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Caminhos para a construção de uma economia de baixo carbono no Brasil

por Beatriz Herminio - publicado 29/04/2022 16:08 - última modificação 29/04/2022 16:08

O evento "Agenda 2023 - Qual é o Papel da CT&I na Construção de uma Economia de Baixo Carbono?" debateu como descarbonizar a economia brasileira e mitigar o impacto das mudanças climáticas

Agenda 2023
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Com a maior concentração de dióxido de carbono (CO2) em 2 milhões de anos, segundo estudo de 2019 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o planeta já enfrenta um aquecimento de 1.1ºC em relação ao período pré-industrial. Parece pouco, mas de acordo com uma ferramenta do Climate Central, a elevação da temperatura média da superfície terrestre em mais 2ºC poderia ter consequências catastróficas. Cidades como Nova York, por exemplo, ficariam inundadas neste cenário.

Essas informações foram discutidas no evento "Agenda 2023 - Qual é o Papel da CT&I na Construção de uma Economia de Baixo Carbono?", que debateu a necessidade de uma descarbonização da economia para mitigar o impacto das mudanças climáticas. O encontro aconteceu no dia 26 de abril e faz parte de um ciclo de seminários do Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade (NAP-OIC) do IEA chamado "Agenda 2023 – Um Novo Capítulo para a CT&I no Brasil". O objetivo do ciclo é mapear os desafios enfrentados pela área de CT&I (ciência, tecnologia e inovação) no país nos últimos anos e tentar pautar o tema nas eleições de 2022.

Projeções climáticas

A mudança do clima mexe com todas as variáveis, inclusive econômicas, disse Natalie Unterstell, que dirige o think tank Talanoa e é mestre em administração pública pela Escola de Governo da Universidade de Harvard. As projeções climáticas para o Brasil feitas por redes de ciência climática nacionais são perturbadoras no que diz respeito à água, energia e agricultura, avaliou.

Algumas projeções envolvem aumento de temperatura da região centro-oeste, aumento da precipitação no sudeste e sul do país, e deficiência de chuvas nas regiões amazônica e nordeste. Esse cenário teria impacto direto no setor de energia, principalmente nas hidrelétricas e em seu sistema de funcionamento atual. Da mesma forma, no setor agrícola, há uma perda de aptidão de diversas agriculturas. A alteração desse quadro passaria por adaptações de sementes, com modificações genéticas, mas ela acredita que o Brasil está atrasado nessa questão.

O país está "no trilho" em questões como aumento do share de energias renováveis, perda de financiamento público para combustíveis fósseis, aumento de rendimento das culturas agrícolas e de produtividade da carne por hectare. No entanto, não estamos no trilho em relação aos veículos elétricos e muito fora do trilho nas questões de reflorestamento. E, ainda, estamos na direção errada na questão de transporte e desmatamento, apontou Unterstell.

Descarbonizar a economia

A descarbonização se tornou um tema central da governança climática global. Em 2015, nenhum dos grandes setores da economia global tinha tecnologias competitivas e de baixo custo para mudar a equação climática, uma questão essencialmente econômica, afirmou a expositora. Depois da adoção do Acordo de Paris, houve uma forte mudança no setor elétrico, com a difusão de tecnologias como a solar e a elétrica.

Natalie Unterstell - 26/04/2022
Natalie Unterstell: ''A gente tem um Executivo hoje pouco interessado na transição de baixo carbono''
Para 2030, há uma projeção de que essa difusão seja vista nos demais setores, como o agrícola. Isso porque houve um efeito dominó positivo, com a tecnologia sendo aplicada em larga escala com baixo custo, além do deslocamento de capital por meio do investimento em energias renováveis e da forte influência da opinião pública nessas questões.

No Brasil, o uso da terra e a agropecuária corresponderam a 73% das emissões em 2020, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Sete dos 10 municípios que mais emitem gases de efeito estufa (GEE) estão na Amazônia, com emissões per capita e totais maiores do que alguns países. Apenas São Paulo, com emissões relativas a transporte, Rio de Janeiro, por resíduos sólidos, e Serra, com polo metalúrgico, não têm sua classificação na lista associada ao uso da terra.

