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Livro analisa imagens do Brasil em obras de escritores estrangeiros

por Mauro Bellesa - publicado 19/05/2025 15:40 - última modificação 20/05/2025 14:37

Em maio, o IEA lançou o e-book “Imagens do Brasil: Quantos Espelhos?”, organizado por Celeste Ribeiro-de-Sousa. Disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP, a obra é resultante de simpósio homônimo realizado em novembro de 2022 pelo Grupo de Pesquisa Tempo, Memória e Pertencimento.

Capa do livro "Imagens do Brasil"

Em maio, o IEA lançou o e-book “Imagens do Brasil: Quantos Espelhos?”, organizado por Celeste Ribeiro-de-Sousa. Disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP, a obra é resultante de simpósio homônimo realizado em outubro de 2022 pelo Grupo de Pesquisa Tempo, Memória e Pertencimento.

Além de questões ligadas ao uso e alcance do termo imagologia, os ensaios apresentam visões do Brasil presentes em obras de autores que viveram no país ou que apenas leram sobre ele em livros de terceiros.

De acordo com Ribeiro-de-Sousa, professora sênior de literatura de língua alemã da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante do grupo de pesquisa do IEA, o objetivo do livro é estimular o debate sobre imagens literárias que espelham o Brasil, colocando em discussão algumas delas em contexto mais amplo.

Ela cita como exemplos os casos da escritora austríaca Paula Ludwig, as pinturas e desenhos da família francesa Taunay, dos italianos Giuseppe Ungaretti e Contardo Calligaris e do japonês Tatsuzo Ishikawa, que tiveram conhecimento da realidade brasileira in loco. No entanto, as visões do russo Daniil Kharms e do luso-angolano Luandino Vieira, que não viveram no país, "são inteiramente atravessadas por visões de outros. Aqui medram os estereótipos. E até os casos das narrativas dos indígenas Itapuku, Pedro Poti e Felipe Camarão são 'traduções' de europeus", afirma a organizadora do livro.

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Ela acrescenta que os ensaios permitem traçar um perfil sobre como os estrangeiros captam e traduzem literariamente a imagem do Brasil. Isso dá margem a um debate: "Em que medida essas imagens refletem o país que configuram ou são projeções de realidades que habitam seus autores; em que medida o país se reconhece ou não se reconhece nessas imagens e que implicações isso acarreta". O texto de abertura do conjunto de ensaios, "Ainda a Imagologia?", de Ribeiro-de-Sousa, historia e contextualiza na atualidade o conceito de imagologia na literatura comparada.

Mariana Holms, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã da FFLCH-USP, participa do volume com "Um Espelho Austríaco - Paula Ludwig no Exílio: Imagens Literárias do seu Brasil". Segundo Holms, a forma como a poeta austríaca enxergou o Brasil subverteu, "pela via da identificação, o olhar de superioridade que geralmente se lança da Europa ao país tropical com sua sociedade supostamente degradada – quando comparada ao imaginário utópico construído pela tradição ocidental colonizadora".

Carlos Guilherme Mota, José Saramago e Luandino Vieira
As críticas do angolano Luandino Vieira à ''inocência entusiasmada'' brasileira são abordadas no ensaio de Tania Macedo; na foto, Vieira é o primeiro à direita, ao lado de José Saramago, quando os dois foram recebido pelo então diretor do IEA, Carlos Guilherme Mota, em 1987

"Um Espelho Francês: O Brasil do Século 19 pelas Lentes dos Taunay: Os Difíceis Trópicos na Perspectiva de uma Família de Artistas Francesas" é o título do ensaio de Priscila Célia Giacomassi, professora do Instituto Federal do Paraná e autora de tese de doutorado sobre a contribuição dos Taunay na construção da identidade nacional. É o único dos textos que não trata de escritores, mas sim de pintores e desenhistas. Na conclusão, Giacomassi afirma que "é inevitável dizer que os registros dos viajantes Taunay fazem parte da tessitura que forma a ideia de quem nós fomos e, portanto, somos". Acrescenta que "as penas e os pincéis dos Taunay viajaram para e pelo Brasil do Oitocentos, contribuindo com sua parcela para compor o grande mosaico – ainda hoje incompleto – daquilo que entendemos como a identidade brasileira".

