repercussões sobre o poder público, sociedade civil, mercado, e outras dimensões da vida social.

Apesar da importância dos parâmetros e indicadores para se ter uma métrica eficaz, acredita-se que o delineamento de parâmetros padronizados para avaliação do impacto social dos Programas, de uma forma geral, é uma tarefa complexa e de difícil alcance, uma vez que é necessário considerar a especificidade e os objetivos de cada área. No entanto, julga-se importante ter como direção que o impacto social é um conceito que exprime a utilidade e os benefícios, que de fato, os resultados gerados pelos Programas representam para a sociedade. Não se pode deixar de mencionar o papel da comunicação como ferramenta indispensável para esse tema.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, H. Desregulamentação, contradições espaciais e sustentabilidade urbana. Revista paranaense de desenvolvimento, n.107, p.25-38, 2004.

BRANCO FILHO, T., T. de C. A conveniência da implementação da diretiva quadro da água no ordenamento jurídico brasileiro como medida efetiva de justiça ambiental: o caso da exploração do nióbio em catalão. [livro eletrônico]. Rio de Janeiro: Jurismestre, 2018.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES] (2019a). História e missão. Disponível em: http://www.capes.gov.br/historia-e-missao. Acesso em: 28 de abril de 2020.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES] (2019b). Áreas de avaliação. Disponível em: http://www.capes.gov.br/avaliacao/sobre-as-areas-de-avaliacao. Acesso em: 28 de abril de 2020.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES] (2019c).  Ficha de avaliação. Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/novo_portal/documentos/DAV/avaliacao/06032019_Ficha_Avaliacao.pdf. Acesso em: 28 de abril de 2020.

COSTANZA, R.; MCGLADE, J.; LOVINS, H.; KUBISZEWSKI, I. An overarching goal for the UN sustainable development goals. Solutions, v. 5, n. 4, 13–16, 2014.

ELKINGTON, J. Canibais com garfo e faca. Makron Books São Paulo. 2001.

KNIESS, C. T.; OLIVEIRA E AGUIAR, A de., CONTI, D. de M.; PHILIPPI JR, A. Inovação urbana e recursos humanos para gestão de cidades sustentáveis. Estudos Avançados, v. 33, n. 97, 2019.

ONU. Transforming our world: The 2030 agenda for sustainable development. Resolution adopted by the General Assembly. 2015.

RAGAZZI, M.; GHIDINI, F. Environmental sustainability of universities: critical analysis of a green ranking. In: SALAME, C. T.; AILLERIE, M.; PAPAGEORGAS, P. (Ed.) International Conference on Technologies and Materials for Renewable Energy, Environment and Sustainability, Tmrees 17, v.119, p.111-20, 2017.

SOTTO, D.; RIBEIRO, D. G.; ABIKO, A. K.; SAMPAIO, A. C. A.; NAVAS, C. A.; MARINS, K. R. C.; SOBRAL, M. C. M.; PHILIPPI JR, A.; BUCKERIDGE, M. S. Sustentabilidade urbana: dimensões conceituais e instrumentos legais de implementação. Estudos Avançados, v. 33, n. 97, 2019.