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As dificuldades para a formulação e implantação de políticas públicas ambientais

por Mauro Bellesa - publicado 17/04/2015 00:00 - última modificação 26/06/2015 18:11

A coordenadora do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade, Neli Aparecida de Mello-Théry, responde a perguntas sobre os principais temas debatidos nas mesas-redondas do seminário "Mudanças Ambientais Globais, Planejamento e Políticas Públicas".
Neli Aparecida de Mello-Théry
Neli Aparecida de Mello-Théry, coordenadora do seminário Mudanças Ambientais Globais, Planejamento e Políticas Públicas

O Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidade e Sociedade realizou, de 23 a 27 de março, o seminário Mudanças Ambientais Globais, Planejamento e Políticas Públicas, com o objetivo de analisar os desafios das intervenções políticas ligadas à governança ambiental e ao planejamento territorial.

Durante os cinco dias do seminário, aconteceram 15 exposições, três mesas-redondas, três oficinas e quatro sessões para reuniões de grupos de trabalhos. Participaram pesquisadores de universidades do Brasil, Argentina, Peru, Colómbia, México e Estados Unidos, além de alunos da graduação e pós-graduação da USP.

Na entrevista abaixo, a coordenadora do grupo, Neli Aparecida de Mello-Théry, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, responde a perguntas sobre alguns dos temas que se destacaram durante as mesas-redondas do seminário.

Uma das discussões mais relevantes do encontro girou em torno da dúvida sobre a capacidade dos pesquisadores em elaborar políticas públicas na área ambiental que sejam implantáveis do ponto de vista dos interesses governamentais. O problema está no governo, nos pesquisadores ou nos dois?

Creio que o problema está nos dois e, além disto, a questão da própria natureza do que é o meio ambiente: quando falamos em meio ambiente e sua proteção, estamos falando do bem comum, da ética, e falando em nome de gerações futuras, o que é totalmente anacrônico. Como podemos saber o que querem as gerações futuras? Mas, pensamos por elas, em nome de um processo mais sustentável. Há também uma dificuldade em se elaborar politicas ambientais por conta da dificuldade teórica e metodológica (disciplinar e interdisciplinar).  Do lado do governo, o meio ambiente é marginal e não prioritário diante da economia, apesar do discurso que afirma, muitas vezes, que a politica/plano de governo é sustentável. O meio ambiente ainda é visto como fator que impede o desenvolvimento. Alem destes aspectos, é preciso considerar que a implantação de uma politica ambiental tem um custo elevado, econômico e político.

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Notícia

Falou-se, durante o evento, da intersetorialidade das políticas públicas ambientais. Quais são os principais empecilhos para que isso ocorra no três níveis da administração pública?

A Constituição definiu que as obrigações de política ambiental fossem divididas, de forma "concorrente", entre os três níveis de governo, mas, durante longo tempo, este "concorrente" significou competição. Atualmente os limites da ação de um governo (municipal, estadual ou federal) já são reconhecidos (discutiu-se muito o pacto federativo até que muitos estados acabaram estabelecendo com a União os compromissos de cada um). No que diz respeito ao tema mudança climática, este ainda é dependente de muito avanço no conhecimento, sobretudo sobre as articulações entre os fatos físicos e os sociais. O clima foi estudado por climatólogos, principalmente, e cientistas das áreas matemáticas e físicas; durante anos da execução de projetos internacionais sobre o tema, as ciências humanas não eram nem convidadas a participar, nem aceitas. Portanto, a formação mais ampla de cientistas sociais para a temática é muito recente. Sintetizando, os empecilhos são: a) competição entre os níveis de governo; b) falta de conhecimento; c) falta de recursos humanos, técnicos e financeiros; d) falta de vontade politica.

Várias realidades, pesquisas e iniciativas sobre problemas ambientais de comunidades e regiões de diversos países foram analisadas no encontro. No entanto, deve-se considerar que há vários anos as mudanças globais em função de alterações no clima foram incorporadas a agenda geopolítica regional e internacional. Em que medida as políticas públicas sobre problemas ambientais podem e/ou devem se conformar às necessidades de empoderamento de cada país nas negociações internacionais?

De fato, costumo dizer que a ordem ambiental internacional se estabeleceu no final do seculo passado: a problemática ambiental entrou de fato na agenda politica e geopolítica internacional. E o fato de o tema ser tratado internacionalmente permite dar visibilidade no nível local, por isso ele se retroalimenta. Há muitos locais que já elaboraram suas politicas e outros ainda não; mas, a ocorrência de pressão promove uma maior visibilidade. Os diversos locais podem se beneficiar e avançar na constituição de estudos regionais e locais mais precisos e também estabelecer formas de ação das populações e dos governos. No entanto, a população em geral ainda está distante: em uma pesquisa recente sobre os impactos das mudanças climáticas na agricultura de Mato Grosso, as respostas que obtive foram as que apontavam para um clima generoso no Brasil luminosidade, calor, temperatura e chuvas normais – e a não necessidade de se fazer nada! apesar de que os dados de chuva já mostram concentrações no tempo e no espaço e reduções em quantidade.

As dificuldades de comunicação entre os cientistas sociais da área ambiental com o público em geral e com a própria imprensa foram destacadas em algumas discussões. Por que isso ocorre? Não era de se esperar que os pesquisadores da área naturalmente dedicassem parte considerável de seu esforço ao aprimoramento de sua capacidadde comunicativa, dada a relevância social de seus temas de trabalho?

Na medida em que cada cientista se aprofunda em sua área, mais ele sente necessidade de aprofundar buscas e reflexões sobre o tema estudado e vai tornando sua linguagem cada vez mais especifica e difícil de entender por um publico mais amplo. Sendo meio ambiente um tema tratado por diversas ciências, o pesquisador tem que ser transversal, multi e interdisciplinar. O exercício de criar uma linguagem que seja compreendida entre os cientistas naturais, sociais e políticos é difícil, mas aos poucos vai avançando.

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP