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Como a pandemia SARS-Cov2 (Covid-19) pode influenciar na qualidade do ar na cidade de São Paulo

por Fernanda Rezende - publicado 13/08/2020 10:40 - última modificação 13/08/2020 10:36

por Gregori Moreira, Alejandro Dorado, Gérsica Nogueira da Silva, Lúcio Freitas, Vivian Merola e Thelmo de Carvalho Teixeira Branco Filho

por Gregori Moreira, Alejandro Dorado, Gérsica Nogueira da Silva, Lúcio Freitas, Vivian Merola e Thelmo de Carvalho Teixeira Branco Filho

 

No final de 2019 o Coronavírus SARS-Cov2 começou a se espalhar na cidade chinesa de Wuhan, de modo que após alguns meses, mais precisamente em 11 de Março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de pandemia, dado o rápido alastramento do vírus e as altas taxas de contaminação por COVID-19 (Agência Brasil de Comunicação, 2020).

Diante desta realidade, várias cidades do mundo adotaram medidas de distanciamento social, a fim de tentar reduzir as taxas de contágio e, assim, controlar a pandemia. No estado de São Paulo, por exemplo, as medidas de isolamento social começaram a ser mais rigidamente tomadas, a partir do decreto nº 64.881, de 22 de março de 2020 (São Paulo, 2020). Somente serviços essenciais (hospitais, farmácias, supermercados, abastecimento, segurança, etc…) foram liberados para funcionar e, mesmo assim, com restrições de público. Todas as demais atividades, como por exemplo: aulas, shows, eventos esportivos, etc…, foram suspensas. Tais medidas reduziram consideravelmente a circulação de pessoas e, consequentemente, dos veículos de transporte (particulares e coletivos).

Nos últimos meses foram publicados diversos trabalhos abordando a temática da influência do distanciamento social na qualidade do ar em grandes cidades (Europa:  Tobías et al., 2020; Ásia: Zhang et al., 2020; América do Sul: Dantas et al., 2020; América do Norte: Bernan e Ebisu, 2020). De um modo geral, foram observadas variações nas concentrações médias de muitos poluentes, sendo estas negativas para aqueles diretamente associados a emissões veiculares (NO2, CO) e, positivas para os que são oriundos de processos secundários (como por exemplo o O3 troposférico). Contudo elas não ocorreram com a mesma proporção nas várias regiões do planeta. Mudanças mais expressivas foram encontradas nas regiões em que o tráfego de veículos possui uma contribuição mais significativa.

De acordo com o relatório da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), em 2018, o tráfego veicular foi responsável por grande parte da emissão dos seguintes poluentes na Região Metropolitana de São Paulo: CO (97%),  hidrocarbonetos (76%), NOX (64%),  SOX (17%), MP10 (40%) e MP2.5(37%) (CETESB, 2019). Considerando o cenário de isolamento social vivido nos últimos meses, será que foram registradas melhorias significativas na qualidade do ar na cidade de São Paulo?

Concentração de poluentes

Primeiramente, serão apresentadas as variações na concentração de poluentes, associados ao tráfego urbano, que foram observadas nos últimos meses na cidade de São Paulo. As informações foram obtidas através da plataforma QUALAR (CETESB, 2019), a qual disponibiliza os dados coletados pelas estações de monitoramento da CETESB. Para efeito deste ensaio, optou-se pela coleta e análise de dados da Estação Marginal Tietê – Ponte dos Remédios, a qual está localizada na Marginal Tietê, uma das principais vias de interligação entre as várias regiões da cidade, representando assim boa parte da circulação de veículos.

Os dados apresentados na Tabela 1 indicam uma redução significativa na concentração de poluentes (principalmente CO e NO2) nos meses de março e abril de 2020, quando comparados aos mesmos períodos de 2018 e 2019. Efeito esse que também pode ser observado nos primeiros meses do inverno de 2020 (junho e julho) em comparação ao mesmo período do biênio 2018 e 2019.

Tabela 1 - Dados de qualidade do ar

Contudo, ao se analisar as variações dentro do ano de 2020, é possível observar um aumento de concentração ao longo dos meses. Tal variação está associada a dois fatores: mudança de estação (outono para inverno), a qual dificulta o processo de dispersão de poluentes; e a retomada gradual das atividades que foi iniciada no mês de junho.

Com o intuito de avaliar as variações ao longo de toda a cidade de São Paulo, na Figura 1 são apresentadas as variações da concentração de CO (o principal poluente emitido pelo tráfego de veículos na cidade) em 8 estações da CETESB espalhadas pela cidade.

Comparando-se os outonos de 2020 e 2019, o efeito de redução na concentração que foi indicado na estação da Tabela 1, também se apresenta nas demais estações da cidade, principalmente naquelas que estão situadas em regiões próximas a rodovias ou avenidas de grande circulação. Em relação ao período do início do inverno, observa-se a mesma tendência de aumento que aconteceu no ano anterior, pois é característico da mudança de estação climática, embora 2020 possua valores inferiores a 2019, refletindo a influência do isolamento social parcial que ainda ocorre na cidade.

Resultados similares também foram observados por Nakada e Urban (2020) ao avaliarem o impacto do isolamento social na redução da concentração de poluentes na cidade São Paulo. Segundo os mesmos melhorias significativas na concentração de poluentes (reduções de NO (-72,7%), NO2 (- 46,5%), CO (-64,8%)) foram observadas em regiões de maior tráfego urbano. Contudo, é importante ressaltar que assim como observado em outros lugares do mundo (Wang et. al., 2020), a redução na concentração de poluentes, devido ao isolamento social, não foi suficiente para impedir casos de baixa qualidade do ar na cidade de São Paulo.

Mapa concentração de CO em SP

As influências de outras fontes emissoras de poluentes também precisam ser consideradas ao se analisar as variações na qualidade do ar. Como exemplo é possível citar a queima de biomassa na região Amazônica e Centro-Oeste do Brasil, a qual impacta diretamente na concentração de MP2.5 na cidade de São Paulo (Andrade et al., 2017) e, têm sido altamente registrada em 2020, dadas as suas relações com uma parcela predatória do agronegócio brasileiro e, na desídia com as questões ambientais pelo governo Jair Bolsonaro (Pereira et al, 2020).

E a qualidade do ar no período pós-pandemia?

A redução do tráfego e das emissões de poluentes, associados a este, decorre das medidas de isolamento social. Todavia, às medidas de isolamento acompanham uma severa crise econômica. A menor circulação de pessoas tem impacto direto sobre as vendas, a qual incide sobre a produção e nível de emprego. Superada a crise sanitária, ou, ao menos, controlada a circulação do vírus, será o momento de buscar soluções para a crise.

A recuperação pós-pandemia não pode prescindir de uma reorientação das atividades econômicas em prol de atividades mais amigáveis para o meio ambiente. Nos EUA, o partido Democrata defende um Green New Deal, uma série de investimentos, principalmente, na conversão para uma economia de baixo carbono. Na Europa, o Grupo de Trabalho da Pegada Ecológica holandesa vai adiante. Propõe cinco passos: abandonar o foco no crescimento do PIB; uma estrutura econômica focada na redistribuição; passar a uma agricultura regenerativa; reduzir consumo e viagens e, o cancelamento de dívidas de trabalhadores, pequenas empresas e países do sul global.

