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Projeto de gestão 2012-2017

por Fernanda Rezende - publicado 27/07/2018 15:40 - última modificação 27/07/2018 15:39

... not a graduate school, training men in the known and to some extent in methods of research, but an institute where everyone—faculty and members—took for granted what was known and published, and in their individual ways, endeavored to advance the frontiers of knowledge” (Abraham Flexner: An Autobiography 1960)

 

Novos desafios se apresentam ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo

À luz da história, da genealogia e da experiência dos Institutos de Estudos Avançados (IEAs)[1] é possível afirmar que este institutos viabilizam uma dimensão singular de formulação, pesquisa e intercâmbio na qual diversos campos de conhecimento encontram o ambiente propício à interação, ao diálogo, à comunicação, à produção e exposição de novos ou renovados modos de interpretação e conhecimento, sejam dos fenômenos, das coisas, dos processos, da sociedade, como das próprias epistemologias. Os IEAs não só dialogam criticamente com as condições contemporâneas, como almejam esclarecer, cultural e cientificamente, significativa parcela dos desafios do porvir. Por serem instâncias de vanguarda, operam de forma crítica e interdependente ao estabelecido e normatizado pela Ciência, Cultura e Arte. Sua configuração distinta no interior de estruturas universitárias é, por natureza, anacrônica, excêntrica e heterodoxa, sendo, deste modo, propensa, simultaneamente, a (in)consequência, a (in)diferença, a (in)imaginação, a (in)usualidade.

Em sua essência e metaforicamente, o IEA é o espaço ideal para a abstração, pois não pertence a um campo específico do conhecimento ou especialidade, tampouco às ideologias ou tendências. Espaço comum a cientistas, pensadores, intelectuais e artistas, onde, a princípio, tudo é possível e imaginável: locus da ideação, da poética, da inter e transdisciplinariedade.

No entanto, a cada nova aplicação, o IEA adequa-se ao lugar, faz-se ambiente, contextualizando sua universalidade e sua abstração. Como ambiente ele se apresenta de forma híbrida, aberto ao risco, a novas idéias, aos encontros, a mistura, ao inusitado: opera como interface. Foi assim em relação a sua criação em 1986 (na gestão do Prof. José Goldemberg como reitor da USP), impulsionada pela abertura democrática do País e assessorada por intelectuais engajados na configuração de uma nova sociedade. Sua missão, elaborada naquele momento, e expressa em seu estatuto, é a de “pesquisar e discutir, de forma abrangente questões fundamentais das ciências, da tecnologia, das artes e das demais áreas do conhecimento, estimulando a geração de novas idéias e contribuindo para a análise de questões sociais e a formulação de políticas públicas.”

Nas comemorações de seus 25 anos novos desafios se impõem ao IEA da USP. O contexto local, nacional e global é completamente outro daquele pós-ditadura. O Brasil, gigante adormecido anunciado pelos militares nos anos 70, desperta anamorficamente, ainda suscitando dúvidas mas certamente indicando papel de destaque na economia, política e cultura global do século XXI. Outros equilíbrios geopolíticos estão em processo de consolidação, em parte conduzidos pela nova dinâmica induzida pelos BRICs. Por outro lado, novas demandas regionais, como o de uma “América Latina” renovada, denotam atenção prioritária.  Na diplomacia e certamente nos negócios globais, as grandes metrópoles, como São Paulo, são muitas vezes tão ou mais importantes do que Países. Uma nova Natureza, modelada pela biopolítica, pela biotecnologia, pela genética, pela virtualidade, pelo pós-humano vai nitidamente se impondo diante da Natureza original (a dada) e da construída artificialmente, a cidade. A nossa imersão na informação, o mundo conectado em rede, os ambientes mutidimensionais, etc. são indicativos de substanciais transformações nos modos de vida modernos.

Como a USP, a mais importante universidade do Brasil, responde e responderá a estas mutações em processo? Quais estratégias e táticas estão em estudo e em programação visando manter sua posição de liderança nos mundos da Ciência, do Conhecimento e da Erudição? De que maneira ela se coloca diante dos atuais acontecimentos e como pretende se colocar nesta nova ordem local, regional, global? Estas são questões cruciais de ordem macro mas não menos importantes daquelas impostas pela nossa micro-realidade. Como aproximar a USP não só da sociedade em geral, das cidades que abrigam seus campi e principalmente da própria comunidade?

Visando fomentar debates críticos, abertos e acessíveis à estas questões que tocam a sociedade contemporânea e a USP, um renovado IEA precisa operar como ágora multimídia, agindo contextualmente em parceria com as unidades de ensino, orgãos de integração e de apoio, bem como com instituições externas à USP, locais e internacionais, incrementando assim ações em rede. Para tanto é necessário atualizar seu sistema operacional em paralelo ao projeto de construção de seu novo hardware, a nova sede, com arquitetura arrojada e inovadora, à altura de suas atividades e missão. O aprimoramento de seu sistema operacional deve contemplar uma associação com tecnologias de ponta como a Internet2[2], uma vez que permitirá não só produzir debates em tempo real com especialistas localizados em diversas partes do globo, transmitidos também para todo o mundo via esta mesma rede e a internet comercial, como também a realização de reuniões de estudos e residências virtuais. Esta associação às TICs também possibilitará a diversificação de sua política editorial. Incrementar o programa de residências presenciais também é desejável. Além de cientistas renomados, o IEA ganhará ao convidar artistas e pensadores excêntricos à estrutura acadêmica. O contato com outras cosmologias é certamente enriquecedor. Processos curatoriais desenvolvidos para orquestrar esta nova programação e motivados a alcançar a sociedade de modo plural são necessários uma vez que lidam, simultaneamente, com a criação, a produção e a exposição das problemáticas a serem tratadas.

Como ágora multimídia o Instituto de Estudos Avançados retomará seu papel estratégico no processo de continuidade na liderança científica, cultural e acadêmica que a Universidade de São Paulo mantém desde sua criação.

O PROJETO (2012-2017)

O IEA está num momento de passagem geracional. As gestões anteriores estiveram comprometidas com um modelo mais modernista de Instituto, pontuado por grandes nomes da ciência e do conhecimento, responsáveis pela constituição das principais áreas do conhecimento no Brasil moderno. De tempos para cá a produção de conhecimento e os contextos geopolíticos sofreram significativas transformações. Diante disso, é preciso fortalecer o empenho deste IEA em promover um debate crítico da atualidade e motivar ações prospectivas. Para tanto, é necessário fomentar uma crítica institucional, voltada ao escopo de atuação desta Universidade e de sua missão. Esse espírito crítico também deve se voltar à situação do ensino no Brasil, à formação de novos quadros nas diversas áreas do conhecimento, à geopolítica e subsequentes concepções de modernidade e certamente à atuação interdisciplinar, força motriz desta Instituição. Cabe ao IEA desenvolver ações mais complexas, interdisciplinares, que almejem à transdisciplinaridade. Isso é possível, pois o Instituto, pautado pela genealogia deste tipo de instituição, opera como uma plataforma metalinguística.

O IEA deve retomar o formato de organização de seus principais debates pela eleição de temáticas contemporâneas abrangentes e prospectivas, facilitando, assim, não só a organização programática, como sua comunicação e, consequentemente, a recepção. A proposta é a de que isso seja encaminhado por meio de “metacuradorias”. Esse conceito, em elaboração, é um desdobramento das concepções curatoriais desenvolvidas pelo programa institucional colocado em prática durante minha gestão no Centro Cultural São Paulo (2006-2010) e pela mediação cultural promovida pela plataforma Fórum Permanente: Museus de Arte, entre o Público e o Privado (www.forumpermanente.org). Essa concepção pensada para o IEA está voltada à constituição de curadorias metalinguísticas, metacríticas. As metacuradorias pretendem envolver, em sua organização, de forma interdisciplinar, diversos especialistas, e em suas respectivas coordenações, no mínimo dois ou mais pesquisadores renomados, provenientes de diferentes áreas do conhecimento. Essa coordenação coletiva pretende, entre outros objetivos, motivar a formação de redes e minimizar a centralidade da autoria individual.