Aurora Bernardini, professora sênior da FFLCH-USP, é a autora de "Espelhos Italianos - A Imagem do Brasil segundo Giuseppe Ungaretti e Contardo Calligaris". Ela explica, a partir das considerações de Haroldo de Campos no artigo "Ungaretti e a Estética do Fragmento", que tanto a poesia quanto muitos momentos da ensaística do escritor italiano são caracterizados pela "poesia do fragmento". Essa forma se manifesta, escreve Bernardini, "na essencialidade com que Ungaretti formula seu juízo sobre o Brasil e, respectivamente, sobre Murilo Mendes, Vinicius de Moraes e Oswald de Andrade". Psicanalista e dramaturgo, Calligaris também "contribuiu para uma imagem do Brasil reveladora, além de apresentar pontos de contato com as impressões ungarettianas, de acordo com a autora. A tese principal para entender o Brasil proposta por Calligaris é a relação colono-colonizador, afirma Bernardini.

Apesar de a primeira leva de imigrantes japoneses ter chegado ao Brasil em 1908, só na década de 1930 os registros de imagens do país apareceram numa obra literária no Japão. Trata-se de "Sōbō", de Tatsuzo Ishikawa, ganhador do 1º Prêmio Akutagawa, criado em 1935. As impressões para o romance foram colhidas pelo escritor ao acompanhar cerca de mil imigrantes em viagem para o Brasil em 1930. Elas são o tema do texto "Espelho Japonês - Imagens do Brasil na Literatura de Tatsuzo Ishikawa Premiada em 1935", de Neide Hissae Nagae, professora sênior da FFLCH-USP.

Daniela Mountian, professora de língua e cultura russa do Instituto de Letras da UFRGS, retrata a presença do Brasil na literatura infantil do russo Daniil Kharms, precursor do absurdismo russo. O país é retratado como "não urbano e fora do seu tempo - não há referências a cidades ou a indústrias, elementos já presentes em testemunhos sobre o país naquele momento", comenta Mountian. Ela também tratou da presença brasileira em obras de outros dois russos, Ostáp Bénder e Samuil Marchk, e em tradução deste de um poema do britânico Rudyard Kipling.

"Espelhos Africanos - Da Admiração à Crítica: Imagens do Brasil na Literatura Angolana", de Tania Macedo, professora sênior do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH, aborda em seu ensaio a visão dos escritores angolanos sobre o Brasil desde o século 19, quando José da Silva Maia Ferreira publica o primeiro livro de poemas na África de língua portuguesa, escrito em parte no Brasil. Outros escritores angolanos comentados no texto são José Eduardo Agualusa e Luandino Vieira. Macedo ressalta que "a lúcida crítica à inocência entusiasmada" que os textos de Vieira realizam, inauguram uma nova perspectiva e forjam novas imagens do Brasil na literatura angolana".

O ensaio final do livro é "Espelhos Indígenas - Itapuku, Pedro Poti e Felipe Camarão", de autoria de Eduardo de Almeida Navarro, professor titular do Departamento de Línguas Orientais da FFLCH-USP. Nas conclusões, Navarro afirma que o discurso indígena sobre a terra, sobre os europeus que passaram a dominá-la e sobre a cultura que se lhes impunha estava repleto de ambiguidades e de contradições: "Ao mesmo tempo em que vemos o índio católico Felipe Camarão atacar seu primo Pedro Poti por se ter aliado a protestantes, vemo-lo nutrir esperança de uma vida tradicional, como a de seus antepassados". Ele acrescenta que ao observar as críticas contundentes dos indígenas ao mundo civilizado e aos povos colonizadores da Europa pode-se perceber que nos séculos 16 e 17 já estavam em gestão concepções que encontrariam sua plena formulação com o Iluminismo.

Foto: USP Imagens