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Debate destaca medidas estruturais para a superação da crise da USP

por Mauro Bellesa - publicado 05/11/2014 15:40 - última modificação 04/08/2015 10:04

Participantes do encontro discutiram propostas para a Universidade e para todo o conjunto de instituições de ensino superior do Estado de São Paulo.

Debate "Reflexões sobre a Crise da USP
Objetivo do encontro foi promover uma discussão prospectiva sobre a Universidade

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A USP precisa repactuar seus vínculos com a sociedade paulista para que a definição do que ela é e quais objetivos deve perseguir atenda aos anseios da população.

Esse compromisso institucional, porém, deve integrar as diretrizes de um plano diretor que articule todas as instituições acadêmicas do Estado, sejam elas federais, estaduais ou municipais, públicas ou privadas.

Além disso, deve ser avaliada a criação de um conselho orientador composto de membros externos à USP.

Essas medidas devem ser acompanhadas de mudanças nas instâncias de representação na Universidade, descentralização das decisões, diversificação de critérios de avaliação de acordo com as áreas de saber, avaliação criteriosa projetos, cursos, docentes, estudantes e funcionários e estímulo permanente ao diálogo entre os vários segmentos da comunidade uspiana.

Essas foram as principais ideias com apoio preponderante entre os debatedores do encontro "Reflexões sobre a Crise da USP", promovido pelo Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (Nupps) e pelo IEA no dia 3 de outubro.

Os debatedores foram Carlos Henrique de Brito Cruz (diretor científico da Fapesp), José Álvaro Moisés (FFLCH, NUPPs e IEA), José Arthur Giannotti (FFLCH e Cebrap), José Eduardo Krieger (pró-reitor de Pesquisa da USP), José Goldemberg (IEE, IEA e ex-reitor da USP), Elizabeth Balbachevsky (FFLCH, NUPPs e IEA), Eunice Durham (FFLCH, NUPPs e IEA) e Martin Grossmann (diretor do IEA).

Eunice Durham
Eunice Durham
Elizabeth Balbachevsky
Elizabeth Balbachevsky

Na abertura da discussão, José Álvaro Moisés, coordenador do Nupps e do debate, disse que as questões ressaltadas recentemente pela crise financeira – e a consequente greve de quatro meses de parte dos funcionários e docentes – remetem a questões de fundo que têm dificultado à USP enfrentar as transformações na sociedade: "A hora é de uma reflexão aprofundada, menos conjuntural e mais prospectiva, mais voltada para o longo prazo".

Segundo Eunice Durham, a Universidade sofre do defeito de modelo único. "A contratação de um professor de piano deve obedecer a critérios diferentes da contratação de um professor de física e, além disso, universidade deve ter flexibilidade para contratar um poeta, por exemplo".

Ela considera que as formas de representação devem ser revistas, inclusive com "a eliminação da superposição de conselhos nos processos de tomada de decisão e a redução de números de conselheiros, que deveriam ser um por unidade". Também defendeu a revisão da estrutura hierárquica, a descentralização decisória e a melhoria da qualificação de funcionários para atividades de apoio à pesquisa (correspondência estrangeira, produção de relatórios e prestação de contas de projetos).

Para Elizabeth Balbachevsky, há uma crise de perfis de governança nas universidade latino-americanas, "que estão bastante arcaicas, refletem um modelo de universidade que não existe mais, insulada da sociedade". Na opinião da pesquisadora, hoje a universidade deve estar no centro da economia, "ela foi tragada para o centro da produção, mesmo na China". Elizabeth chamou o modelo brasileiro de universidade pública de "delegação cega", na qual "o Estado entrega os recursos e considera que, seja o que for que a Universidade faça, é do interesse do Estado, e essa não é mais a realidade em nenhum  lugar do mundo".

Ela afirmou que o modelo de autonomia existente "cria dinâmicas centrífugas, em concordância com os interesses dos stakeholders internos". Elizabeth defende adoção de um canal estável de negociação na forma de um conselho de orientação, citando como exemplo o Board of Trustees da University of California, nos EUA: "O board é um espaço de negociação entre os interesses da universidade e os interesses da sociedade".

José Arthur Giannotti
José Arthur Giannotti
Carlos Henrique de Brito Cruz
Carlos Henrique de Brito Cruz

José Arthur Giannotti disse que em primeiro lugar a Universidade deve definir para o que ela serve e quais são seus objetivos. Em segundo lugar, defendeu a elaboração de uma política do governo para o ensino superior: "A autonomia foi um logro, do tipo 'dou o dinheiro e não me venha mais encher a paciência'; precisamos de uma política de longo prazo".

Ele defendeu também a implantação de mais mecanismos de avaliação em todos os níveis: de professores e projetos a funcionários e estudantes. Além disso, lamentou o fato de "as relações pessoais na universidade estarem se tornando delinquentes, com a dissolução do direito ao pensamento diferente".

Para Carlos Henrique de Brito Cruz, que disse participar do debate como docente de uma universidade pública e não como diretor científico da Fapesp, é importante ressaltar que as três universidades do Estado apresentam enormes realizações na sua trajetória. "Sem elas, São Paulo e o Brasil seriam muito piores". Por isso e por terem potencial para mais contribuições, "às vezes as três são colocadas sob uma expectativa ideal que elas não possuem, e isso gera uma enorme pressão".

Ele destacou que, especialmente depois da autonomia, não se pensou mais em repactuar o que a sociedade deve esperar dessas instituições e, além disso, autonomia é diferente de independência. Brito Cruz defende que se promova uma reorganização do ensino superior no Estado de São Paulo, a exemplo do que foi feito no início dos anos 60 na Califórnia, sob a liderança do então reitor da University of California, quando as demandas eram similares às atuais no cenário paulista. Ele defende que a rede federal e o sistema privado de São Paulo sejam ampliados, que as universidades estaduais e as Fatecs viabilizem formas de colaboração mútua, bem como a articulação das instituições municipais com todo o sistema.

José Eduardo Krieger
José Eduardo Krieger
José Goldemberg
José Goldemberg

José Eduardo Krieger, que também frisou que suas manifestações no debate eram pessoais e não representavam necessariamente as opiniões da Administração da Universidade, disse que, ao se começar a falar em crise, não sabia se sentia orgulho ou vergonha, "pois o país possui mais de 100 instituições de ensino superior e uma delas, a USP, produz 23% de todas as pesquisas realizadas. Isso é motivo de orgulho e ao mesmo tempo representa algo anacrônico", considerando-se o sistema de ensino superior do país.

Krieger indagou como é possível que a USP apareça em primeiro no país em qualquer tipo de indicador e ao mesmo tempo seja considerada em crise. Para ele, a resposta está no fato de a Universidade ter se tornado um ambiente hostil à divergência e nas dificuldades que ela tem para tornar públicas suas realizações.

José Goldemberg, que preside a Comissão Coordenadora das Comemorações dos 80 anos da USP, considerou que as dificuldades da USP devem-se ao fato de ela ser uma universidade de primeiro mundo, com um custo de US$ 20 mil por aluno, mas estar incrustada num país do terceiro mundo. Ele disse que "é preciso ter a coragem de pensar na criação de um conselho externo, iniciativa que poderia começar a abrir um campo de discussão". Além disso, acredita que a formulação de um plano diretor para o ensino superior estadual "protegeria a universidade de demandas políticas".

Quanto às dificuldades que a Universidade apresenta para reconhecer e publicizar suas realizações, relatou que fez uma experiência na comissão: enviou uma carta aos diretores de todas as unidades na qual solicitava que enviassem um texto com 10 páginas sobre as contribuições de sua unidade para a pesquisa e para a formulação de políticas públicas. "O resultado foi que 10% deles não tinham a menor ideia do que acontecia em suas unidades".

Martin Grossmann
Martin Grossmann
José Álvaro Moisés
José Álvaro Moisés

Quanto à repactuação dos objetivos da USP com a sociedade, Martin Grossmann comentou que a Universidade tem dificuldade de ouvir a sociedade e ser ouvida por ela: "Os contribuintes sabem que a USP existe, mas não sabem o que ela faz". Para ele, isso reflete o fato de a instituição ser um enclave de primeiro mundo.

Grossmann sublinhou que um plano diretor para o ensino superior em São Paulo deve ser desenvolvido como política de Estado, não de governo. Lamentou que a formulação dessa política não tenha sido uma preocupação quando da concessão da autonomia às universidades estaduais paulistas. Criticou também o fato de não haver representantes da sociedade civil na maioria dos conselhos, "nem sequer de representantes dos artistas nos museus".

No encerramento das exposições, José Álvaro Moisés ressaltou que a relação da Universidade com a sociedade e com o governo é uma questão central a ser aprimorada. Também destacou a importância da formulação de um plano diretor para o ensino superior estadual, bem como de reformas na governança e da busca de fontes alternativas de recursos. Outro aspecto enfatizado por Moisés é a necessidade de melhoria da convivência entre os vários segmentos da comunidade uspiana, para que o compartilhamento de experiências beneficie a todos.

Fotos: Sandra Codo/IEA-USP