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Uma análise sobre a expansão da Covid-19 nos pequenos municípios no Brasil

por Fernanda Rezende - publicado 26/02/2021 16:58 - última modificação 26/02/2021 16:58

por Fábio Bacchiegga (Cidades Globais/IEA/USP), Márcia Leite Borges (Cidades Globais/IEA/USP), Alejandro Jorge Dorado (Cidades Globais/IEA/USP)

por Fábio Bacchiegga (Cidades Globais/IEA/USP), Márcia Leite Borges (Cidades Globais/IEA/USP), Alejandro Jorge Dorado (Cidades Globais/IEA/USP)

O ano de 2021 começou de forma trágica com o Brasil atingindo o terrível número de mais de 200 mil mortes pela COVID-19 e mais de 8 milhões de infectados enquanto também acompanhamos o despreparo do Ministério da Saúde em lidar com a crise sanitária, a expansão de Fake News sobre a doença e seu tratamento e lentidão e trágica tentativa de politização de uma possível vacina em diferentes esferas públicas. Nesta situação, enquanto muitos discutem se estamos em uma “segunda onda” de infecções ou se ainda seria uma “segunda crista” da “primeira onda” que nunca saímos, percebemos que estratégias de flexibilização do isolamento social tomadas nos últimos meses de 2020 cobram um preço perigoso neste início do ano com números de mortes e infectados aumentando. Porém, essa expansão não acontece de maneira uniforme e, segundo levantamento realizado pela Folha de São Paulo, nos pequenos municípios, com até 20 mil habitantes, o aumento médio dos casos da Covid-19  foi de 503% no segundo semestre de 2020, mostrando que estes lugares iniciam o ano com as maiores taxas de contaminação do país. Se considerarmos apenas a situação dos municípios menores ainda, com até 5 mil habitantes a situação é mais dramática, com aumento de 850%.

Nesse sentido, faz-se extremamente relevante dar respostas às seguintes problemáticas: como ocorreu o processo de expansão da Covid-19 nestas cidades e que fatores explicam essa expansão nas pequenas localidades? Quais os impactos desses números na dinâmica da saúde pública desses espaços? Entender estas questões torna-se urgente diante do avanço da pandemia nestas áreas e diante da possibilidade de criação de políticas públicas estratégicas e com alocação de recursos mais eficientes.

Uma das possibilidades de analisarmos a difusão pelo território de doenças transmissíveis, como a Covid-19, é através da hierarquia das cidades (FIOCRUZ, 2020) onde, a partir da percepção de redes urbanas e pela forma como municípios se conectam, como os deslocamentos viários, e sua esfera de importância através da sua rede de serviços, por exemplo pode-se efetuar uma análise da quantidade de interações sociais das diferentes áreas dentro da mesma redes tornando a possibilidade de transmissão mais ampliadas nas maiores áreas com interações mais intensas e uma transmissão mais tardia e lenta para áreas menores, com menos interações dentro da rede urbana.

Essa hipótese nos ajuda a entender como a COVID-19 chega ao Brasil, via aeroporto, em São Paulo[1], nossa única Grande Metrópole Nacional, segundo a Região da Influência das Cidades divulgado pelo IBGE (2020), mantendo a tendência da entrada do vírus na maior parte dos países do mundo, sempre pela cidade no topo da hierarquia urbana nacional. A maior cidade apresenta o maior número de interações, com diversas conexões em diferentes níveis, desde o local ao global, ampliando a possibilidade da chegada do vírus e expansão a partir dela.

Seguindo a percepção da difusão hierárquica do vírus, a partir de São Paulo:

 

“O processo de difusão da Covid-19 no Brasil parece seguir a lógica observada na maioria dos países onde, a partir de grandes centros urbanos, se dissemina para cidades médias e pequenas interioranas. Se por um lado a difusão em escala nacional entre os centros urbanos de nível mais alto parece ter decorrido de ligações aéreas, o espalhamento em escala regional depende das ligações rodoviárias e intraurbanas no caso de grandes conurbações como as metrópoles. A tendência é que nas próximas semanas possa a atingir centros urbanos de menor porte no interior em direção ao Sul do país, assim como ao longo do litoral brasileiro”  (FIOCRUZ, 2020: s.n.)

 

Portanto, diferente do que acompanhamos neste início de 2021, sabe-se que no primeiro semestre de 2020, os pequenos municípios eram os menos afetados pela doença, porém como nos mostra a Figura 1 abaixo, utilizando o estado de São Paulo como referência, a expansão da COVID-19 se fez seguindo a hierarquia urbana a partir da maior cidade e ao longo dos eixos de desenvolvimento e orientado pelos fluxos rodoviários.

FIGURA 1 – Rede urbana e proporção de casos confirmados com COVID-19 nos municípios do estado de São Paulo em 25/05/2020

Redes urbanas e casos de Covid-19

(Fonte: https://covid19.fct.unesp.br/mapeamento-cartografico/#rede-urbana)

 

A Figura 1, retratando um momento ainda na parte inicial da pandemia no Brasil (25 de maio de 2020) nos apresenta a expansão da doença a partir de São Paulo, seguindo para as cidades grandes e médias a partir da rota do deslocamento das rodovias, mas concentrado nas áreas onde a intensidade do fluxo é mais acentuada, como no eixo das rodovias Anhanguera-Bandeirantes, Dutra e Imigrantes, e com menor intensidade de transmissão justamente pela rodovia Castelo Branco, que se estende pela área de menor desenvolvimento econômico do estado (região do Vale do Ribeira). Este fato, adiciona uma análise importante na transmissão de epidemias de forma hierárquica, pois os deslocamentos não são homogêneos, mas sim a transmissão da COVID-19 entre cidades se faz inicialmente nas áreas mais próximas do centro de dispersão (São Paulo), conforme esperávamos, mas a partir disso se desloca pelas rodovias que representam maior participação no eixo econômico do estado, como a Anhanguera-Bandeirantes onde encontramos grandes cidades como Campinas e Ribeirão Preto. Ignorar o eixo econômico como vetor de deslocamentos de mercadorias, pessoas e, em uma situação de pandemia, do vírus, é abandonar um elemento de grande importância na análise da dispersão.

E seguindo a dinâmica da hierarquia da rede urbana, os pequenos municípios foram os últimos a serem afetados pela Covid-19, justamente por se situarem no “fim da rede”[2].

Ao encontrarmos nos pequenos municípios áreas com menor multiplicidade de atores e agentes econômicos em relação aos médios e grandes poderíamos imaginar uma maior segurança destes frente à pandemia, onde as relações sociais aparentam ser mais próximas do sentido de comunidade e até na formação de uma rede do que chamaríamos de “vigilância comunitária” para alertar sobre questões básicas de prevenção da Covid-19, como isolamento social e uso de máscara em ambientes públicos. Porém, convém lembrar novamente a importância da dinâmica da rede urbana nestes espaços, pois se encontramos poucos deslocamentos rumo às pequenas cidades, o que reduziria a circulação do vírus, deve-se lembrar que, justamente por aparentemente termos ali um menor dinamismo econômico a circulação de moradores destas áreas para áreas maiores atrás de emprego, educação e mesmo tratamento médico, cria a rota de uma possível entrada do vírus nestas áreas. Além disso, ao incrementarmos a dinâmica dos diferentes eixos econômicos e sua influência na dispersão do vírus, pequenas cidades em redes urbanas mais ricas apresentariam maior possibilidade de circulação do vírus do que outras áreas menores, mas em regiões mais pobres e de menor circulação e fluxos. Convém lembrarmos também, que

 

“a ideia, por exemplo, de associar as cidades pequenas ao lugar de descanso, pacato e da produção econômica periférica, não é tomada sequer como hipótese nesta empreitada. Velhos modelos explicativos da hierarquia urbana são afastados e aqui se adotou o enfoque das interações espaciais diversas (...) sob a égide da Terceira Revolução Industrial e do papel das telecomunicações e das tecnologias de informação” (Sposito & Silva, 2013: 62).

 

Dito de outra forma, a Revolução Tecno-Científica, através dos avanços dos sistemas de transporte e a intensificação dos fluxos informacionais, criou uma nova percepção espaço-tempo e aquelas pequenas cidades que, no passado, como “fim da rede” hierarquicamente estavam distantes dos grandes centros, inclusive com dificuldades de acesso a eles, nos dias de hoje, mesmo mantendo-se como “fim da rede” apresenta maiores e mais diretas interações com os espaços superiores da hierarquia urbana.

Porém, se as interações entre os municípios menores e outros na mesma rede urbana se intensificaram, isto pode ser refletido pela forma como estas áreas agem diante da chegada da Covid-19 que nestas cidades apresenta efeitos muito devastadores. Estas interações com áreas maiores são facilmente percebidas quando a população afetada pela COVID-19 é obrigada a procurar atendimento nas áreas com maiores recursos de saúde pública, afinal nas menores cidades as condições de saúde apresentam-se mais precárias, com menor disponibilidades de UTIs, equipamentos como respiradores e mesmo materiais básicos, como máscaras e luvas para os profissionais de saúde. Além de aumentar as demandas das cidades maiores, a população das áreas menores se expõe aos riscos de buscar atendimento médico em cidades com maior presença dos casos da doença. Ou então, ao decidirem buscar atendimentos médicos nas áreas menores, confrontam-se com o histórico de omissões na formação de infraestrutura de saúde pública e verificam a escassez no atendimento de saúde básico que os municípios menores enfrentam, tornando o tratamento muito mais precário diante da necessidade de UTIs, por exemplo.

A pandemia de COVID -19 expos a necessidade de fortalecermos a saúde pública e a importância do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), mas também apresentou as mazelas dessa estrutura que, com baixos investimentos e escassos profissionais, agride ainda mais as cidades pequenas, tornando estas áreas, se as últimas a serem afetadas, onde os efeitos da pandemia podem ser mais violentos. Esta situação só nos apresenta a importância de associarmos políticas públicas de enfrentamento da pandemia com a análise do ordenamento territorial, onde pensar as cidades em redes, estabelecer prioridades e analisar impactos em áreas de tradicionalmente menor investimento em saúde e infraestrutura, como nas pequenas cidades, pode minimizar o impacto de uma pandemia justamente nas áreas recentemente mais favoráveis para sua expansão. Enquanto isso não acontecer, os pequenos municípios vivem constantes colapsos em seus sistemas de saúde e colabora para vivenciarmos o maior incremento de casos dessa pandemia que agora tende a se expandir justamente para estas áreas menores.

 

BIBLIOGRAFIA

CNN Brasil. Última cidade de SP sem Covid-19 registra seu primeiro caso. Caderno Nacional, publicado em 30 de agosto de 2020. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/08/30/ultima-cidade-de-sp-sem-covid-19-registra-primeiro-caso. Acessado em 20 de janeiro de 2021.

FIOCRUZ. Nota Técnica 1. Publicada em 02 de abril de 2020. Disponível em https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/nota_tecnica_1.pdf. Acessado em 20 de janeiro de 2021.

FOLHA DE SÃO PAULO. Cidades com até 20 mil habitantes registram crescimento de 500% no número de mortes por Covid. Caderno Saúde, 09 de janeiro de 2021. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/01/cidades-com-ate-20-mil-habitantes-registram-crescimento-de-500-no-numero-de-mortes-por-covid.shtml#:~:text=Levantamento%20realizado%20pela%20Folha%20mostra,um%20aumento%20m%C3%A9dio%20de%20503%25. Acessado em 20 de Janeiro de 2021.

SPOSITO, E. S.; SILVA, P. F. J. da. Cidades Pequenas: perspectivas teóricas e transformações socioespaciais. Jundiaí: Paco Editorial, 2013

 



[1] O primeiro caso de COVID-19 registrado pelo Ministério da Saúde no Brasil ocorreu em 16 de fevereiro de 2020 e foi de um homem de 61 anos, morador da cidade de São Paulo, que retornou contaminado de uma viagem à Itália.

[2] A cidade de Santa Mercedes foi a última cidade do estado de São Paulo, o mais afetado pela pandemia de COVID-19, a apresentar seu primeiro caso. Distante quase 700 quilômetros da capital e com menos de 3000 habitantes, Santa Mercedes integra a rede urbana da região de Presidente Prudente.