Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Encontro debate questões prioritárias para as instituições culturais

Encontro debate questões prioritárias para as instituições culturais

por Mauro Bellesa - publicado 27/09/2017 14:10 - última modificação 10/11/2017 09:49

O seminário "Instituições Culturais 2 - Masp, Bienal e Itaú Cultural", realizado no dia 19 de setembro, foi organizado pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência.
Seminário "Instituições Culturais 2 - Masp, Bienal e Itaú Cultural" - 19/9/20017
A partir da esq., o presidente do Masp, Heitor Martins, o titular da Cátedra Olavo Setubal e coordenador do seminário, Ricardo Ohtake, e o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron

A reformulação de duas das principais instituições paulistas de artes visuais, as iniciativas públicas e privadas na cultura, a formação de recursos humanos - gestores culturais e pessoal técnico - e as implicações das leis de incentivo fiscal para investimentos no setor foram os principais temas discutidos no terceiro encontro do ciclo Cultura, Institucionalidade e Gestão, no dia 19 de agosto, no Itaú Cultural.

O seminário Instituições Culturais 2 - Masp, Bienal e Itaú Cultural fez parte do módulo dedicado a apresentação de depoimentos de diretores de instituições de São Paulo. Os expositores foram o presidente do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Heitor Martins, e o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron. A coordenação foi do diretor do Instituto Tomie Ohtake, Ricardo Ohtake, titular da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência (parceria entre o IEA e o Itaú Cultural), responsável pela organização do ciclo.

Revitalização

Heitor Martins não se considera um gestor cultural, apesar do sucesso de seu trabalho na revitalização da Bienal de São Paulo e na recuperação do Masp. "Estudei administração de empresas na FGV e depois fiz mestrado nessa área nos Estados Unidos. Trabalho em consultoria. O mundo da arte é uma segunda vida", afirmou.

Relacionado

CICLO CULTURA, INSTITUCIONALIDADE, E GESTÃO

Instituições Culturais 2 - Masp, Bienal e Itaú Cultura

Midiateca

Instituições Culturais 1 - Museu Afro Brasil e Sesc São Paulo

Notícia

Midiateca

Arte e Política: Um Retrospecto da Carreira de Ricardo Ohtake

Notícia

Midiateca



Posse de Ricardo Ohtake na Cátedra Olavo Setubal

Notícia

Midiateca

Documento



Outras notícias


Leia mais notícias sobre cultura

Ele contou que, em 2007, Jorge Wilheim propôs a ele assumir a direção da Fundação José e Nerina Nemirovsky, que tem contrato de comodato de seu acervo com a Pinacoteca do Estado de São Paulo. "Declinei do convite, pois acho que o destino da fundação é ser vinculada à Pinacoteca". Passados dois anos, Wilheim telefonou novamente a Martins para convidá-lo a dirigir a Fundação Bienal. Ele avaliou os atributos da instituição e convidou várias pessoas para o ajudassem a reorganizá-la.

"As pessoas geralmente declinam de um convite desses quando pensam nas carências da instituição. Mas resolvi pensar nos atributos: longevidade, reconhecimento internacional, um prédio de Niemeyer que é um monumento e com localização privilegiada no Parque do Ibirapuera."

Ele buscou os amigos Alfredo Setubal, vice-presidente do Itaú, Carlos Jereissati Filho, proprietários de uma rede de shoppings centers pelo país, começaram a montar uma rede, para estruturação de uma diretoria, com advogado, especialista em finanças, administrador e outros profissionais.

"Assim iniciou o projeto. Organizamos a 29ª Bienal, de 2010, em 13 meses, com o objetivo que fosse uma 'Bienal cheia', em contraposição à de 2008, apelidada de 'Bienal do vazio'. As diretrizes do projeto foram transparência e envolvimento de todos, inclusive do meio artístico. Houve um apoio maciço da sociedade, do meio e de patrocinadores."

Esse espírito também motivou a diretoria na organização da 30ª Bienal e na continuidade da consolidação da instituição. "Foram resolvidos os problemas com o Ministério da Cultura e Educação relativos à prestação de contas pendente que havia resultado no bloqueio das constas da fundação."

Depois de dois mandatos na presidência da Bienal, Martins se retirou da instituição.  Para ele "é importante sair, pois quando se fica tempo demais numa instituição ela murcha."

No entanto, o afastamento de Martins da área não durou muito tempo. Um ano e meio depois, Alfredo Setubal, que ele havia convidado a atuar na Bienal, lhe telefonou convidando-o a assumir a presidência do Masp. "De novo pensamos nos atributos: acervo, prestígio internacional e um prédio que virou um 'símbolo' de São Paulo."

