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Exposição 'About Academia', de Antoni Muntadas, é aberta com mesa-redonda sobre futuro das universidades

por Mauro Bellesa - publicado 04/05/2021 14:55 - última modificação 04/05/2021 17:55

Mesa-redonda "Que Universidade Queremos?", no dia 30 de abril, marcou a abertura da exposição virtual "Antoni Muntadas: About Academia I-II, uma Interpretação Online, 2011-2017 (2021)".

Cartaz da exposição "About Academia"

Exposição

Em cartaz até 31 de outubro em www.aboutacademia.iea.usp.br, a exposição "Antoni Muntadas: About Academia I-II, uma Interpretação Online, 2011-2017 (2021)" é composta por dois conjuntos de projeções e publicações referentes às edições da videoinstalação "About Academia" produzidas por Muntadas em 2011 e 2017. Também integram o projeto a mesa-redonda de inauguração e duas outras que acontecem no dia 10 de maio.

A partir de entrevistas realizadas pelo artista com professores e alunos, o "projeto" (como Muntadas prefere chamar a videoinstalação) procura estimular a reflexão sobre o papel das universidades na atualidade - tendo como referência o contexto dos Estados Unidos -, o lugar da arte nesse cenário, as relações entre público e privado e entre tradição e contemporaneidade, o futuro das universidades e a interdisciplinaridade.

O projeto foi apresentado pela primeira vez no Center for the Visual Arts, em 2011, a convite da Universidade Harvard. Depois foi exposto em várias cidades da América do Norte e Europa.

Com a versão online atual, é a primeira vez que "About Academia"  é exibido na América Latina, graças a parceria entre o IEA, o Fórum Permanente e a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, com patrocínio do Programa de Ação Cultural (Proac) da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.

Na mesa-redonda Que Universidade Queremos?, que inaugurou a versão online da videoinstalação “About Academia” [leia no box ao lado] no dia 30 de abril, o artista espanhol Antoni Muntadas disse que seu “projeto” (como ele prefere chamar o trabalho) é uma reflexão crítica sobre a universidade americana, que possui “coisas boas e outras problemáticas”. Ele espera que o projeto contribua para o surgimento de outros formatos de universidade.

Muntadas explicou que fez 150 entrevistas de uma hora com pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade Harvard. As perguntas trataram de tópicos como academia versus universidade, privado versus público, conhecimentos versus titulação e emprego, instituição versus corporação. Para ele, “About Academia” é “um artefato que precisa ser posto em atividade”.

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Mesa-redonda
30/4/2021

 


 

Sobre Academia
Conferência de
Antoni Muntadas
18/8/2017

  • Notícia: "Artista catalão reflete sobre as relações da academia com o ensino superior"
  • Vídeo
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Algumas atividades do IEA de questionamento e promoção da universidade pública

Quanto ao método de execução do trabalho, Muntadas afirmou que o uso de entrevistas em trabalhos de campo sempre nutriu sua forma de ser e de pensar: “A entrevista é uma forma elementar para entender e receber informações”.

Além de Muntadas, participaram do encontro o antropólogo cultural e sociólogo argentino Néstor García Canclini, titular da Cátedra Olavo Setubal de Artes, Cultura e Ciência (parceria do IEA com o Itaú Cultural); o líder indígena, ambientalista e filósofo Ailton Krenak; e a educadora Macaé Evaristo, ex-secretária da Educação de Minas Gerais. A moderação foi do curador da exposição virtual, Martin Grossmann, coordenador do  Grupo de Pesquisa Fórum Permanente: Sistema Cultural entre o Público e o Privado do IEA e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. A presidência coube ao diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski.

Canclini afirmou ver "About Academia" como um estímulo a seu projeto na cátedra no IEA, "um trabalho sobre as novas formas de institucionalidade cultural em países da América Latina".

Para ele, a ciência e a tecnologia fornecem respostas às perguntas da sociedade, mas "a arte trabalha com perguntas para as quais não temos respostas", disse, em referência ao projeto de Muntadas.

"Não é muito comum alguém, depois de viver décadas nos Estados Unidos, se animar a fazer perguntas tão incômodas e difíceis para acadêmicos de primeiro nível do país", afirmou.

