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Darwin e sociedade - complexidade nas ciências - Antropoceno e ciências sociais: entrevista com José Eli da Veiga

por Mauro Bellesa - publicado 25/04/2025 09:00 - última modificação 23/05/2025 15:37

Em entrevista para a série 3por1, economista José Eli da Veiga fala sobre Darwin e sociedade, complexidade nas ciências e a adoção do Antropoceno pelas ciências sociais.

José Eli da Veiga - 3por1O economista José Eli da Veiga considera a teoria darwiniana uma referência para a análise de qualquer sociedade, questiona a existência de uma teoria da complexidade e afirma que o Antropoceno foi abraçado pelas ciências sociais, mesmo sem a chancela da geologia. Esses comentários estão em entrevista que concedeu para a série 3por1.

Ele é professor sênior do IEA e professor titular aposentado da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP. A formação acadêmica de Veiga ocorreu na França, de 1969 a 1979. Tornou-se doutor pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbone. É colunisa do jornal Valor Econômico e da Rádio USP. Seus livros mais recentes são "O Antropoceno e o Pensamento Econômico" (2025), "O Antropoceno de as Humanidades" (2023) e "O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra" (2019).

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Entrevista

3por1 – Professor José Eli da Veiga, a utilização da teoria evolucionista como referência para a análise dos processos econômicos capitalistas é viável também para sociedades socialistas?

JEV – Não existe sociedade socialista, então, a grande questão é se é viável para a sociedade. E aí, queria principalmente chamar a atenção para o fato de que a principal obra de Darwin não é valorizada pelos ditos darwinistas. Ele escreveu em 1871, 12 anos depois de ter escrito a obra badalada “A Origem das Espécies”, uma obra cuja tradução correta do título seria “A Filiação do Homem”, que é uma antropologia, uma antropologia darwiniana. E ela ficou completamente relegada. Os chamados darwinistas não se interessaram por isso. É muito recente que se esteja recuperando essa antropologia de Darwin para que se façam análises, principalmente das civilizações e processos evolucionários.

3por1 – Ainda que uma teoria consistente da complexidade ainda seja uma quimera, segundo vários pesquisadores, os pressupostos atuais de suas vertentes podem ser úteis para a análise da emergência de fenômenos nas ciências naturais e sociais?

JEV – Difícil dizer, porque hoje o que existe sobre a complexidade, ciência da complexidade, teoria da complexidade, o que se queira, é uma verdadeira Torre de Babel. Tem muito pouca coisa que permita você enxergar um arquipélago no meio de um grande oceano. Então, a minha tendência, depois de ter feito uma longa série de conversas aqui no IEA, 12 sessões, a conclusão a que cheguei é que é muito importante dar atenção a um livro de [Fritjof] Capra com [Pier Luigi] Luisi (um físico menos conhecido que Capra) que deveria ser mais valorizado no Brasil. Existe a tradução brasileira desde 2003. O título é “A Visão Sistêmica da Vida”. Nesse livro, eles defendem a ideia de que o que existe mesmo é uma teoria matemática da complexidade. Para que a gente evolua para teorias científicas mais avançadas etc., essa teoria matemática ajuda, mas não há ciência da complexidade como alguns gostariam que existisse.

3por1 – Além da importância para a história geológica da Terra e de ajudar a combater os negacionistas das mudanças climáticas, um possível estabelecimento do Antropoceno como a atual época geológica pode trazer outros benefícios?

JEV – É uma pena que a coisa tenha ido para o lado da geologia. Veja bem, quando nasceu a proposta de dizer o Holoceno acabou, vamos procurar entender que nós estamos no Antropoceno, nasceu de uma reunião justamente de um programa que juntava pesquisadores das geociências e da biociência. Era o Programa [Internacional] Geosfera-Biosfera. Foi ali que nasceu o que foi chamado de ciência do sistema Terra. A meu ver, seria mais correto dizer ciência do complexo Terra, porque, infelizmente, usa-se demais a expressão “sistema”, sem que isso seja um conceito. Na verdade, no caso da Terra, é óbvio que existem inúmeros sistemas e uma parte deles são sistemas complexos. Bom, o que aconteceu foi o seguinte: como a geologia tem uma tradição de ter essa coisa muito formalizada, a cronologia da história da Terra, sobrou para eles, e eles não conseguiram até agora concluir que existam de fato evidências, só que para todas as outras ciências é mais ou menos óbvio que houve uma mudança há uns 80 anos, mais ou menos. Inclusive, entre os historiadores, isso é chamado de A Grande Aceleração. Antropoceno, na verdade, é uma tese, um conceito, uma proposta que hoje independe da geologia, que é o menos importante. Ela conquistou totalmente as humanidades em geral e outras ciências. Foi um choque para todos quando os geólogos disserem “ah, não temos evidências suficientes”. Isso aconteceu no meio do ano passado.

Entrevista gravada em 21 de janeiro de 2025 na sede do IEA.