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Liberalismo e tensões populares marcam origens conceituais de América Latina

por Sylvia Miguel - publicado 23/11/2015 12:30 - última modificação 23/11/2015 13:09

Sociólogos e cientistas políticos analisam as raízes do populismo e do autoritarismo na região, num momento em que a ciência política se firma como campo de estudo.

Uma identidade e uma demarcação progressiva em torno do conceito de América Latina foram sendo construídas a partir do início do século 19. O conceito foi além do discurso de dominação das metrópoles mercantilistas e passou a criar referências comuns em torno de campos como a economia, a literatura e a política. É nesse período que, a partir da sociologia política, emerge na região a ciência política como campo de estudo. Suas raízes estavam essencialmente ligadas a alguns fatos marcantes vividos no México e na Argentina nas décadas de 1940 e 1950, conforme expôs o conferencista Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 12 de novembro, na Sala da Congregação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.

Leonardo Avritzer

Para Avritzer, da UFMG, tema do populismo e da modernização argentina marcaram início da ciência política na América Latina.

Avritzer foi o expositor convidado do 4º encontro do ciclo Identidades Latino-Americanas, coordenado pelo ex-professor visitante do IEA, Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais. O ciclo iniciou em abril e já trouxe reflexões sobre a identidade latino-americana a partir das perspectivas de historiadores, sociólogos e economistas.

Com o tema América Latina dos Cientistas Políticos, o debate no IRI contou com a participação da professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, do IRI-USP, e Sérgio Fausto, superintendente executivo do Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC).

A ciência política dá seus primeiros passos no México a partir da tradução do sociólogo Max Weber (1864-1920) para o espanhol, bem como a criação do Fondo de Cultura Econômica na Argentina e ainda do El Colegio de México, disse o palestrante.

“O país que mais avançou num primeiro momento na constituição da disciplina política a partir da institucionalização anterior da sociologia foi a Argentina da segunda metade do século 20. Seus temas fundamentais nos anos de 1950 foram a modernização e o populismo”, disse Avritzer.

Naquele momento, a Argentina já possuía algumas obras clássicas de caráter fortemente nacional, como “Las Origenes de Democracia en Argentina”, de Ricardo Lavenbe, e “El Gobierno Representativo y Federal em la República Argentina”, de José Nicolás Matienzo. Ao mesmo tempo, surge a Revista Argentina de Ciências Políticas, citou o conferencista.

Mas foi a partir da década de 1970 que ocorrerá a primeira articulação importante de temas na ciência política, fato que está diretamente ligado à obra de Guillermo O´Donnell (1936-2011), segundo Avritzer.

O´Donnell realizou questionamentos fundamentais que posteriormente nuclearam linhas de estudo tradicionais da ciência política. O autor articulou em sua obra a natureza do Estado burocrático e do autoritarismo latino-americano, a estratégia de transição democrática e a natureza das novas democracias.

“Na questão sobre a natureza do autoritarismo, O`Donnell apresentou elementos de uma burocratização do Estado que implicou numa organização de estruturas autoritárias. Processo semelhante se deu com as transições democráticas que, para ele, não se refere a derrubada de poder e, sim, a um processo longo e negociado de posições políticas com diferentes características. Por fim, quanto à natureza das novas democracias, há uma latino americanização quanto a forma de pensar accountability, dado a relação desse conceito com o liberalismo”, disse o professor.

Com isso, O`Donnell cumpriu um papel essencial de conectar processos políticos de longo prazo na região, mostrando sua articulação, disse o palestrante.

Maria Hermínia Tavares de Almeida, Leonardo Avritzer, Bernardo Sorj e Sérgio Fausto

A partir da esq.: Maria Hermínia; Avritzer; Sorj e Fausto, em debate no IRI.

A partir disso, um conjunto de processos passaram a ser analisados articuladamente pela ciência política, como o tipo de constitucionalismo que surgiu na região, em especial a partir das constituições brasileira e colombiana; os elementos do Presidencialismo e suas formas de estabilidade ou de instabilidade; e os movimentos sociais e a articulação da cidadania, citou.

O presidencialismo foi uma tradição importante avaliada pelo o jurista e sociólogo argentino Roberto Gargalla e continua sendo o sistema de governo da região, disse. “Mas é possível que estejamos assistindo aos primeiros passos de uma nova crise do presidencialismo”, disse Avritzer.

O novo constitucionalismo da América Latina será abordado no livro inédito de Avritzer. “As novas constituições, especialmente do Brasil e da Colômbia, reavaliam o sistema de divisão de poderes, as formas de participação política e os direitos dos povos tradicionais, por exemplo”, disse.

Segundo Avritzer, as formas de participação também constituem uma marca da região, o que tem ajudado na redução da desigualdade e na organização da sociedade civil.

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Consensos

A professora Maria Hermínia ressaltou que de fato o pensamento de O´Donnell foi muito influente para os estudos sobre a região. “A originalidade de O`Donnell foi enquadrar o pensamento político e as instituições latino americanas durante aquela fase”, disse.

“A ciência política institucionalizada entra em cena num momento em que alguns temas como autoritarismo e transição democrática emergiram na América Latina. O`Donnell reflete sobre aquele momento e a ciência política começa com as problemáticas expostas na história da região”, na opinião de Sorj.

“De fato existe uma especificidade do pensamento político latino americano e que passa a ter um alcance além da região”, concorda Sérgio Fausto.

Para o sociólogo do iFHC, os Estados Nacionais na América Latina conseguem estabilizar seus territórios precocemente em comparação com outras regiões da periferia do sistema capitalista, como África e Ásia, por exemplo.

Ao mesmo tempo, esses Estados Nacionais e suas instituições surgem com uma roupagem do liberalismo clássico, ao passo que países como Coréia, por exemplo, espelham essa linha ideológica em suas instituições apenas nos anos de 1980, lembrou Fausto.

Por outro lado, as instituições enraizadas no liberalismo clássico que surgem na América Latina aparecem acopladas a sociedades estruturalmente heterogêneas e sumamente desiguais, o que explica as tensões de integração social, política e econômica dos setores marginalizados da população, disse Fausto.

“O fenômeno do populismo se explica pela existência de sociedades desiguais, não no sentido étnico e nem religioso. O movimento de integração e incorporação de amplos contingentes populacionais marginalizados criou tensões às ordens estabelecidas ao longo do século 20. Com o fim das repúblicas oligárquicas, houve uma rotação entre populismo e autoritarismo que deriva da problemática essencial da incorporação dessas massas pobres aos mecanismos de cidadania”, concluiu o sociólogo.

Outra característica notável na América Latina, segundo Fausto, é a capacidade de convivência entre o atraso e o moderno, de ressurgimento do atraso sob novas formas, ou de um tempo histórico que avança, mas que traz elementos que remontam à formação histórica da região. “Isso mostra que muitas coisas não foram superadas. Por exemplo, como as ideias políticas do Romantismo foram incorporadas na ideologia política da região e como isso ainda tem incidências importantes”.

José Álvaro Moisés participa do debate

Para Moisés, cultura política e valores impregnam escolhas institucionais.

Da plateia, o professor José Álvaro Moisés comentou que a tradição institucional muitas vezes sofre influência não só da cultura política, mas também dos valores predominantes da sociedade. “Muitos fenômenos têm origem nas percepções sociais sobre a democracia. É preciso lembrar que as concepções de mundo, as atitudes e as percepções impregnam as escolhas institucionais e tudo isso está relacionado ao mundo dos valores”, disse o cientista social, que coordena o Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia do IEA e o Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPS) da USP.