As metacuradorias sugeridas são:

1) “o comum”: trataria da questão do acesso, de uma possível e desejável cultura de acessibilidade, do bem-estar, da democracia, dos direitos humanos, da justiça social, da constituição de ambiências/interfaces socioculturais, entre outros aspectos.

2) “transformação”: destinada a explorar a educação não somente pelo viés da formação, mas também pelo da transformação, apropriando-se assim de missões como a da arte no século 20 que visava, por meio das vanguardas, transformar a sociedade; nesse âmbito pretende-se explorar a fragilidade de políticas de governo na área desde o início da redemocratização do Brasil na década de 80, a falta de um consenso nacional necessário para a instituição de políticas de Estado, a inadequação da atual estrutura educacional e de suas pedagogias perante a desigualdade social, as novas sensibilidades e os novos formatos de produção e acesso ao conhecimento gerados pelos avanços tecnológicos, além de outras questões.

3) “glocal”: direcionado à explorar os paradoxos, as contradições, as desigualdades, a impropriedade, bem como a pertinência deste neologismo formado pela polarização/simultaneidade do global e do local. Centrado nas transformações geopolíticas em curso, explorará também a passagem do internacional para a globalização e assim as transformações inerentes ao conceito de modernidade. Deve também qualificar processos transnacionais e bilaterais que envolvam o Brasil e dessa maneira analisar criticamente também a internacionalização em curso na USP.

4) “abstração”: instância do puro e livre pensar. Novos e renovados indicativos do pensamento sem fronteiras (correntes, ideias e conceitos em fase de pré-aplicação), o ato criativo na filosofia, nas artes e na ciência (uma equivalência desejável). Além de facilitar a comunicação com a sociedade, as metacuradorias pretendem renovar o atual sistema operacional do Instituto ao estudar, entre outros, a implantação de possíveis cursos, por meio de uma “Academia” IEA, novas publicações e outros formatos de produção e difusão do conhecimento, promovendo a instauração de outra dinâmica no Instituto.

Além das metacuradorias, pensando na trajetória do IEA, propõe-se a constituição de um grupo de “Altos Estudos Dirigidos”, voltados a uma possível aplicação: a criação de um novo instituto na USP, a ser criado na confluência entre áreas distintas como as Engenharias, a Arquitetura, o Design, as Artes e a Cultura. Em princípio, o mote central seriam as novas tecnologias e suas potencialidades para a resolução de problemas. Talvez pudéssemos instituir um grupo de trabalho nessa área, inspirado em modelos como o do MIT, nos Estados Unidos, por exemplo.

Finalizando, a Internet 2. Participei da constituição da internet 1 na USP. A ideia é que o IEA seja o agente para a construção de um novo debate intercontinental usando a internet 2. O formato tem inspiração no TED (www.ted.com), programa que convida indivíduos representativos da sociedade “glocal” a subir a um palco e discorrer durante 15-20 minutos sobre algum tema. Reforçando a ideia de rede e assim de intercâmbio, ambiência, interface, o projeto no Instituto visa o desenvolvimento de uma ágora presencial-virtual em parceria com outros IEAs (UBIAS) e outras universidades e instituições acadêmicas e culturais. Uma possibilidade: ter, por exemplo, aqui em São Paulo, presencialmente em um palco, um moderador e um convidado que estariam acompanhados pela presença virtual de outros especialistas provenientes de outras partes do mundo. A ideia é que todos estejam “presentes” (via telepresença) para discutir temáticas abordadas pelas metacuradorias. Elas não podem ser restritivas, mas ampliativas, críticas.

Esse projeto está referenciado em um entendimento que foi se fortalecendo com o tempo. Baseia-se na definição do IEA como plataforma de crítica institucional, vanguarda no interior de um sistema conservador, que é a Universidade.

 

Martin Grossmann
Diretor
São Paulo, 25 de abril de 2012

 


[1] Vide Revista Estudos Avançados IEAS: Ciência e Sociedade vol.25 no.73 São Paulo  2011. Disponível em: http://goo.gl/7r1O8n

 

[2] Internet de altíssima velocidade que no Brasil é gerida pelo governo federal por meio da RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa)<rede Ipê>, com participação das principais órgãos de apoio à pesquisa, universidades, inclusive a USP, e de rede regionais como a NARA.