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Como construir políticas econômicas que promovam a inclusão social

por Beatriz Herminio - publicado 24/03/2022 16:25 - última modificação 25/03/2022 14:48

Com a queda da renda média do brasileiro e uma alta porcentagem de trabalhadores informais no Brasil, o evento "Política Econômica e Inclusão" debateu como promover o desenvolvimento econômico e a inclusão social no país

No trimestre encerrado em janeiro de 2022, os trabalhadores informais correspondiam a 40,4% da população ocupada, e a renda média do trabalhador brasileiro era 9,7% menor que o registrado de novembro de 2020 a janeiro de 2021, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. Nesse cenário, como é possível construir uma política econômica que promova o crescimento e que não deixe de lado a inclusão social? Essa foi a questão central do evento "Política Econômica e Inclusão", realizado no dia 22 de março no IEA.

O encontro foi organizado pelo Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP e pela Primeira Via Opiniões e Soluções para o Brasil, como parte da série de webinars Políticas Prioritárias para Reerguer o Brasil”.

Para Paulo Haddad, especialista em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia, na Holanda, há questões socioeconômicas e socioambientais que o próximo presidente do país deverá enfrentar. Com base no documento "Seis ideias à procura de um estadista", criado por ele, Haddad apresentou algumas propostas.

Segundo ele, há a necessidade de construir um novo "ciclo de expansão" no país, a exemplo dos anos de governo JK e o chamado Milagre Econômico. "O Brasil, depois da Segunda Grande Guerra, teve 33 anos de crescimento anual de 7,5%."

A “ideia-força” necessária para o desenvolvimento brasileiro é transformar o Brasil no maior produtor de alimentos do mundo, através de inovações no agronegócio e, assim, promover a "Grande Transformação do Brasil", defende Paulo Haddad.

Diferente do que acontecia há 50 anos, Haddad entende que hoje o desenvolvimento acontece via iniciativa privada, e não através do governo. O papel do Estado seria o de induzir, estimular e incentivar o desenvolvimento.

Para Haddad, o eixo principal para estruturar projetos que possam alavancar o ciclo de expansão deve levar em consideração as restrições e condições socioeconômicas e políticas do país.

A “ideia-força” necessária para o desenvolvimento brasileiro é transformar o Brasil no maior produtor de alimentos do mundo, através de inovações no agronegócio e, assim, promover a "Grande Transformação do Brasil", defende.

Essa transformação depende do estilo de governar, e Haddad acredita que, em vez de fazer sequências de políticas de curto prazo, é preciso que o chefe de Estado pense em medidas de longo prazo para alcançar essa transformação por meio de inovações.

Hélio Zylberstajn, Paulo Haddad e Bernard Appy - 22/03/2022"Quando você tira uma tonelada de carne do triângulo mineiro e põe na mesa do japonês, 10% a 12% é natureza, o resto é serviço man-made: tecnologia, logística de transporte, engenharia financeira. Então hoje você pode falar que é a indústria do agronegócio." Haddad afirmou que, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), há tecnologias sustentáveis que permitem, sem abrir novas áreas ou derrubar árvores, dobrar a produção de proteína animal e vegetal no Brasil. Para isso, seria preciso transferir essa tecnologia para o campo.

Considerando que a cadeia de valor do agronegócio inclui transporte, químicos, fertilizante, vacina e fármaco, ela tem condições de fazer o ciclo de expansão e gerar uma massa de emprego, disse Haddad. A esse fator ele somou o atual aumento da demanda de alimentos devido ao crescimento da renda de países asiáticos e ao problema da fome no país.

Outras ideias para o crescimento incluem o Orçamento base zero e a quarentena amazônica. Esta propõe colocar a Amazônia no regime especial de planejamento, de forma que a terra desmatada não possa ser usada para plantio nem para pecuária por 10 anos, período em que deve permanecer em restauração. A ideia é também fortalecer a Zona Franca de Manaus com a biotecnologia e, além disso, fazer com que bancos que financiem equipamentos para garimpo ilegal sejam responsáveis pela recuperacao da área, afirmou Haddad.

