Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Novo grupo apresentará propostas para a USP do século 21

Novo grupo apresentará propostas para a USP do século 21

por Mauro Bellesa - publicado 19/04/2018 12:20 - última modificação 18/12/2018 13:39

Grupo de Estudos A USP diante dos Desafios do Século 21 foi criado em 2017, sob a coordenação de Luiz Bevilacqua, professor visitante do IEA.
Reitoria
Cursos de graduação da USP devem passar por transição acadêmica e organizacional, segundo grupo de estudos

“O avanço do conhecimento acelerou-se de tal forma nas últimas décadas que gerou um verdadeiro choque cultural: toma-se consciência do seu impacto depois que ele já aconteceu e passou”, afirma o coordenador do Grupo de Estudos A USP diante dos Desafios do Século 21, Luiz Bevilacqua, professor visitante do IEA e ex-reitor da UFABC.

Ele considera que nunca houve uma época como a atual. "Não há experiência anterior, não existem modelos nem soluções prontas e únicas.” E a universidade não está imune a esse processo: “Por ser uma instituição tradicionalmente conservadora, está sujeita a graves estados de perplexidade, que bloqueiam as ações necessárias para sobreviver a essa onda de choque”.

Agir adequadamente é uma necessidade incontestável, segundo Bevilacqua. “Dadas as incertezas do futuro, a melhor estratégia é afrouxar as amarras, flexibilizar e ampliar o espectro das influências na identidade da universidade.”

Para sobreviver ao choque cultural, é indispensável assumir riscos, afirma o pesquisador. “É dentro desse quadro que pretendemos propor algumas mudanças facilitadoras da passagem pela turbulência dos nossos tempos.” Criado no final de 2007, o grupo está tendo o cuidado de se limitar a propostas plausíveis (“mas não inconsequentes”), consciente do “conservadorismo que aprisiona as universidades brasileiras”, segundo Bevilacqua.

Em sua availação, é essencial a reforma dos cursos de graduação: “Precisam passar por uma transição acadêmica e organizacional. A ideia é que eles sejam ministrados em centros interdisciplinares, novas unidades estruturadas a partir de eixos temáticos resultantes da convergência e articulação das disciplinas clássicas.

Para o grupo, a pós-graduação e a pesquisa já absorvem sem graves dificuldades as várias formas de convergência disciplinar, mas a organização da graduação “permanece petrificada na forma de departamentos que frequentemente não mais respondem aos desafios atuais”. O objetivo é propor ações que possibilitem a reestruturação acadêmica e administrativa da USP, para que ela faça frente às demandas do ensino superior deste século.

“É preciso reorganizar os temas principais, mostrando a inter-relação entre eles conquistada com o recente desenvolvimento científico e tecnológico.” Além disso, a graduação deve ser voltada à formação de pessoas “com independência intelectual e baixa aversão a riscos, para que a universidade seja um lugar onde predomine o aprender sobre o ensinar”.

Essas mudanças não devem atender apenas às necessidades de reestruturação da administração acadêmica para fins de formação profissional. O grupo vê essa reforma da graduação como um dos componentes de um amplo quadro de mudanças pelas quais as universidades brasileiras devem passar, para sobreviver às mudanças radicais em curso e continuar a contribuir com o desenvolvimento do país.

A partir da identificação dos obstáculos que dificultam a reforma da instituição, a intenção dos pesquisadores é encontrar as soluções com maior viabilidade - e menor resistência interna - que possam eliminá-los ou contorná-los. As propostas serão discutidas com diversos setores da Universidade e encaminhadas às instâncias pertinentes da Universidade.

O trabalho vem sendo desenvolvido em seis módulos:

  • Contexto cultural do século 21: a era da onda do choque cultural
  • Contexto internacional – Impacto no Ensino Superior
  • Aspectos históricos da universidade brasileira
  • A universidade brasileira diante dos desafios do século 21
  • Pontos críticos da universidade brasileira e da USP em particular.
  • Propostas desejáveis, plausíveis e viáveis

 

Luiz Bevilacqua - 5
Luiz Bevilacqua: "Na universidade, o aprender deve prevalecer sobre o ensinar"

Além de Bevilacqua, participam do grupo os professores: Arlindo Philippi Jr., da Faculdade de Saúde Pública e professor em ano sabático no IEA em 2017; Carlos Alberto Barbosa Dantas, do Instituto de Matemática e Estatística e professor sênior do IEA; Elizabeth Balbachevsky, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e ex-conselheiro do IEA; Guilherme Ary Plonski, vice-diretor do IEA e professor da Escola Politécnica e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade; Henrique von Dreifus, também do Instituto de Matemática e Estatística; Naomar de Almeida Filho, ex-reitor da UFBA e da UFSB; Paulo Saldiva, diretor do IEA e professor da Faculdade de Medicina da USP; e Roseli de Deus Lopes, da Escola Politécnica.

