Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Seminário faz diagnóstico das transformações internacionais e seus possíveis efeitos para o Brasil

Seminário faz diagnóstico das transformações internacionais e seus possíveis efeitos para o Brasil

por Mauro Bellesa - publicado 29/05/2025 13:25 - última modificação 30/05/2025 15:28

O Grupo de Pesquisa Economia Política Internacional, Variedades de Democracia e Descarbonização realizou no dia 22 de maio o seminário "Transformações do Sistema Internacional em 2025 e seu Impacto no Brasil".

Seminário "Transformações do Sistema Internacional"
Mesa do seminário (a partir da esquerda): Eduardo Viola, Feliciano Guimarães, Lourdes Sola (moderadora), Guilherme Casarões e Rubens Ricupero, em participação online

Para o sistema internacional, o ano 2025 tem sido de perplexidades, expectativas e indefinições, um quadro de difícil e necessária análise para desvendar os rumos que o mundo deve tomar quanto ao futuro da democracia, comércio internacional, multipolaridade, dinâmica geopolítica e regime climático.

Para promover um diálogo entre pontos de vistas complementares e às vezes divergentes sobre esse panorama, o Grupo de Pesquisa Economia Política Internacional, Variedades de Democracia e Descarbonização realizou no dia 22 de maio o seminário "Transformações do Sistema Internacional em 2025 e seu Impacto no Brasil". O evento teve exposições do diplomata Rubens Ricupero e dos cientistas políticos Eduardo ViolaGuilherme CasarõesFeliciano Guimarães. A moderação foi da cientista política Lourdes Sola.

Relacionado

Midiateca

  • Vídeo e fotos do seminário

Expositores

  • Rubens Ricupero - ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, na Itália e no Escritório da ONU em Genebra, Suíça; ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês), ex-ministro das pastas da Fazenda, do Meio Ambiente e da Amazônia Legal; ex-professor da UnB.
  • Guilherme Casarões -  professor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP; coordenador do Observatório da Extrema Direita (OED); e pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e do Washington Brazil Office (WBO).
  • Eduardo Viola - cientista político; professor da Escola de Relações Internacionais da FGV-SP; pesquisador colaborador do IEA, onde é vice-coordenador Grupo de Pesquisa Economia Política Internacional, Variedades de Democracia e Descarbonização; e professor titular aposentado da UnB.
  • Feliciano Guimarães - cientista político; professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP; pesquiador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento; diretor acadêmico do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri); e ex-pesquisador visitante da Universidade Yale, EUA.

Moderadora

  • Lourdes Sola - cientista política; ex-professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e da Unicamp; professora sênior do IEA, onde coordena o Grupo de Pesquisa Economia Política Internacional, Variedades de Democracia e Descarbonização.

De acordo com Ricupero, ainda é cedo para dizer se 2025 significará uma mudança no sistema internacional maior que a promovida pelo fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética, "eventos que provocaram a superação do sistema bipolar de base ideológica".

Três aspectos caracterizam o período atual, disse: a tendência é maior para o retorno da oposição ideológica do que sua superação; a passagem para um multipolarismo com a reemergência da China; e a globalização, com a unificação do espaço planetário, interdependência e facilitação dos contatos.

Reação a mudanças

Rubens Ricupero - 2022
Rubens Ricupero

Dentro desse contexto, ele considera que as ações do governo Trump são mais uma tentativa de reação às mudanças do que sua causa. A China aparece como uma obsessão dos EUA, que não conseguem definir uma estratégia para enfrentá-la, afirmou. "As questões econômicas ocupam posição central, e é impossível obrigar países a abrirem mão de suas parcerias com a China."

Do ponto de vista de ingerência direta em outros países, apesar das declarações de Trump sobre o Canal do Panamá, Groenlândia e Gaza, os EUA se abstiveram de agressões militares a outros países. No entanto, essas posições concorrem para o enfraquecimento da ordem internacional, afirmou Ricupero.

Descentralização do poder

Para ele, os EUA não dispõem mais de poder suficiente para determinar a forma que deve assumir o sistema internacional. Comentou que os EUA eram a única potência econômica no final da Segunda Guerra, respondendo por 50% do PIB mundial. Em 1960, eram responsáveis por 40% do PIB e 11% do comercio internacional. Hoje, respondem por 24% do PIB. "Essa redução não ocorreu devido a um enfraquecimento econômico, mas por causa da ascensão de outros países e descentralização do poder estratégico."