Inclusão e Previdência

Fila de desemprego
Fila em mutirão de emprego (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Uma reforma da tributação do consumo no Brasil é outro fator importante para aumentar o potencial de crescimento no país, segundo Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), ex-secretário executivo e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula. Ele afirmou que a economia brasileira está mal organizada, e que o sistema tributário induz uma produção ineficiente. "A gente produz menos do que poderia com os insumos que temos, de capital e trabalho." O tema da reforma tributária evoluiu nos últimos anos, e pode ser observado na PEC 45/2019, que tramita na Câmara, e na PEC 110/2019, no Senado.


O crescimento do país ajuda a reduzir a pobreza e gerar renda, e a reforma tem um efeito de reduzir desigualdades sociais, afirmou Appy. Isso se deve ao fato de que, com a proporção do consumo e da renda no Brasil, ricos pagam menos imposto do que pobres. Além disso, a reforma reduz desigualdades regionais a partir da distribuição da receita entre os entes da federação.
Hoje, o município que tem maior valor per capita ganha mais do que o que tem o menor valor. Sua ideia é de que, reduzindo essa escala, municípios que não têm condição financeira de fazer política pública passariam a ter.

Para Appy, o Brasil tem amadurecido o debate a respeito do que precisa ser feito em termos de políticas sociais e tributárias, e de como tornar o gasto público mais eficiente. Problemas como a uberização do trabalho e a falta de um modelo de desenvolvimento em que os trabalhadores se sintam parte do país mostram que é necessário pensar reformas que estimulem a formalização dos trabalhadores.

No Brasil, existe uma carência de inclusão previdenciária, uma vez que a Previdência é afetada pelo baixo nível de formalização do trabalho. "Temos um sistema que protege bem os idosos, inclusive os de baixa renda, mas não protege os trabalhadores em idade ativa e muito menos as crianças", afirmou Appy.

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"Política Econômica e Inclusão"

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Essa carência se tornará um problema social no futuro. Apesar de ser necessário realizar ajustes no sistema de aposentadoria e de benefícios, sua ideia seria inserir todos os brasileiros em um sistema de proteção social e adotar um regime único de contribuição previdenciária.

Em relação à tributação da folha de salário, ele propõe uma redução da alíquota da contribuição previdenciária sobre o primeiro salário mínimo de todos os trabalhadores. Essa medida reduziria o custo de formalização dos empregados de baixa renda ao incentivar sua contratação e desincentivar a substituição de trabalhadores por Microempreendedores Individuais (MEI). Outra proposta é tornar obrigatório o recolhimento de contribuição previdenciária nesse modelo em toda a contratação de autônomo ou MEI, como no caso de diaristas que trabalham sem registro ou de motoristas de aplicativo, reforçando a proteção social desses trabalhadores.

Da mesma forma, pessoas que hoje não se habilitam a receber o benefício, seja porque contribuíram sobre um valor menor do que um salário mínimo ou porque contribuíram por menos tempo do que o necessário, também teriam direito a receber algo de forma proporcional ao contribuído.

Para Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e mediador do evento, Bernard propôs "inverter toda a lógica da política de desenvolvimento que o Brasil tem historicamente". Ele afirmou que o país sempre teve abundância de mão de obra e escassez de capital, e que sempre tributou excessivamente o trabalho e subsidiou o mercado – o que teria afugentado o trabalhador da formalização.

Apesar de brilhantes, as ideias apresentadas passam por mudanças legislativas – o que depende de apoio da classe política, sobretudo na Câmara e no Senado, afirmou Maria Tereza Sadek, cientista política e diretora de pesquisas do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. Por isso, ela acredita que também precisamos pensar em políticas que fujam dessa limitação.

A abertura do evento foi feita pelo diretor do IEA Guilherme Ary Plonski e por Elizabeth Balbachevsky, coordenadora científica do NUPPs.