Contexto internacional

Segundo o coordenador, embora o mundo acadêmico seja um dos principais responsáveis pela revolução cultural propiciada pelas tecnologias digitais, as universidades não se transformam na mesma velocidade de mudança acelerada do contexto contemporâneo.

“Apenas três décadas separam a invenção da web e o uso praticamente universal da comunicação digital”. De acordo com ele, a velocidade da transformação revela que não se trata de mais um processo evolucionário comum, mas sim de uma “onda de choque”, com a descontinuidade como resultante.

“Está claro que não estamos diante de uma evolução rápida, mas de um salto para o futuro, no qual as transformações socioculturais também se processam rapidamente, o que torna as universidades também sujeitas a uma descontinuidade.”

Outro aspecto de alcance mundial a ser considerado é a dinâmica globalização-polarização da atualidade, que “afeta sobre maneira a evolução dos rumos científico, tecnológico, social e artístico”, afirma Bevilacqua.

Ele destaca que os principais blocos econômicos têm promovido inovações no ensino superior, visando a manter sua liderança na produção científica e tecnológica. “A União Europeia implementa, desde 1999, um modelo comum de arquitetura curricular, criando uma rede de cooperação entre os países que veio a ser conhecida com Processo de Bolonha. O governo e as organizações científicas americanas lançaram recentemente várias iniciativas de reforma universitária profunda, em especial nas universidades de pesquisa. É preciso também considerar os desafios que as redes de universidades transnacionais trazem para sistemas nacionais de ensino superior de países como o Brasil.”

O enorme contingente de brasileiros em busca do acesso à educação superior torna o país alvo de iniciativas que tratam o ensino superior como oportunidade de negócios, afirma. “Isso faz com que a educação se torne uma questão estratégica nacional da maior relevância. Esse quadro tem de ser levado em consideração no planejamento dos rumos do ensino universitário, com a academia assumindo um papel mais proativo, em vez de responsivo.”

O grupo acredita que a internacionalização em marcha no setor influenciará a interação com o setor empresarial em geral e industrial em particular, forçando a universidade a sair de seus muros e discutir com o governo e o meio empresarial as prioridades da política de desenvolvimento nacional.

A USP precisa também estar mais presente em posições decisórias em instituições e organizações internacionais de educação, além de oferecer mais programas capazes de atrair estudantes de todo o mundo, defendem os pesquisadores. Essa presença deve estar acompanhada de compromissos de maior porte para a ampliação do intercâmbio técnico, científico e social e a mobilidade de recursos humanos, e isso “exige uma mudança de atitude que nem sempre é considerada”.

“A mobilidade externa de docentes e estudantes está se intensificando. Para que o processo seja eficaz, é preciso estimular também a mobilidade interna, ainda incipiente em nossas universidades.”

Projetos desafiadores

As universidades brasileiras evoluíram mais depressa que o setor industrial e esse descompasso provoca um desequilíbrio entre oferta e demanda de pessoal qualificado, particularmente de mestres e doutores, ressalta o coordenador. “É urgente, portanto, a revisão da política de desenvolvimento econômico-industrial do Estado, de modo a permitir que se atinjam avanços tecnológicos originais e abram-se novos horizontes para os egressos da pós-graduação.”

Em sua opinião, a USP deve questionar os rumos das políticas de desenvolvimento estadual e federal, que atualmente dificultam a colocação de seus egressos: “Deve se aproximar de órgãos representativos do setor empresarial, de representantes dos Poderes Legislativo e Executivo no sentido de formular políticas públicas que estimulem o desenvolvimento nacional a partir de grandes projetos desafiadores”.

“A USP precisa se envolver nessa dimensão de política de desenvolvimento para sua própria sobrevivência e para o bem de seus estudantes.” Ele frisa que é preciso também seguir essa linha de ação em relação às ciências sociais e humanas, com o estímulo a projetos culturais.

A classificação das universidades por desempenho como referência para prioridades e investimentos é outra questão a ser analisada. Isso não pode ser feito sem uma crítica cuidadosa dos critérios de avaliação, segundo Bevilacqua.

“A USP deve interagir com o Estado para discutir esses critérios e padrões de medida de desempenho. Além disso, ao analisar os procedimentos das diversas agências, verificar como eles interferem em sua política interna.”

Fotos (a partir do alto): Jornal da USP; Leonor Calasans/IEA-USP