Em relação aos aumentos de tarifas de importação estabelecidos por Trump, Ricupero ressaltou que a maioria dos países preferiu "não seguir o mal exemplo", com forte reação apenas da China. Afirmou que o sistema multilateral de comércio sofre com as posturas estadunidenses, mas não acabou. Isso é revelador, disse, da natureza do atual poder dos EUA: suas ações são destrutivas e desestabilizadoras, mas encontram resistência dos demais países.

Dentro desse panorama desanimador, o Brasil está em posição bem menos vulnerável que outros países, por não estar em "dependência exagerada de Washington e por ter diversidade de parceiros", afirmou. Colabora para isso o fato de o país ter outras vantagens, como o seu processo de transição energética, a elevada produção de alimentos, participação no Brics e o relacionamento com a União Europeia e a China, acrescentou.

Ricupero tratou também dos efeitos negativos das decisões de Trump para os grandes desafios globais como a clise climática e a emergência de epidemias, diante da retirada dos EUA do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde. "A resposta do resto do mundo deve ser um esforço conjunto, inclusive em termos de recursos".

No plano interno, ele frisou que os riscos para a democracia dos Estados Unidos são reais e caberá aos cidadãos do país reagirem a isso. "O potencial destrutivo de Trump deve afetar mais os Estados Unidos do que os fatores que levaram à sua eleição."

Guilherme Casarões - 22/5/25
Guilherme Casarões

Casarões concordou a avaliação de que Trump não é causa, mas sintoma das transformações estruturais pelas quais o mundo está passando. Ele considera que o presidente dos EUA "não é um homem dos anos 40, mas sim do século 19, época do realismo clássico nas relações internacionais, de disputa entre as potencias da época". E o estímulo ao caos é um método para os EUA atingirem os objetivos que aspiram, disse.

Os últimos 30 anos foram um período em que predominou a grande ilusão de que as grandes transformações em curso levariam a uma espécie de paz perpétua mundial, mas a crise financeira de 2008 foi um momento de inflexão no movimento de transição de um sistema internacional bipolar para um multipolar, afirmou. "Ainda não está muito claro se o mundo vive uma multipolaridade emergente."

O panorama atual, segundo Casarões, é de retorno dos conflitos internacionais a partir da invasão da Crimeia pela Rússia em 2014, com alguns analistas considerando inclusive que o mundo vive o prelúdio de uma Terceira Guerra. Outras características são a desconfiança sobre a democracia e o que ela pode oferecer e o papel das redes sociais ao romperem a mediação da imprensa, tornando centrais coisas periféricas. "Trump é fruto de tudo isso."

Século 19 como referência

Ele destacou que Trump não cita ex-presidentes americanos de grande influência no século 20, mas sim três do século 19: James Monroe, Andrew Jackson e William McKinley. Monroe é a referência por sua doutrina baseada no lema "América para os Americanos", voltada a construir a esfera de influência exclusiva dos EUA. Jackson marcou o surgimento do populismo branco e a ênfase no isolacionismo dos EUA. Mckinkey é a referência de Trump para a desregulamentação estatal, além de ter sido o presidente durante a guerra dos EUA contra a Espanha, pela qual o país obteve o controle de Cuba, Filipinas, Porto Rico e Guam.

Trump admite que os EUA não devam pleitear a hegemonia global, segundo Casarões. Para o presidente estadunidense, o mundo tende a ser tripolar, com seu país influenciando as Américas e a Europa ocidental, a Rússia dispondo de países como a Ucrania e a China atuando em seu quintal asiático. "Talvez ele tenha também a pretensão de influenciar para que a Rússia controle a expansão chinesa."

Outro aspecto da estratégia do presidente dos Estados Unidos é a grande prioridade dada às Américas, apontou. "O caos tem um pouco de método e precisa das Américas no centro de tudo para ter efeito." Essa é a razão de ele falar do crime organizado da América Latina e combater as migrações, de se aproximar de El Salvador e de querer disputar com a crescente influência chinesa na região, afirmou. No entanto, "o interesse pela América Latina pode ter riscos, pois pode estar baseado nas razões erradas".

