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Matemática: realismo, estética e cidadania - Entrevista com Marcelo Viana

por Mauro Bellesa - publicado 04/04/2025 09:00 - última modificação 10/04/2025 12:05

Entrevista do matemático Marcelo Viana para a série em vídeo 3por1.

Marcelo Viana - 3por1Em sua participação[*] na série de entrevistas em vídeo 3por1, o matemático Marcelo Viana respondeu a perguntas sobre as relações da matemática com o realismo científico, a arte abstrata e a cidadania plena.

Viana é diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e titular para o período 2024/25 da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade (parceria entre o IEA e o jornal Folha de S.Paulo). Ele é especialista na área de sistemas dinâmicos e teoria do caos. Recebeu, entre outras distinções, o Grande Prêmio Científico Louis D., da França.

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Entrevista

3por1 - Professor Marcelo Viana, por que devemos considerar que a existência dos objetos matemáticos independe da mente humana?

MV - Há muitas situações em que a gente é confrontado com fatos matemáticos e é muito difícil achar que foram inventados pela gente, foram criados. É muito mais plausível que eles façam parte, de alguma forma, da estrutura do Universo. Deixa eu dar um exemplo, para não ficar muito teórico: quando você pega um sólido geométrico e conta o número faces, o número de arestas e o número de vértices (as fazes são as partes planas, as arestas são as linhas e os vértices são os cantos dessas linhas), sempre vale a seguinte fórmula: o número de faces menos o número de arestas vezes mais o número de vértices é igual a 2. Isso se chama Teorema de Euler Poincaré e é um fato sobre o mundo físico à nossa volta, mas é um teorema também, um fato matemático que traduz, espelha algo da estrutura do nosso Universo, daquilo que nos rodeia e que não foi inventado pela gente, está lá, é uma realidade muito objetiva.

3por1 - Além de ciência e linguagem, a matemática pura é também uma forma de arte abstrata, como a música?

MV - Acredito que sim. A matemática é regida por um sentido interno de estética. A beleza é um critério fundamental na valorização das descobertas matemáticas. Todo matemático sabe que na hora de formular seus raciocínios, de escrever, de tentar traduzir os raciocínios, expressá-los para serem comunicados a outras pessoas, o critério estético, o critério daquela harmonia entre as ideias é fundamental. Aliás, uma frase de alguém absolutamente acima de qualquer suspeita, o poeta português Fernando Pessoa, já dizia que o binômio de Newton, que é um fato matemático, é tão belo quanto a Vênus de Milo. A única coisa é que tem menos pessoas para apreciar a beleza do binômio de Newton do que da Vênus de Milo, mas nem por isso deixa de ser igualmente belo.

3por1 - A capacitação matemática adequada da população em geral não é uma questão de justiça social?

MV - Absolutamente sim. Aliás, escrevi hoje mesmo [6/11/24] na Folha [de S.Paulo] sobre isso, sobre um documentário norte-americano [“Counted Out” (2024), de Vicki Abeles] que trata exatamente da importância até para a sobrevivência da democracia que as pessoas entendam os fatos matemáticos básicos, para poderem exercer sua cidadania. A diretora chega ao ponto de dizer que a proficiência matemática não é só uma necessidade, é um direito cívico. E cada vez mais, no século 21, cada vez mais um monte de decisões sobre as nossas vidas, decisões sobre o que nós fazemos, quem nós conhecemos, o que nós escrevemos, o que nós lemos são tomadas por meio de ferramentas matemáticas, sendo absolutamente necessário que as pessoas tenham alguma capacidade para compreender como isso acontece, porque caso contrário, como diz a diretora desse documentário, serão manipuladas, se não tiverem essa capacidade de compreensão.

[*] Entrevista gravada em 6 de novembro de 2024 na sede do jornal Folha de S.Paulo.