Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / 'O desenvolvimentismo é o nacionalismo econômico bem pensado'

'O desenvolvimentismo é o nacionalismo econômico bem pensado'

por Flávia Dourado - publicado 22/08/2012 00:00 - última modificação 12/12/2013 16:33

Defensor do nacionalismo econômico, Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), dedica-se atualmente à pesquisa teórica sobre o novo-desenvolvimentismo e, nesta entrevista, esclarece as principais diretrizes da estratégia novo-desenvolvimentista.

bresserpereira.jpg
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Defensor do nacionalismo econômico, Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), dedica-se atualmente à pesquisa teórica sobre o novo-desenvolvimentismo – estratégia baseada no controle da taxa de câmbio como forma de garantir a competitividade da indústria nacional no cenário da globalização.

É dele o artigo de abertura do dossiê "Novo-Desenvolvimentismo" da edição 75 da revista "Estudos Avançados", que será lançada no dia 29 de agosto, quarta-feira, às 17h, no IEA, ocasião em que ele fará uma exposição sobre o tema.

Nesta entrevista à jornalista Flávia Dourado, do IEA, o ex-ministro dos governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso esclarece as principais diretrizes da estratégia novo-desenvolvimentista, enfatizando a importância do Estado na criação de oportunidades de investimento e a necessidade de uma coalizão de classes nacionalista, que mobilize empresários, burocracia pública e trabalhadores em torno do desenvolvimentismo.

O senhor defende que, para o Brasil atingir o nível de desenvolvimento dos países ricos, é preciso adotar a estratégia novo-desenvolvimentista, de caráter nacionalista. Quais as principais características dessa estratégia e as principais diferenças em relação à ortodoxia convencional, ligada ao neoliberalismo?

Os países em desenvolvimento têm duas estratégias possíveis: a desenvolvimentista ou a liberal-dependente. A única que é compatível com o catching up ou alcançamento é a desenvolvimentista. É uma estratégia que está baseada em uma coalisão de classes voltada para o desenvolvimento, é nacionalista, atribui um papel estratégico ao Estado, e procura criar oportunidades de investimentos lucrativos para os empresários. Enquanto coalizão de classes, busca associar empresários, burocracia pública e trabalhadores, e se opõe à coalisão liberal-dependente formada por capitalistas rentistas, financistas e interesses estrangeiros ou o Ocidente. Seu nacionalismo é exclusivamente econômico: em síntese, o desenvolvimentismo é o nacionalismo econômico bem pensado. Ao atribuir um papel estratégico ao Estado, entende que ele deve realizar uma política macroeconômica e uma política industrial que estimule os empresários a investir, ao mesmo tempo em que se responsabiliza por cerca de 20% dos investimentos totais; e também que o Estado deve ter um papel central no oferecimento dos grandes serviços sociais e científicos que constituem um Estado democrático social.

O senhor afirma que a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, teoria que está por trás do novo-desenvolvimentismo, coloca a taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento econômico. Na prática, o que isso significa? Como uma política cambial ativa pode beneficiar a economia brasileira?

Deixada ao sabor do mercado, a taxa de câmbio nos países em desenvolvimento tende a se sobreapreciar crônica e ciclicamente. O caráter cíclico dessa sobreapreciação significa que o país vai de crise em crise de balanço de pagamentos, de sudden stop em sudden stop: na crise há uma violenta depreciação, e, em seguida, a contínua apreciação causada pela doença holandesa* e pelas entradas excessivas de capitais, que levam o país ao déficit em conta corrente, a uma bolha de crédito, a uma dívida externa elevada, e, afinal, a uma nova crise. As entradas são excessivas porque, se um país tem doença holandesa, para neutralizá-la ele deve apresentar superávit, não déficit em conta corrente; e porque os empréstimos e investimentos diretos antes aumentam o consumo do que o investimento, já que geralmente existe uma elevada taxa de substituição da poupança interna pela externa.

O caráter crônico significa que, em consequência do ciclo, a taxa de câmbio permanece quase o tempo todo apreciada, abaixo da taxa de câmbio de equilíbrio industrial, e assim desconecta as empresas industriais da demanda externa ao mesmo tempo que facilita as importações e a ocupação do mercado interno por empresas estrangeiras.

Dado isto, o governo brasileiro não pode deixar a taxa de câmbio livre; ele deve controlá-la, administrá-la, ainda que no quadro de um câmbio flutuante. Como ele tem uma política de responsabilidade fiscal e deve limitar o déficit público, ele deve ter uma política de responsabilidade cambial e limitar os déficits em conta corrente se não apresentar superávit em conta corrente.