Ele citou que relatório do Banco Mundial apontou 2025 como o ano das potências médias. "E o Brasil vai ter um papel central em temas como mudanças climáticas, multilateralismo e combate à pobreza."

Nova guerra fria

Eduardo Viola - 22/5/25
Eduardo Viola

Em sua apresentação, Eduardo Viola traçou um painel a partir dos anos iniciais da presidência do líder chinês Xi Jing Ping até este ano, passando pelas reações ao crescimento chinês presente nas campanhas eleitorais de Trump e Hillary Clinton em 2016, a guerra comercial iniciada por Trump em 2018, a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 e o início do que ele chama de nova guerra fria, com o aumento dos gastos militares desde então, principalmente por parte da China e da Rússia.

Para ele, está se constituindo uma bipolaridade no seio da multipolaridade: de um lado, as democracias ocidentais, asiáticas e Israel e, de outro, um bloco de autocracias cada vez mais interdependentes, constituído por China, Rússia, Irã e Coreia do Norte. E há países importantes não alinhados: Índia, Paquistão, Brasil, México, Indonésia, África do Sul. Viola aponta para o crescente risco de guerra nuclear e para a contínua e cada vez mais acentuada guerra cibernética, acompanhada pela disputa por avanços na inteligência artificial e na computação quântica.

Entre os outros direcionadores das transformações globais citados por Viola figuram o surgimento de divisões na coalização governante dos EUA e início de manifestações de oposição na sociedade americana e no mundo, fragmentação econômica, com a resiliência sobrepondo-se à eficiência, e o predomínio da geopolítica sobre a globalização econômica.

Regime climático

Um direcionador discutido à parte pelo cientista político é o regime climático. Ele citou o fracasso em conter as emissões de gases efeito estufa; a aceleração do aquecimento global e da frequência e intensidade dos extremos climáticos; o sucesso relativo no aumento da consciência pública e na promoção de energias renováveis; a limitação da velocidade da transição energética em função da prioridade da segurança nacional e energética; e o crescente nacionalismo climático, com ênfase na adaptação sobre a mitigação.

Segundo Viola, o Brasil não é líder no regime climático, mas poderia liderar nas áreas de controle do desmatamento e agricultura de baixo carbono. No entanto, considera o governo Lula inconsistente ao se dizer comprometido com a redução do desmatamento e ao mesmo tempo estar comprometido com o aumento da produção e exportação de petróleo. Ele também vê com certo pessimismo as perspectivas para a COP30 em razão da crise do multilateralismo, retirada dos EUA do Acordo de Paris, escassez de financiamento para ações de enfrentamento das mudanças climáticas e a incerteza sobre papel da China na política do clima.

Diante do panorama internacional, o Brasil se destaca como grande exportador de alimentos, minérios e energia, setores com produtividade crescente no país e intensivos em capital e tecnologia, disse. Mas, apesar de aberto financeiramente e a investimentos, o país é fechado comercialmente, e com extrema dependência comercial da China, acrescentou.

Do ponto de vista político, Viola considera a democracia brasileira erodida pela desigualdade e polarização e sujeita a um sistema político-eleitoral que favorece o predomínio de interesses particularistas e dificulta de forma acentuada políticas estruturantes de longo prazo.

Quanto à política externa brasileira, ele considera que o governo Lula tem inclinação pelo bloco das autocracias e uma posição de não alinhamento, ao passo que a melhor opção seria certa inclinação pelo bloco das democracias. Mencionou que o acordo entre o Mercosul-União Europeia seria muito importante para o Brasil, mas vê dificuldades para sua ratificação por algunas países europeus. Outro ponto visto com ressalvas por Viola é o pertencimento do país aos Brics, devido à crescente hegemonia da China no bloco e o forte predomínio de regimes autocráticos e economias intensivas em carbono. Na relação com os Estados Unidos, ele acredita que a tensão provavelmente aumentará à medida que se aproximem as eleições de 2026.

Eleições de 2026Seminário faz diagnóstico das transformações internacionais e seus possíveis efeitos para o Brasil

Feliciano Guimarães - 22/5/25
Feliciano Guimarães

Esse ponto foi enfatizado por Feliciano Guimarães, para quem haverá ingerência do governo Trump de forma multifacetada nas eleições brasileiras de 2026, em busca de maior engajamento do país com os EUA. Entretanto, a associação da direita brasileira com o governo Trump pode ter efeito adverso para ela nas eleições de 2026, em benefício da esquerda, caso o eleitorado resolva se manifestar contra ingerências do Estados Unidos em questões brasileiras, ponderou.

Essa reação do eleitorado vai depender da força do ataque estadunidense, uma vez que "a política externa está longe dos interesses do eleitor médio". Acrescentou que "a política externa é mais um passivo do que um ativo eleitoral para o governo Lula".

O Brasil se cacifou relativamente no plano internacional ao se envolver nas discussões para um cessar-fogo na guerra entre a Rússia e a Ucrânia e sobre as questões venezuelanas, em sua opinião. "Os Estados Unidos precisam do Brasil na questão da Venezuela", afirmou.

Guimarães vê como positiva a preocupação crescente dos brasileiros quanto à China, mas avalia que o país precisa ser neutro, mantendo boas relações tanto com a China quanto com os EUA. Para ele, não há um consenso sobre quais são os polos de poder global, mas é certo que o Brasil tem uma política exterior que trabalha pela multipolaridade.

Polos de poder

No debate que se seguiu, o ponto mais discutido foi a divergência entre os expositores quanto aos polos de poder existentes no mundo e o que os define. Ricupero destacou que é preciso primeiro compreender o que significa poder na esfera internacional. Disse que há uma propensão inconsciente de considerar poder apenas o hard power, traduzido por poderio militar e capacidade de impor sansões econômicas. Disse discordar dessa concepção e citou os países escandinavos e a Suíça como exemplo de países detentores de soft power, que se caracteriza, a seu ver, pela presença diplomática e negociação. Para ele, a economia torna-se hard power ao impor sanções a outros países. "O mundo tem muito mais matizes do que os poderes militar e de sanções econômicas."

No caso brasileiro, disse que o país tem presença diplomática: "Ainda estamos num mundo multipolar. No conjunto dos países grandes, o Brasil não é potência nuclear ou militar convencional e, portanto, só pode confiar na legislação internacional", disse. Guimarães concordou em parte com Ricupero, questionando a ideia de que o Brasil não tenha outro poder ao não ter poder militar e econômico.

Para Viola, a economia está presente no hard power não apenas quando um país impõe sanções econômicas. Sola manifestou que o chamado economic statecraft (estratégia econômica de estado) por meio do comércio transcende de longe o hard power e, portanto, a economia pode ser um instrumento de soft power.

Relevância do Brics

Quanto ao peso dos Brics no cenário internacional, Casarões disse que o grupo não é um grande alvo para Trump e a posição do Brasil em sua presidência é não colocar em pauta a questão da substituição do dólar no comércio entre os membros.

Ele acrescentou que há uma tendência da imprensa ocidental em enquadrar o Brics como uma aliança em oposição aos EUA, no entanto, "a maioria dos 11 membros do grupo é aliada dos EUA". Se Trump conseguir enfraquecer a aliança Rússia-China, consegue esvaziar o Brics, afirmou.

Ricupero apontou que o problema não é tanto a possibilidade de provocar reações de Trump: "O próprio conceito dos Brics não se sustenta. Juntou quatro países com grande território e população. Depois se transformou num agrupamento sem perfil claro. O conceito anti-hegemônico é anacronismo da velha esquerda".

COP30

Respondendo a pergunta do público sobre as perspectivas para a COP30, Viola disse que o Brasil deve usar suas habilidades diplomáticas para tentar evitar o colapso do regime climático. De acordo com ele, a segunda prioridade da delegação brasileira deveria ser atuar para que a China mude totalmente seu papel, deixando de ser totalmente predatória para ser uma superpotência de energias renováveis.

Disse que apesar do crescimento dos carros elétricos na China, o país continuar a construir 3 ou 4 termoelétricas a carvão por mês, muitas em substituição a antigas defasadas tecnologicamente. "A matriz energética do país ainda depende de combustíveis fósseis em 75%. Apesar de a China ainda se considerar um país em desenvolvimento, o Brasil pode tentar convencê-la a mudar seus status."

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP