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A urbanização corporativa e a ilha de calor urbana no mundo subdesenvolvido

por admin - publicado 31/05/2019 16:55 - última modificação 05/06/2019 10:35

Por Hugo Rogério de Barros - pesquisador de pós-doutorado do USP Cidades Globais

Por Hugo Rogério de Barros, com supervisão de Paulo Renato Mesquita Pellegrino

Os dados demográficos das Nações Unidas (2018) revelam que atualmente 55% da população mundial vive em áreas urbanas, as estimativas apontam para uma taxa urbanização global de 68% em 2050. O crescimento da população urbana pode sofrer acréscimo de 2,5 bilhões de habitantes, esse crescimento populacional vai ser sustentado pelos países em desenvolvimento.

Atrelado ao aumento da urbanização global está o enorme crescimento das grandes metrópoles, com a formação das megacidades globais; cidades com mais de 10 milhões de habitantes e que exercem a função de centro de comércio, serviços e, por vezes, tomadas de decisões dentro das redes urbanas continentais. O ranking do Word Demographia Urban Areas (2016) permitiu avaliar que, dos quinzes maiores aglomerados urbanos do mundo, onze estão localizadas em países em desenvolvimento da Ásia, Oriente Médio e América Latina e que os mais populosos apresentam um número superior a 30 milhões de habitantes.

O UN-HABITAT (2011) estimou que, no intervalo de tempo entre o ano 2000 e 2030, a população das cidades de países em desenvolvimento duplicará e o tamanho das áreas edificadas será triplicado. Esse grupo de países possui um processo de urbanização diferenciada, em que vulnerabilidades socioambientais são produzidas com maior intensidade, o que inclui a exacerbação das mazelas sociais frente à ocorrência de fenômenos climáticos urbanos e eventos extremos relacionados à dinâmica do clima regional.

É de extrema importância refletir sobre o modelo de urbanização e como ele está relacionado à vulnerabilidade dos efeitos do clima. Santos (2010) revela que as formas de acumulação demográfica urbana nos países subdesenvolvidos são atualmente muito diferentes daquelas verificadas nos países desenvolvidos, essas formas são opostas umas às outras. Os argumentos que autor utiliza, ao anteceder tal afirmação, levam a compreender a seguinte questão: a falta de um eficiente aparelho de estado e a ausência de infraestruturas básicas como o saneamento e o efetivo controle do uso do solo pelo planejamento urbano é o que difere em essência a urbanização dos países subdesenvolvidos em comparação aos desenvolvidos.

Na urbanização de países subdesenvolvidos, é bastante comum que questões básicas como o acesso à habitação pelas classes de menor poder aquisitivo sejam um grande problema cotidiano, além da enorme carência de acesso a água, esgoto e saúde. Atrelado a isso, como comenta Santos (2013), existe o fato de que quanto maior a cidade, maiores são essas mazelas, e que outro fator que agrava o quadro é a urbanização corporativa, ou seja, aquela que destina os recursos para atender ao interesse de grandes empresas em detrimento dos gastos sociais.

O modelo de urbanização corporativa, quando aplicada às grandes cidades do mundo subdesenvolvido, favorece a criação de um cenário de caos social com forte vulnerabilidade de suas populações, dentre outras coisas, aos eventos climáticos. Fazem parte do cotidiano dessas cidades o déficit de habitação e saneamento básico aliado a problemas como a ocupação de áreas com risco de deslizamento de barreiras e inundações, além da baixa qualidade dos materiais construtivos, que são muito comuns em habitações de baixo padrão.

Diante de tal cenário, as questões da ecologia urbana são debatidas pela comunidade científica. No entanto, tendem a ocupar um lugar de pouca prioridade no debate social e político, mesmo quando oferecem riscos à vida humana. Nas cidades do mundo subdesenvolvido, a prática da urbanização corporativa caracteriza-se como uma ameaça ao cumprimento de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS das Nações Unidas. Diante disso, é preciso que o grupo dos atores sociais, institucionais e políticos trabalhem em conjunto para construir projetos de desenvolvimento econômico, com base não só na sustentabilidade dos meios de produção, mas também na construção de comunidade urbanas resilientes.

As cidades modificam seus próprios climas devido ao impacto do desenvolvimento urbano no balanço de calor à superfície (OKE et al ,1999). Tal processo condiciona a formação do fenômeno da Ilha de Calor Urbana.

As causas da formação da Ilha de Calor Urbana são diversas. Estudos apontam que baixa ou a total ausência de vegetação arbórea nos espaços urbanos é uma das principais causas do maior aquecimento da atmosfera urbana com relação aos espaços rurais. Outros fatores se mostram muito relevantes, como o aumento da densidade de área construída e a forte verticalização dos centros urbanos que altera os fluxos de ventos na superfície.