Em 2020, a criação da campanha "Race to Zero" buscou engajar investidores em metas de Net Zero até 2050. Miriam Garcia, doutora em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP e gerente sênior de políticas públicas da organização CDP (Carbon Disclosure Project), explicou que o termo tem dois significados distintos. É possível ter um Brasil "Net Zero Carbon", com carbono neutro (balanço entre emissões e remoções de CO2), e um Brasil "Net Zero Emission", que representa o balanço dos três principais GEE de origem antropogênica, o que inclui o metano, gás ligado às atividades agropecuárias.

Daqui até 2050, para alcançar o cenário Net Zero para todos os GEE, será necessário evitar o lançamento de aproximadamente 21 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera a nível nacional, apontou Garcia com base no relatório "Como viabilizar um Brasil neutro em gases de efeito estufa até 2050? Caminhos de descarbonização da economia brasileira", do CDP.

Miriam Garcia - 26/04/2022
Miriam Garcia apresentou propostas para alcançarmos um Brasil ''Net Zero''
O estudo foi elaborado pelo laboratório Cenergia, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com um plano para o estado de Minas Gerais inserido em um Brasil carbono neutro em 2050. A modelagem utilizada segue uma lógica de otimização, com intuito de reduzir as emissões sem reduzir o desenvolvimento econômico.

No setor de Agropecuária, Floresta e Outros Usos do Solo (AFOLU), considera-se necessário recuperar as pastagens degradadas e diminuir áreas de solo degradado. No de energia, investir em fontes renováveis e utilizar biocombustíveis celulósicos. Entre as indústrias, focar na siderurgia com uso do carvão vegetal de origem renovável e aumentar o uso da biomassa. No setor de transporte, eletrificar veículos leves e usar biocombustíveis e, no de resíduos, zerar o uso de aterros sanitários e implementar a queima em flare em aterros.

O Brasil tem algumas "fortalezas", como energia eólica barata, hectares já desmatados que podem ser convertidos para produção agrícola, matriz relativamente limpa, entre outros. Mas, para Unterstell, estamos deixando isso de lado e nos concentrando em algumas fraquezas, como a carbonização da matriz atual, a não adaptação das hidrelétricas e o investimento em tecnologias de carvão mineral.

Em 2021, a iniciativa Clima e Desenvolvimento, idealizada e liderada pelo Instituto Clima e Sociedade, pelo Centro Clima da UFRJ e pelo Instituto Talanoa, criou visões de futuro para um Brasil de baixo carbono. Os pesquisadores chegaram a cenários que envolvem três medidas: aplicar a precificação do carbono, reduzir o desmatamento e aumentar em 4 milhões de hectares a restauração florestal no país.

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Eventos:

"Esse é um cenário que a gente considera muito fácil de atingir, por incrível que pareça, ele nos dá 63% de redução de emissões em relação ao cenário referencial", afirmou Unterstell. Apesar disso, ele não zera o desmatamento. Um cenário de zero desmatamento até 2030 na mata atlântica e na Amazônia atingiria 82% de redução de emissões até o final da década. Além dos efeitos ambientais, ela apontou impactos positivos nos indicadores macroeconômicos e na geração de empregos.

Esses estudos de cenário têm o papel de apoiar formuladores de políticas públicas em termos de investimento em pesquisa e infraestrutura, como apontado por Garcia. Pensando nos recursos financeiros investidos em CT&I no Brasil, o Programa Nacional de Crescimento Verde, lançado em 2021 com o objetivo de financiar projetos e atividades econômicas sustentáveis, não reúne características de uma política pública, afirmou Unterstell. Não há informações sobre como, quem e o que será feito, nem apresenta objetivos claros.

"A gente tem um Executivo hoje pouco interessado na transição de baixo carbono e que vem atuando para desregrar as instituições. O Executivo tem uma postura de resetar o aparato ambiental e climático, e o papel do STF é tentar evitar que esse aparato seja resetado". Para Unterstell, o desmatamento zero não é mais um tema marginal nas campanhas eleitorais. Pensando nas eleições de 2022, ela acredita que a primeira ação a ser feita a partir de janeiro de 2023 deve ser uma medida provisória que restabeleça a institucionalidade do combate ao desmatamento no país.

O evento teve moderação dos membros do NAP-OIC Rodrigo Brandão, doutorando em sociologia pela USP e Gabriel Maia, mestre em direito e desenvolvimento pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).