Canclini apresentou uma visão ampla de vários aspectos levantados pelo trabalho de Muntadas, como a questão da territorialidade das universidades, suas relações e de seus pesquisadores com o público, sua gradual transformação em empresas e a migração das atividades acadêmicas, sobretudo o ensino, para a esfera online.

"No 'About Academia II" [em 2017], aparecem chineses que ensinam e estudam nos Estados Unidos. É fundamental ter como referência o aspecto territorial da universidade, mas é preciso atentar também para a situação online: estamos passando de uma universidade estabelecida num lugar de uma cidade para outra que se irradia para o mundo."

Relacionando o projeto de Muntadas com a realidade acadêmica latino-americana, Krenak afirmou que a universidade se instalou na América Latina e se reproduziu ao longo do século 20 como uma "caixa preta": "Ali está todo o repertório, a lógica, a racionalidade, o método de medir e reproduzir o mundo. Se pensarmos nela como algo não identificável, não será exagero. A universidade latino-americana só era acessível a integrantes de famílias de proprietários de terras e políticos".

Para ele, na América Latina, as universidades "reproduziram a sociedade colonial com uma tranquilidade e naturalidade que ninguém questiona. Perpetuaram um poder colonial disfarçado de modernidade". A Constituição de 1988 não teve coragem de expandir esse espaço de senhores herdeiros a outras pessoas, segundo Krenak. "Nem os povos indígenas nem os negros do Brasil eram recebidos nas universidades."

Participantes da mesa-redonda "Que Universidade Queremos?" - 30/4/2021
Participantes da mesa-redonda:na faixa superior, a partir da esquerda, Martin Grossmann, Néstor García Canclini e Macaé Evaristo; embaixo, Antoni Muntadas, Aílton Krenak e Guilherme Ary Plonski

O ideal seria que a universidade se comprometesse com a vida e adotasse a causa dos povos onde está instalada, para que a instituição sofresse uma metamorfose, disse Krenak. Em sua opinião, cada vez mais a pesquisa é feita a partir de demandas de empresas: "Onde a ciência está? Ainda está dentro da universidade ou migrou para os gabinetes dos executivos e conselhos administrativos das empresas?".

As novas tecnologias digitais de comunicação vão "tencionar a caixa preta das universidades", disse. As atividades online vividas durante a atual pandemia exemplificam o que deverá acontecer, de acordo com ele. "Os jovens vão querer permanecer em seus territórios de origem e fazer seus estudos de forma online."

Para Krenak, as universidades têm de ser capazes de mudar a partir de dentro, para que "não se tornem no futuro maravilhosos centros de visitação, monumentos históricos muito interessantes, até com alguma função social, mas não mais um centro de produção de conhecimento, pois essa função terá sido capturada pelas corporações".

Baseada em sua experiência como professora e gestora no ensino básico público, Macaé ressaltou a importância de pensar a universidade sempre a partir das demandas dos movimentos populares. Para ela, a questão fundamental está na forma como a instituição universidade se estrutura. "No Brasil, com a exclusão de negros e indígenas, sem acesso à universidade, como eles reconhecerão uma instituição da qual não participam do ponto de vista da construção?", indagou.

Macaé citou o período em que trabalhou no Ministério da Cultura em projeto de implantação de licenciaturas interculturais indígenas. "Muitos professores indígenas contribuíram com essa discussão e hoje há licenciaturas desse tipo em várias universidades brasileiras."

No entanto, ela considera difícil pensar na criação de uma universidade indígena diante da rigidez da estrutura acadêmica, pois, apesar de haver mestres e doutores indígenas, "a universidade ainda é pouco permeável aos saberes tradicionais e como eles se organizam".

Macaé enfatizou a necessidade de mudanças para a inclusão de negros e indígenas na academia: "Queremos a universidade, mas não essa que olha para a gente e nos desconecta. Queremos construir uma universidade que nos respeite como sujeitos coletivos, respeite nossa produção intelectual e nossas relações sociais, econômicas e humanas. Queremos subverter a universidade, primeiro com a presença de nossos corpos, e isso já é uma revolução".