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Paulo Herkenhoff e Helena Nader: diálogo entre arte e ciência em defesa da educação

por Mauro Bellesa - publicado 02/04/2019 13:35 - última modificação 10/04/2019 13:56

Em cerimônia na Sala do Conselho Universitário, no dia 28 de março, o curador, historiador e crítico de arte Paulo Herkenhoff e a bioquímica Helena Nader, professora da Unifesp, tomaram posse como os novos titulares da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência.

Cerimônia de posse de Paulo Herkenhoff e Helena Nader na Cátedra Olavo Setubal - 28/3/2019
Solenidade de posse de Paulo Herkenhoff e Helena Nader e encerramento da titularidade de Eliana Sousa Silva realizou-se na Sala do Conselho Universitário
Em cerimônia fortemente marcada pela defesa das artes, da ciência, da educação e da cultura em geral, no dia 28 de março, o curador, historiador e crítico de arte Paulo Herkenhoff e a bioquímica Helena Nader, professora da Unifesp, tomaram posse como novos titulares da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência.

Prestigiado por dirigentes e docentes da USP, de outras universidades e de instituições culturais, o evento na Sala do Conselho Universitário foi aberto pelo professor Martin Grossmann, coordenador acadêmico da cátedra e ex-diretor do IEA. Ele afirmou que o inusitado da escolha de dois titulares para este ano, um ligado às artes visuais e outro à ciência, em vez de apenas um como nos três anos anteriores, reflete o interesse da cátedra em trabalhar como “um laboratório de interdisciplinaridade que almeja à transdisciplinaridade”.


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Vice-diretor do IEA e atual coordenador do Conselho Diretivo da rede internacional Ubias, que congrega 42 IEAs de universidades de todos os continentes, Guilherme Ary Plonski destacou que uma das propostas desses institutos é aumentar a porosidade de suas universidades, criando canais de comunicação e envolvendo o tecido dessas instituições. “Cátedras como a Olavo Setubal são essenciais para essa porosidade.”

Plonski relacionou o perfil da cátedra e seu patrono. Para ele, assim como Olavo Setubal foi empreendedor, industrial, banqueiro, prefeito e chanceler, é natural que a cátedra trate simultaneamente de arte e ciências com os novos titulares.

Educação cultural

Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, instituição parceira do IEA na cátedra e sua patrocinadora, destacou a importância dos dois novos titulares em seus campos de atuação: “Paulo é o mais importante curador vivo brasileiro das artes visuais; Helena é uma cientista que entende a importância de a pesquisa se aproximar da sociedade”. Ao nomear os dois como titulares, a cátedra demonstra sua preocupação com “as relações entre ciência e sociedade e com a educação cultural”, acrescentou.

Mesmo considerando importante a democratização do acesso à arte e à cultural em geral, Saron afirmou que é preciso haver uma reorganização em busca de um novo paradigma, no qual “a democratização não pode prescindir da participação”.  Em consonância com esse pensamento, ele lembrou que o artigo 27 da “Declaração dos Direitos Humanos” define como um direito a participação de toda pessoa na vida cultura, inclusive no progresso científico.

A educadora Maria Alice Setubal representou a família de Olavo Setubal na cerimônia. Ela disse ser muito significativa a escolha de Herkenhoff com um dos titulares, ressaltando a atuação de seu pai como colecionador de arte. Também no caso da nomeação de Helena como nova titular, Maria Alice viu uma confluência com as preocupações de Olavo Setubal: “Num momento em que o conhecimento é tão desqualificado, é muito significativo que a cátedra eleja a questão da ciência como uma de suas preocupações. Meu pai era muito iluminista. No entanto, não valorizava qualquer conhecimento, e costumava dizer que ‘ética é inegociável’. Portanto, estamos falando aqui de conhecimento e valores.”

Maria Alice Setubal - 28/3/2019
Maria Alice Setubal representou a família do patrono da cátedra
Assim como os demais oradores, Maria Alice elogiou o trabalho desenvolvido pela educadora e ativista cultural e social Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, em seu período como titular da cátedra, encerrado com a posse dos novos titulares. Mesmo com o término de sua titularidade, Eliana continuará atuando no IEA, a partir de agora como professora visitante, o que lhe permitirá dar continuidade aos projetos desenvolvidos em 2018 e início de 2019.

