Concerto da Osusp em parceria com o IEA no dia 31 de maio será um diálogo da música com a ciência
- Desde o ano passado, os concertos da série ''Torre do Relógio'' da Osusp são organizados em parceria com unidades da USP, procurando relacionar a música com áreas das ciências, humanidades e artes presentes na Universidade; este ano a série faz parte das comemorações do cinquentenário da orquestra
Uma polifonia de vozes da música e da ciência dialogando sobre suas conexões. Assim será o "Torre do Relógio II", concerto da Orquestra Sinfônica da USP (Osusp) no dia 31 de maio, às 16h, organizado em parceria com o IEA. Em 2025, a série "Torre do Relógio" e demais concertos da temporada celebram os 50 anos da orquestra.
Conduzida pelo regente titular e diretor artístico da Osusp, Tobias Volkmann, a apresentação terá obras de Leonora Duarte (1610-1678), Johann Sebastian Bach (1685-1750), Silvio Ferraz (1959- ), Richard Wagner (1813-1883) e Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791).
Como é característico da série, o concerto contará com palestras curtas de professores, desta vez Roseli de Deus Lopes e Marcos Buckeridge, diretora e vice-diretor do IEA. Eles falarão sobre a diversidade de pensamento no fazer musical e científico e o papel da ciência na solução de problemas contemporâneos.
A apresentação será realizada no Centro Cultural Camargo Guarnieri, na rua do Anfiteatro, 109, Cidade Universitária, São Paulo. Os ingressos estarão disponíveis no site AppTicket a partir das 18h do dia 26 de maio. A participação é gratuita e solidária, com a doação de 1 kg de alimento não perecível para famílias em situação de vulnerabilidade social.
Volkmann explica que a série tem como referências os baixos e altos relevos nas duas faces da Torre do Relógio da Cidade Universitária, uma delas dedicada às ciências naturais e à matemática e a outra às ciências sociais, humanidades e artes. "O princípio que norteia a série é o encontro da arte com a ciência, com cada concerto tendo o repertório pensado a partir do encontro com áreas científicas e cientistas da Universidade, que participam com falas durante a apresentação, a partir de um tema em comum",
A série foi criada em 2023, pelo regente titular anterior da Osusp, Gil Jardim. Em 2024, Volkmann continuou com ela, passando a organizar os concertos em parcerias com unidades da USP. Em abril, foi realizado o "Torre do Relógio I", que envolveu os museus da Universidade. No segundo semestre serão realizados mais três concertos, cujas parcerias estão em definição.
Contraponto e diálogo científico
Em conversas com o vice-diretor do IEA, o maestro chegou à conclusão de que o contraponto pode ser associado ao que o Instituto se propõe a fazer: promover o encontro de ciências de distintas áreas em um diálogo e uma associação que em sua diversidade busca encontrar novos caminhos comuns.
Segundo Volkmann, a intenção na primeira parte do concerto é justamente mostrar a técnica do contraponto, a polifonia, em uma pequena evolução histórica, de modo que o público seja capaz de ouvir o que é a estrutura dessa técnica, que é a sobreposição de distintas vozes independentes, mas com um ponto de encontro em termos estruturais, de princípios harmônicos. "As vozes se alternam entre dissonâncias e consonâncias para encontrar um ponto final comum."
O concerto terá início com três peças (a terceira, uma sinfonia) de Leonora Duarte, compositora luso-flamenga-judia. “São obras curtas para cinco violas da gamba, que na nossa versão serão ‘reinstrumentadas’ para formações distintas da Osusp. Ou seja, começamos com muito contraponto em sua versão mais inicial para a música instrumental”, diz o maestro. Apesar de não ser a motivação principal, também é possível associar a obra da compositora à consolidação da Revolução Científica (baseada na observação e experimentação) no século 17.
Em seguida, haverá três instrumentações distintas para três contrapontos da Arte da Fuga de Bach, o grande mestre do contraponto. "Nele, a polifonia se torna mais complexa e o público vai poder perceber o quanto ideias diferentes e independentes têm condições de se combinar e produzir algo de grande complexidade e extremamente belo", comenta Volkmann.
Não deixa de ser pertinente sugerir uma relação entre a polifonia musical com as diferentes visões sobre fenômenos científicos e a convivência, diálogo e interação (no caso da interdisciplinaridade) de ideias e opiniões presentes numa instituição acadêmica, considera Volkmann.
Contemporaneidade
Continuando com a temática da diversidade de vozes presente no contraponto, será apresentada “Itinerários do Curvelo”, obra para orquestra de câmara de Silvio Ferraz, professor do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. “Esta obra já nos dará uma visão mais conectada com o nosso tempo em relação ao elemento musical e social trabalhado nas obras anteriores”. Segundo o regente, a composição de Ferraz é uma transposição da técnica do contraponto para posicioná-la dentro de uma escuta e uma estética contemporânea. "Aí vamos ter uma superpequena micropolifonia de alturas e sons que vão se formando a partir de pequenas variações e com isso sair de uma escuta polifônica tonal do século 18, de Bach, e para uma estética contemporânea."
- Maestro Tobias Volkmann: ''O princípio que norteia a série é o encontro da arte com a ciência''
Não deixa de ser pertinente sugerir uma relação entre a polifonia musical com as diferentes visões sobre fenômenos científicos e a convivência, diálogo e interação (no caso da interdisciplinaridade) de ideias e opiniões presentes numa instituição acadêmica, considera Volkmann.
O programa prossegue com uma versão de câmara do “Prelúdio” da ópera “Tristão e Isolda”, onde Wagner cria um problema musical que não havia ainda sido proposto na música, gerando tensões harmônicas com diversas possibilidades de resolução, segundo o regente. “Wagner protela a resolução até o acorde final de uma ópera de mais de três horas de duração”.
"A ideia de colocar esse prelúdio nessa conversa entre a música e a ciência remete ao momento pelo qual passa a humanidade por ter criado um problema tão grande quanto as mudanças climáticas e seus impactos e estar protelando as soluções ad aeternum. O problema é muito claro e a solução precisa passar por uma mudança radical de padrões de consumo e pela adoção de propostas que a ciência está procurando trazer e para as quais a sociedade não vem atentando suficientemente."
Outra analogia possível quanto ao problema harmônico no prelúdio de Wagner é associá-lo às diversas correntes teóricas em disputa num campo científico até que uma delas predomine, considera Volkmann.
Iluminismo versus obscurantismo
O encerramento do concerto será com o movimento final (Molto allegro) da “Sinfonia nº 41, Júpiter", de Mozart. Essa escolha remete a referência da diretora do IEA à questão da ciência (ou iluminação) versus obscurantismo quando da elaboração do programa. Volkmann comenta que essa sinfonia é uma das obras “mais brilhantes de Mozart, escrita em um período em que que as ideias do Iluminismo tiveram enorme influência na retórica musical”.
As duas principais influências do Iluminismo na música de concerto, do meio para o final do século 18 foram a secularização da música e a crescente independência dos compositores em relação aos nobres que os contratavam. Antes predominantemente religiosa, a música passou a incorporar temas e estilos seculares, além de celebrar a liberdade do pensamento individual e a razão em oposição à aceitação pura e simples de tradições e dogmas, afirma o maestro. "Com isso, buscou-se novas formas baseadas em estruturas transparentes e claras. Assim, vamos ouvir uma obra que junta contraponto com uma estrutura clara, presente no final da sinfonia "Júpiter" de Mozart".
A desvinculação do patronato aristocrático, sobretudo dos três principais compositores do Classicismo – Mozart, Haydn e Beethoven –, revela um aspecto socioeconômico resultante da reverberação do Iluminismo no ambiente musical do século 18, comenta Volksmann. "Muito cedo, Mozart foi um dos primeiros freelancers que se libertaram da dependência dos nobres. Haydin foi para essa condição no final da vida e Beethoven também se tornou (não totalmente) um grande freelancer. As ideias de liberdade, razão e humanismo fizeram com que buscassem essa independência", avalia Volkmann.
Fotos (a partir do alto): Orquestra Sinfônica da USP; Daryan Dorneles/Divulgação