A diferença entre os valores da temperatura do ar dos espaços urbanos e rurais, em situações comuns variam entre 2°C a 10°C, mas quando o fenômeno está associado a eventos como o de uma onda de calor, esses valores podem se aproximar dos 18°C.

A Ilha de Calor Urbana exacerba os efeitos das Ondas de Calor e, com isso, torna-se um desafio para a adaptação humana. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2004), esse fenômeno sobrecarrega os organismos humanos prejudicando o sistema cardiovascular e respiratório, o que aumenta a mortalidade por tais causas nos ambientes urbanos. Além disso, proporciona elevado desconforto térmico nos espaços abertos e edificações com consequente aumento do consumo energético e elevação de custo dos serviços.

A Ilha de Calor Urbana é um grande desafio para as cidades ao redor do mundo (BARROS & LOMBARDO, 2016). No contexto de uma forte estruturação política em nível global para a resolução da crise ambiental, o fenômeno constitui um dos elos principais na construção da compreensão social da dimensão negativa que as ações antrópicas possuem sobre o meio ambiente e especificamente na transformação dos padrões climáticos.

Para além de um fenômeno predominantemente físico, a presença da ilha de calor nas cidades revela a necessidade de uma mudança da transformação da cultura de reprodução dos espaços urbanos, com o aumento progressivo das áreas verdes em meio aos valorizados solos urbanos. As estratégias de adaptação da ilha de calor acompanham o movimento maior das lutas sociais que têm como pauta a melhoria da qualidade de vida e bem estar social, o que vai de encontro às atuais práticas da urbanização corporativa que predominam nas cidades do mundo subdesenvolvido.

O desenvolvimento do conhecimento científico e a pautas político-sociais afirmam a necessidade da construção de uma nova cultura urbana, que tenha como objetivo principal promover qualidade de vida, saúde coletiva e a sustentabilidade ambiental dos sistemas urbanos. A urbanização corporativa tem privilegiado a livre circulação de veículos automotores e a implantação de projetos imobiliários sem os devidos cuidados de preservação do patrimônio histórico e ambiental. Tudo isso, no contexto do mundo subdesenvolvido (ou em desenvolvimento), fortalece as desigualdades e gera um cenário de urbanização caótica, visto que a vida e o cotidiano de grande parte da população não estão incluídos nos projetos de desenvolvimento urbano.

Referências

BARROS, H. R.; LOMBARDO, M. A. Heat Island in the City of São Paulo. The thermal field of parks. 1. ed. Saarbrücken, Germany: Lambert Academic Publishing, v. 1. 84p . 2016.

DEMOGRAFIA WORLD URBAN AREAS: 2016. Disponível em < http://www.demographia.com/db-worldua.pdf >. Acessado em 19 de Maio de 2016 as 21h.

OKE, T.R., SPRONKEN-SMITH, R., JÁUREGUI, E. and C.S.B. GRIMMOND:  “The energy balance of central Mexico City during the dry season”, Atmospheric Environment. v .33. p. 3919-3930,1999.

SANTOS, M. A. Urbanização Desigual: A Especificidade do Fenômeno Urbano em Países Subdesenvolvidos. Edusp. Ed 3. Vol 18. Pg 144. 2010.

SANTOS, A. A. Urbanização Brasileira. Edusp. Ed 5. Vol 6. Pg 176. 2013

UN-HABITAT. Cities and Climate Change: Global Report on Human Settlements. 2011. < https://unhabitat.org/books/cities-and-climate-change-global-report-on-human-settlements-2011-abridged/ > . Acessado em 19 de Maio de 2019 as 21h.

UNITED NATIONS, Departament of Economic and Social Affairs. 2018 Revision of World Urbanization Propects. Disponível em < https://www.un.org/development/desa/en/news/population/2018-revision-of-world-urbanization-prospects.html > . Acessado em 19 de Maio de 2019 as 20h.

WORLD  HEALTH ORGANIZATION (WHO) EUROPE.  Health an Global Environmental Chance. Heat-waves. Heat-Waves: Risks and Responses.v.2. 2004. Disponível em < http://www.euro.who.int/en/publications/abstracts/heat-waves-risks-and-responses >. Acessado em 19 de Maio de 2019 as 21h.

 

Por Hugo Rogério de Barros
Pesquisador de Pós-doutorado do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – Programa USP Cidades Globais. Especialista na abordagem espaço temporal das transformações do uso e cobertura do solo urbano e em climatologia aplicada. Desenvolve estudos no tema dos impactos das mudanças climáticas nas metrópoles brasileiras e estratégias de adaptação, atualmente busca ajudar a desenvolver as conexões científicas entre as áreas de climatologia e planejamento urbano. É Geógrafo graduado pela UFPE e doutor em Geografia Física pela USP, professor de nível de graduação e pós-graduação em universidades nacionais e estrangeiras.