Coube à bioquímica Regina Pekelmann Markus, professora do Instituto de Biociências e conselheira do IEA, fazer o discurso de saudação a Helena Nader. A fala de Regina foi apresentada em vídeo, uma vez que ela estava fora do país. Elas são amigas desde 1967, quando ingressaram no curso da bioquímica da então Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde Helena é professora titular desde 1989.

Regina destacou a dedicação de Helena à pesquisa – ela é uma das maiores especialistas do mundo em heparina e heparan sulfato, substâncias produzidas pelo tecido animal importantes na anticoagulação e processos de desenvolvimento.

Liderança acadêmica

A atuação de Helena como liderança acadêmica também foi frisada por Regina, lembrado que esse papel “a levou a se tornar pró-reitora de Graduação e ao enfrentamento de inúmeras dificuldades para criar o exame vestibular da Unifesp”.

Disse ainda que Helena “assumiu a causa da política científica e tecnológica brasileira” quando surgiu um movimento em busca de novas lideranças na SBPC, sendo eleita vice-presidente da instituição em 2007, a partir de indicação da própria Regina. Helena foi vice-presidente por dois mandatos, até 2011, e em seguida foi eleita presidente da SBPC, por três mandatos (2011-2017).

Bastante emocionada com as palavras de Regina, Helena lembrou a preocupação do cientista e novelista britânico Charles Percy Snow nos anos 50 com a divisão da vida intelectual entre uma cultura da ciência e outra das humanidades e das artes.

“No Iluminismo, o racionalismo passou a ver a ciência como o método correto de ver o mundo”, afirmou. No entanto, ela considera que as barreiras entre a ciência e a arte “estão deixando de existir, pois há apenas um mundo lá fora”.

Um dos vários trabalhos de diálogo entre ciência e arte citados por Helena foi o da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) no “tratamento humanizado” de portadores de doenças psíquicas por meio da produção artística. “Ela usou a arte como resposta ao sofrimento psíquico”.

Helena Nader e Paulo Herkenhoff - 28/3/2019
Helena Nader e Paulo Herkenhoff: parceria entre ciência e arte

Tríade
Para Helena, a ciência e a arte devem ser completadas pelo direito de todos à educação, “para que se forme uma tríade em favor de um mundo solidário e justo”.

A promoção da inter e da transdisciplinaridade em iniciativas como a Cátedra Olavo Setubal é de suma importância para o Brasil, disse Helena, ainda mais num momento em que “se questiona a ciência e o desenvolvimento intelectual, fala-se em terraplanismo, há uma negação dos corpos e um pseudomoralismo nas artes a partir de valores não compartilhados”. A seu ver, “estamos diante do desafio de enfrentar uma cultura hegemônica e totalitária que não aceita a diversidade”.

Paulo Herkenhoff foi saudado pelo economista Luiz Chrysostomo, conselheiro do Museu de Arte do Rio (MAR), concebido por Herkenhoff, que também foi o primeiro diretor da instituição (2013-2016). Ele falou sobre a intensidade, método, interesses e preocupações do catedrático em seus trabalhos em várias áreas ligadas às artes visuais desde os anos 70.

Chrysostomo relembrou diversas realizações de Herkenhoff que marcaram o panorama artístico brasileiro, como a curadoria-geral da 24ª Bienal de São Paulo (1998), também conhecida como a “Bienal da Antropofagia", e a restauração e revitalização do Museu Nacional de Belas Artes, quando foi seu diretor (2003-2006).

Além do trabalho como gestor e curador, Chrysostomo destacou ainda a atuação de Herkenhoff no resgate de artistas concretistas e da contribuição de vários modernistas e contemporâneos, o trabalho com várias coleções e a produção de obras de crítica e história da arte. “Só nos últimos 20 anos foram cerca de cem publicações sobre pintura, desenho, fotografia, escultura, mobiliário e instituições.”

“Aos 70 anos, só me interessa o que não sei. Tenho pouco tempo para o que sei. Isso é uma oportunidade para desenvolver o diálogo”, disse Herkenhoff no início de seu discurso, acrescentando que seu trabalho na cátedra em parceria com a ciência já começou: “Estou terminando um livro sobre o estilo do pintor Fernando Lindote, mas, depois de uma conversa com Helena, vou ter de reescrever um capítulo”.

Eliana Sousa Silva - 28/3/2019
Eliana Sousa Silva continuará a desenvolver projetos ligados à cátedra

Nova barbárie

Herkenhoff classificou o período atual do país como uma nova barbárie. “É preciso se preparar e reagir a ela.” A partir de dois sentidos usuais do verbo “conter”, ele disse que o momento exige respostas à pergunta “o Estado pode conter o indivíduo, a sociedade civil?”.

Para ele, o Estado não pode impedir a busca da igualdade, a criação simbólica e o pensamento científico, bem como não pode abranger os sonhos dos indivíduos e da sociedade: “O Estado não pode conter o que a sociedade pensa.”

Em relação à Lei Rouanet, ele defendeu a descentralização geográfica dos patrocínios. “Acho que a descentralização via Pontos de Cultura não foi levada à sua plenitude no plano geográfico”. Em sua opinião, é preciso pensar em como aplicar distributivamente os benefícios da Lei Rouanet. Ele sugeriu a criação de um mecanismo no qual para cada centavo doado por uma empresa o Estado abateria mais um centavo para um fundo nacional, tendo em vista a redistribuição.

Em sua fala de despedida como titular, Eliana disse que ao ser convidada a integrar a cátedra ficou com dúvidas de como seria sua inserção no Instituto, mas que elas se dissiparam com acolhimento, abertura e colaboração que teve de todos, dirigentes da Universidade e do IEA, pesquisadores e funcionários.

Periferia

Ela lembrou que na primeira conversa que teve com o reitor Vahan Agopyan, este manifestou que uma de suas prioridades de gestão era buscar uma aproximação com as comunidades vizinhas à USP. “A periferia é potência e pode contribuir na reflexão sobre a relação da universidade com a sociedade”, afirmou Eliana.

Os três projetos encabeçados por ela que terão continuidade são: o ciclo Centralidades Periféricas, com seminários com artistas e produtores culturais das periferias de várias grandes cidades do país; o censo das comunidades Jardim São Remo, Jardim Keralux e Vila Guaraciaba; e a criação de uma plataforma digital para reunir toda a produção acadêmica da USP sobre a periferia.

Ao finalizar, Eliana disse esperar que sua contribuição com a cátedra colabore para que a USP “se torne mais negra e menos desigual”.

Vahan Agopyan - 28/3/2019
Vahan Agopyan: ''As boas universidades incomodam porque estimulam as pessoas a pensar''
Sociedade

O reitor Vahan Agopyan destacou a importância de cátedras como a Olavo Setubal e outras existentes na universidade como instrumentos de interação com a comunidade externa à USP. “Estamos convivendo com ataques diários à universidade pública, gratuita e de qualidade. Precisamos ter o apoio da sociedade para que forças que se sentem incomodadas não tenham a ousadia que estão tendo no momento. Nós incomodamos sim. Todas as boas universidades do mundo incomodam, pois cometemos o grande crime de estimular as pessoas a pensar”, disse.

A ênfase a ser dada na educação como componente essencial para que o desenvolvimento artístico, científico e cultural do país - fator destacado nas falas de Eliana, Helena e Herkenhoff -, foi ressaltada por Agopyan num histórico resumido sobre a transformação de São Paulo de província pobre a estado líder do país economicamente.

Ele lembrou a criação de cursos técnicos com a implantação do Liceu de Artes e Ofícios e na Escola de Comércio no século 19, as faculdades de várias áreas que se somaram à de Direito, a criação da USP, da Fapesp, da Unesp e da Unicamp, além da autonomia financeira e administrativa conquistada pelas universidades estaduais do estado em 1989. “A elite paulista acreditou na educação como fermento para o desenvolvimento”, finalizou.

Fotos (a partir do alto): primeira, Marcos Santos/Jornal da USP; demais, Fernanda Rezende/IEA-USP