No Brasil, vale assinalar o potencial da bioeconomia, como no plano Amazônia 4.0 (Nobre e Nobre, 2019); e a iniciativa recente de ex-ministros da economia e  presidentes do Banco Central, a carta “convergência pelo Brasil”, que defende que critérios de redução das emissões e do estoque de gases de efeito estufa na atmosfera, e de resiliência aos impactos da mudança do clima sejam integrados à gestão da política econômica. É bom frisar que com o advento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) tem-se o  ODS 3- que foca na Saúde e Bem-estar - e que a sua meta é salvaguardar, até 2030, uma vida saudável e promover o bem-estar para toda sociedade, em todas as faixas etárias. Diante deste cenário ficam as seguintes questões para reflexão: Como tais melhorias podem ser viabilizadas diante do panorama relatado neste ensaio? No plano da metrópole paulista, quais os caminhos para uma São Paulo mais sustentável?

 

Referências

Agência Brasil de Comunicação. Acessado em 15/07/2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-03/organizacao-mundial-da-saude-declara-pandemia-de-coronavirus.

Andrade, M.F.; Kumar, P.; Freitas, E.D.; Ynoue, R.Y.; Martins, J.; Martins. L.D.; Nogueira, T.; Perez-Martinez, P.; Miranda, R.M.; Albuquerque, T.; Gonçalves, F.L.T.; Oyama, B.; Zhang, Y (2017). Air quality in the megacity of São Paulo: evolution over the last 30 years and future perspectives. Atmos. Environ., 159, 66–82.

Berman, B.J.D. e  Ebisu, K. (2020). Changes in U.S. air pollution during the COVID-19 pandemic, Science of The Total Environment, 739, 139864, https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.139864.

CETESB (2019). Qualidade do Ar no Estado de São Paulo 2018. Disponível em CETESB, São Paulo (acessado 01/07/2020). https://cetesb.sp.gov.br/ar/wp-content/uploads/sites/28/2019/07/Relat%C3%B3rio-de-Qualidade-do-Ar-2018.pdf

CETESB Website (2020). Qualar http://cetesb.sp.gov.br/ar/qualar/. Acessado em 20 de Julho de 2020.

Dantas, G., Siciliano, B., França, B., Silva,  C.M. da, Arbilla, G. (2020). The impact of COVID-19 partial lockdown on the air quality of the city of Rio de Janeiro, Brazil. Sci. Total Environ., 729, 139085, 10.1016/j.scitotenv.2020.139085

Nakada, L.Y.K. and Urban, R.C. (2020). COVID-19 pandemic: Impacts on the air quality during the partial lockdown in São Paulo state, Brazil. Sci Total Environ. 2020;730:139087. doi:10.1016/j.scitotenv.2020.139087

Nobre, I. e Nobre, C. (2019). Projeto Amazônia 4.0, Futuribles: em português, n. 2, São Paulo: Fundação Fernando Henrique Cardoso.

Pereira, E. J. A. L.; Ribeiro, L. C. S.; Freitas, L. F. S.; Pereira, H. B. B. (2020). Brazilian policy and agribusiness damage the Amazon rainforest, Land Use Policy, Elsevier, vol. 92(C).

São Paulo. Decreto 64.881, de 22 de Março de 2020. Decreta quarentena no Estado de São Paulo, no contexto da pandemia do COVID-19 (Novo Coronavírus), e dá providências complementares. Assembléia Legislativa. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/norma/193361.

Tobías, A., Carnerero, C., Reche, C., Massagué, J., Via, M., Minguillón, M.C., Alastuey, A., Querol, X. (2020). Changes in air quality during the lockdown in Barcelona (Spain) one month into the SARS-CoV-2 epidemic. Sci. Total Environ., 138540 https://doi. org/10.1016/j.scitotenv.2020.138540.

Wang, P., Chen, K., Zhu, S., Wang, P., & Zhang, H. (2020). Severe air pollution events not avoided by reduced anthropogenic activities during COVID-19 outbreak. Resources, Conservation & Recycling, 158, 104814.

Zhang, R., Zhang, Y., Lin, H., Feng, X., Fu, T.-M., Wang, Y. (2020). NOx emission reduction and recovery during COVID-19 in east China. Atmosphere, 11 (4) (2020), https://doi.org/10.3390/atmos11040433