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Poucos matriculados em licenciatura e taxas de desistência demonstram falta de interesse na carreira de professor

por Vinícius Sayão - publicado 01/09/2017 14:35 - última modificação 22/09/2017 15:18

Cursos que formam professores possuem apenas 18,4% do total dos alunos de graduação do país.Taxa de desistência em cursos como pedagogia e matemática é alta
Educação Básica - Nílson Machado
Para Nilson Machado, um dos organizadores do seminário, quanto mais preparado é o professor, mais ele se afasta da profissão

A falta de pessoas interessadas em seguir a carreira de professor é talvez uma das principais causas da má qualidade do ensino básico no Brasil. “Faltam pessoas querendo dar aula, faltam condições para atrair essas pessoas. O sistema faz com que quanto mais preparado é o professor, mais ele se afaste e trabalhe com outra coisa”, afirmou Nilson Machado, coordenador do Grupo de Estudos "Educação Básica Pública Brasileira: Dificuldades Aparentes, Desafios Reais", que organizou o encontro Magistério na Educação Básica Pública: Qual o perfil? Quais as condições de trabalho?, realizado no dia 21 de agosto no IEA.

O seminário reuniu pesquisadores e educadores e marcou o início das atividades do grupo. Este foi o primeiro de uma série de cinco encontros previstos para acontecer até o final deste ano sobre problemas da educação básica brasileira, que compreende educação infantil, ensino fundamental, ensino médio geral, ensino médio técnico e a Educação para Jovens e Adultos (EJA). Nos seminários seguintes serão abordados os temas: qualidade da educação, experiências inovadoras, tecnologias na educação, documentos reguladores (planos, currículos, base nacional comum).

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Maria Inês Fini, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apresentou dados que ilustram a carência de interessados em seguir a carreira de professor. Segundo o Censo da Educação Superior, entre 2005 e 2015 o número de matriculados em cursos de licenciatura pouco aumentou em comparação ao crescimento do número de alunos nos cursos de bacharelado e tecnológicos. Em 2015, menos de 1,5 milhão de alunos estavam matriculados nos cursos de licenciatura, apenas 18,4% do total, enquanto os alunos de bacharelado representaram quase 70% dos matriculados em graduações.

Outro dado do censo mostra o aumento da taxa de desistência dos graduandos de licenciatura. Só em pedagogia – curso que possui quase metade dos alunos de licenciatura do país –, a taxa de desistência aumentou de 9,9% em 2010 para 29,6% em 2015. Neste mesmo ano, no curso de matemática, mais da metade dos alunos desistiu da graduação.

Com a falta de professores, muitos são forçados a lecionar disciplinas nas quais não possuem formação. Segundo pesquisa da educadora Bernadete Gatti, que também participou do debate, no Brasil apenas 46% dos professores têm licenciatura na disciplina que lecionam, ou seja, mais da metade dos professores do país não tem formação específica na matéria que ensina. Na região Nordeste o número é ainda pior: apenas 24,7% dos docentes têm licenciatura na disciplina que lecionam. Número bem abaixo do Sudeste, onde 63,1% ensinam a disciplina de sua formação.

Educação Básica - Bernardete Gatti
Bernadete Gatti: “Sem uma formação inicial coerente, o professor já adentra a sala de aula com dificuldades"

Estrutura curricular das licenciaturas

As altas taxas de desistências dos licenciandos também levantam a questão da qualidade da estrutura curricular dos cursos de licenciatura. Bernadete Gatti comentou que é preciso entender que formar um educador é diferente de formar um físico, um sociólogo ou um crítico literário. Para ela, professor é aquele que deve oferecer instrução, criar ambiente de aprendizagem e desenvolver formações humanas, com valores, atitudes e relações interpessoais.

“Sem uma formação inicial coerente, o professor já adentra a sala de aula com dificuldades. Sai do curso de pedagogia e já enfrenta a responsabilidade de ensinar a dezenas de crianças os primeiros passos da nossa linguagem”, afirmou Bernadete. “É preciso reformar os cursos de licenciatura porque eles não estão atendendo a necessidades de qualidade do profissional de educação”, completou.

Ainda segundo a educadora, os cursos de licenciatura precisam prover formação que responda a diferentes contextos e níveis educacionais, sempre integrando formações teóricas com práticas sociais e educacionais, além de utilizar formas de comunicação didáticas em consonância com os meios tecnológicos.

Ela ressalta ainda que “política educacional deveria ser política de Estado de longo prazo, de longa vigência, porque leva pelo menos duas gerações para se estruturar. Cada um que entra lá, quer mudar tudo. Não temos consistência nem continuidade nessas políticas."

Novo modelo da UFSB

Educação Básica - Naomar Monteiro
Naomar Ferreira é o atual reitor da UFSB, que implantou novo modelo de ensino nos cursos de licenciatura

Com o objetivo de desconstruir a educação superior como fator de exclusão e integrar a Universidade ao campo social da Educação, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) vem testando um novo modelo de ensino. Naomar de Almeida Filho, atual reitor temporário da Universidade, explicou melhor como funciona esse modelo no seminário. Na UFSB, nos cursos de licenciatura, os alunos não entram diretamente nos cursos profissionais, entram na Área Básica de Ingresso (ABI), onde têm um tempo de preparação e “maturação de escolha”

Em seguida fazem escolha entre cinco áreas básicas interdisciplinares - linguagens, códigos e suas tecnologias; matemática, computação e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; artes e suas tecnologias. No segundo ciclo é que terão as habilitações específicas. Com grade flexível, o aluno pode escolher, sempre orientado, como preencherá o seu currículo até o fim da graduação.

Outra mudança em relação ao sistema tradicional é quanto ao período letivo. Na UFSB, o regime é quadrimestral. Almeida explica que a preferência pelos quadrimestres foi depois de perceberem que as universidades brasileiras ficam ociosas em quase cinco meses do ano, devido ao “formalismo de seus calendários”.

A UFSB possui também o chamado “Sistema Integrado de Aprendizagem Compartilhada”, no qual alunos de diferentes quadrimestres têm aulas juntos. “Se você faz uma turma com alunos com a mesma experiência e maturidade, a interaprendizagem é prejudicada”, explicou o reitor. Ele ressalta ainda que, com esse formato, alunos dos últimos quadrimestres podem tutorar os mais novos.

Yvonne Mascarenhas, professora honorária do IEA, lembrou, com o exemplo da UFSB, as Science High Schools nos EUA, que são escolas pra quem tem interesse em tecnologia. Nelas a ideia é o learn by doing, ou seja, não aprender somente teoricamente, tomando notas, mas colocando o que aprendeu em prática. "É preciso essa revolução nos métodos de educação, na qual o professor seja mais um mentor dos seus alunos”, concluiu.

Fotos: Leonor Calasans / IEA-USP