Não havia dinheiro para pagar os funcionários e a dívida era de R$ 70 milhões, segundo Martins. "Havia um problema de governança, exercida por um grupo de associados, muitos deles com mais de 70 anos e permanentes. Foi preciso uma reformulação do modelo de liderança. Indicamos uma nova diretoria e novos membros para o conselho."

O projeto da nova diretoria do Masp incluiu: a recuperação do prédio, com uma arqueologia arquitetônica, de forma a resgatar o projeto de Lina Bo Bardi, inclusive com reabertura da escada de acesso ao público; uma radiografia do acervo; e  um programa de formação do corpo técnico do museu.

"Tive uma conversa com o diretor do MoMA, de Nova York, Glenn Lowry, que me disse: 'As instituições gastam muito em infraestrutura e depois na ampliação do acervo, mas o que dá vida a um museu é seu corpo técnico. Invista na equipe curatorial."

Martins afirmou que as instituições brasileiras investem pouco no seu corpo técnico. "Isso prejudica o próprio aprendizado da equipe sobre a própria instituição".

Heitor Martins - "Instituições Culturais 2 - Masp, Bienal e Itaú Cultural" - 19/9/2017
Heitor Martins: "É preciso haver mais recursos e liberdade para seu uso"

"Hoje temos sete curadores adjuntos e 12 internos, além de equipes de restauro, produção, mediação e sete designers para produzir todas as publicações. E quando termina uma mostra fica um acúmulo de conhecimentos para a equipe. O que estamos fazendo é um processo natural de institucionalização do museu."

História da gestão

Eduardo Saron fez uma exposição diferenciada daquela de Martins. Tratou do Itaú Cultural a partir da inserção do instituto no que ele considera a quarta onda da história da gestão cultural no Brasil.

Ele identifica quatro ondas durante o século 20: a privada, a pública, a mista e a atual, marcada pelas leis de incentivo. Dastacam-se na primeira, a seu ver, a criação do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) nos anos 30 e do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, sob a liderança de Mário de Andrade, "primeira iniciativa de fato de institucionalização da cultura no Brasil, na qual ela era pensada como uma política pública e articulada com outros setores da administração, como saúde, planejamento e finanças".

Da segunda onde, quando foi forte a participação da iniciativa privada, Saron destacou a atuação de dois empresários: Francisco Matarazzo Sobrinho, ao criar Museu de Arte Moderna (MAM) em 1948, e Assis Chateaubriand, ao fundar o Masp em 1947. Ele também mencionou o  surgimento do Sesc em 1946, "um hibridismo, uma instituição privada com finalidade social, onde a cultura permeava a preocupação inicial de formação dos trabalhadores do comércio".

O sistema misto público-privado, típico da terceira onde, teve início nos anos 70, segundo Saron, com o Estado preocupado em criar instituições culturais. "Em 75 surge a Funarte e no mesmo período Olavo Setubal, prefeito de São Paulo à época, depois de criar a Secretaria de Cultura, começa a planejar o Centro Cultural São Paulo, primeiro como uma biblioteca."

Eduardo Saron - "Instituições Culturais 2 - Masp, Bienal e Itaú Cultural" - 19/9/2017
Eduardo Saron: "Quem usa a Lei Rouanet deve deixar um legado perene para sociedade brasileira"

Para Saron, a quarta onda se materializou com a chamada Lei Sarney, de 1986, que permitia o abatimento no Imposto de Renda de doações, patrocínios e investimentos em cultura. "Ela permitiu conjugar o que esperamos da cultura com o papel da iniciativa privada nesse campo." Ele destacou também a criação do Ministério da Cultura em 1985.

Esse quadro dos anos 80 propiciou uma série de iniciativa, como o Itaú Cultural, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e mesmo os departamentos de marketing cultural nas empresas, para utilização dos incentivos da Lei Rouanet, de acordo com Saron. Todavia, o final da década marca a fragilização das instituições do próprio ministério, como no caso da Funarte, "por falta de uma política de cultura" e por causa da "superposição de iniciativas, graças à Lei Rouanet".

Saron, entretanto, tem uma visão crítica sobre a utilização das leis de incentivo. Considera que as instituições culturais privadas se viciaram na utilização dos recursos via incentivo fiscal. O hibridismo público privado se aprofundou quando as instituições culturais públicas passaram a ser geridas por organizações sociais e começaram a disputar recursos das empresas via leis de incentivo. "Elas foram criadas para dinamizar a gestão das instituições públicas, mas acabaram usando o benefício fiscal."