Mas não haveria uma restrição externa ao desenvolvimento econômico – uma carência permanente de dólares – que só poderia ser solucionada através do recurso à poupança externa? De fato, para países muito pobres, que apenas exportam commodities e importam bens manufaturados, as elasticidades-renda das importações e das exportações podem causar alguma carência de divisas fortes. Mas isto desaparece na medida em que o país passa a exportar manufaturados. E, em qualquer estágio do desenvolvimento, a falta de dólares explica-se muito mais pela incapacidade dos governos de neutralizar a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio, administrando-a, e pela violência das pressões contra esta administração por parte da coalizão liberal-dependente.

Que aspectos do contexto atual da economia brasileira e de outros países da América Latina fazem necessária a adoção de uma nova estratégia de desenvolvimento? Por que o “velho” desenvolvimentismo não serve mais?

Porque é necessária uma estratégia de competição. Por que o antigo desenvolvimentismo está superado? Porque o Brasil está em um estágio mais avançado de desenvolvimento do que estava nos anos 1950, e porque competimos hoje no quadro da globalização.

O novo-desenvolvimentismo é uma estratégia ligada à esquerda? A emergência da esquerda e do nacionalismo econômico na América Latina favorece a sua adoção?

Sem dúvida. Mas não basta que um governante e sua equipe sejam desenvolvimentistas; é preciso que haja um pacto político que os apoie, é preciso que eles sejam tecnicamente competentes e que evitem o populismo fiscal e cambial. Quanto mais pobre é um país, mais difícil é que essas condições estejam presentes. Esta é a forma por excelência através da qual hoje se expressa o círculo vicioso da pobreza.

No caso do Brasil, a condução da política econômica tem sido favorável ao novo-desenvolvimentismo? Essa estratégia já está em curso no Brasil ou em algum outro país?

O novo-desenvolvimentismo está em curso nos países asiáticos dinâmicos: na Indonésia, na Malásia, na Índia e na China. A Argentina vem procurando caminhar nessa linha, mas enfrenta enorme oposição da coalisão liberal-dependente que nesse país é poderosa internamente. E seus governantes têm cometidos alguns erros que arriscam o êxito do projeto. No Brasil, no segundo termo do governo Lula, tivemos um ensaio de novo-desenvolvimentismo; o governo Dilma Rousseff é claramente novo-desenvolvimentista.

Quais as implicações do novo-desenvolvimentismo na vida das pessoas? Por opor-se aos dogmas do neoliberalismo, trata-se de uma estratégia mais sintonizada com os princípios da inclusão social e da distribuição de renda?

Na Constituição de 1988, os brasileiros definiram seus grandes objetivos e valores. Querem construir uma sociedade democrática onde haja bem-estar econômico e uma razoável justiça social. Para isto, o Estado brasileiro – que é o instrumento por excelência de ação coletiva da Nação – deve ser, enquanto realizamos o alcançamento, um Estado desenvolvimentista, e, ao mesmo tempo, deve ser um Estado democrático social. Há alguma contradição entre os dois objetivos, mas eles não são excludentes, e compromissos bem administrados politicamente podem permitir sua compatibilização.

Como o novo-desenvolvimentismo se insere no contexto de crise econômica atual? A crise contribui ou atrapalha ou torna mais ou menos urgente o estabelecimento dessa estratégia?

A crise atual é uma grande crise do capitalismo rentista e da coalizão neoliberal que tomou conta de grande parte do mundo a partir dos Estados Unidos e do Reino Unido desde o início dos anos 1980. Ela é, naturalmente, um obstáculo ao desenvolvimentismo brasileiro na medida em que limita a demanda externa para suas exportações; mas é também uma oportunidade, porque torna mais fácil a consolidação de um pacto e de uma estratégia desenvolvimentista no Brasil.

Um dos aspectos do novo-desenvolvimentismo é a importância de uma política cambial que neutralize a doença holandesa e favoreça o progresso técnico e a inovação tecnológica nas indústrias brasileiras. A ciência e a tecnologia ainda são um gargalo no desenvolvimento industrial brasileiro?

O lado da oferta e, em especial, o da educação e o da ciência e tecnologia são sempre fundamentais. Mas desenvolver essas áreas é uma tarefa de todos os dias, e seus resultados se concretizam apenas no longo prazo. O Brasil poderia fazer mais, mas tem realizado grandes esforços nesses campos. A macroeconomia estruturalista do desenvolvimento apenas salienta o lado da demanda, porque aqui uma taxa de juros decente, de nível internacional, e uma taxa de câmbio competitiva, no equilíbrio industrial, são coisas que poderiam ser realizadas em prazo bem mais curto, mas são áreas em que o Brasil tem caminhado pouco.

* Nota da Redação: "doença holandesa" é uma expressão utilizada para definir a relação entre a exportação de recursos naturais e o declínio do setor industrial de um país. De acordo com a definição, a exportação elevada de commodities por um país leva à valorização de sua moeda, tornando seus produtos industrializados menos competitivos em relação aos produtos importados, processo que conduz à desindustrialização.

Foto: Mauro Bellesa/IEA-USP
registrado em: ,