Outro problema apontado por Saron foi a postura do Estado durante a abundância de recursos do chamado boom das commodities, de 2004 a 2014: "Em vez de salvar e apoiar as instituições existentes, as várias esferas governamentais investiram na criação de novos equipamentos, sem se preocupar com sua futura manutenção".

Os dois outros aspectos recentes apontados por ele são a "espetacularização da cultura, com muitos recursos para fogos de artifício, publicidade das iniciativas, e pouco dinheiro para os artistas" e a instituição do "império da catraca, no qual a importância de algo é medida pelo número de vezes que a catraca de ingresso roda".

Criação do Itaú Cultural

Saron disse que a Lei Rouanet levou o Banco Itaú a pensar em criar ou uma diretoria de marketing cultural ou uma instituição. "Pensava-se que a escolha seria a implantação da diretoria de marketing, mas Olavo Setubal preferiu criar uma instituição, procurando desenhar uma uma estratégia para o mundo da cultura, claro que para prestigiar a marca do banco, mas também para a sociedade reconhecer a postura da empresa em relação à cultura."

Se por um lado os benefícios fiscais dos investidores em cultura estimularam a criação do Itaú Cultural, a partir de 2009 o instituto sentiu a necessidade de iniciar um processo de "desmame da Lei Rouanet". Saron disse que era preciso que o banco aplicasse recursos próprios na manutenção do instituto, deixando os recursos via benefício fiscal para as instituições necessitadas disso. "Este ano é o primeiro em que o Itaú Cultural não utiliza nenhum recurso via Lei Rouanet, com o banco investindo o total de R$ 95 milhões nas atividades do instituto."

"A nossa preocupação é se quem usa a Lei Rouanet está deixando um legado perene para sociedade brasileira. Esse critério é fundamental para apoiarmos iniciativas em parceria com outras instituições."

Recursos humanos

Nos debates que se seguiram às apresentações, um dos temas levantados pela plateia foi a da formação de gestores culturais. Para o diretor do Itaú Cultural, a academia não dá conta da formação desses profissionais. Ele comparou a situação com o sucedido com a TV brasileira nos anos 50, 60 e 70, "com os profissionais sendo formados na prática do trabalho ou sendo recrutados no rádio".

Ele afirmou que experiências acadêmicas de formação realizadas na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Federal da Bahia "se perderam" e que muitos dos profissionais atuantes nas instituições paulistas são oriundos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. "Quem tem de dar conta são as próprias instituições, por isso o Itaú Cultural criou um curso de pós-graduação há 10 anos e agora um curso em parceria com o Instituto Singularidades."

Também respondendo a uma questão da plateia, Martins disse ter dificuldade em entender o que seja um gestor cultural: "Numa empresa é simples, o profissional tem de gerar resultados, mas as instituições culturais são muito mais complexas, não são avaliadas pelo sucesso financeiro, mas sim por seu legado, pelo impacto no público e outros fatores." Ele julga, porém, essencial que as instituições culturais se preocupam com práticas da iniciativa privada, como controle orçamentário e financeiro e políticas de recursos humanos.

Um dos participantes do ciclo quis saber de Saron se os novos dirigentes de instituições com elevados orçamentos têm dialogado com o Ministério da Cultura para a definição da política cultural. O que acontece, segundo o diretor do Itaú Cultural, é que acaba sendo papel da sociedade criar a política da área, "mas não se consegue estabelecer a espinha dorsal disso".

"O plano atual tem 53 metas, mas não temos uma agenda comum das artes visuais, teatro, cinema e música. Na Europa, mais da metade das verbas da cultura provém da arrecadação das loterias. Aqui, apenas 3% das apostas são destinados ao Fundo Nacional de Cultura. Nos últimos anos fui a cinco audiências públicas no Congresso Nacional, mas não há o que chamaríamos de uma 'bancada da Cultura'. Estamos no estágio zero, não temos nem sequer métrica, pois não há nenhuma pergunta sobre cultura nos questionários do IBGE."

Indagado por Saron sobre como vê o uso da Lei Rouanet, Martins disse que vê a situação com "muita tristeza": "A Cultura merece mais generosidade por parte do governo, que tem o papel de incentivá-la. Mas há um excesso de policiamento das instituições. A indústria automobilística conta com benefícios fiscais, mas os carros não saem da fábrica com uma placa de agradecimento a nenhum ministério, e também há uma placa desse tipo nos estádios reformados ou construídos para a Copa do Mundo. É preciso haver mais recursos para cultura e mais liberdade, flexibilidade para utilizá-los, para podermos fazer mais."

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP