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Arte, ciência e tecnologia juntas: uma visão inusitada sobre a vida

por Sylvia Miguel - publicado 15/03/2016 17:05 - última modificação 17/03/2016 16:18

No segundo dia da Intercontinental Academia, o microbiologista Hideo Iwasaki, da Waseda University, apresenta em Nagoya, Japão, trabalhos artísticos e científicos que fazem refletir sobre as concepções de vida.
Hideo Iwasaki

Hideo Iwasaki apresenta trabalhos na fronteira entre ciência e arte durante workshop de biologia.

A biologia sintética é uma nova abordagem para a bioengenharia. Envolve a modelagem e a construção de organismos em escala molecular, ou o redesenho de peças, dispositivos ou sistemas biológicos naturais. É uma tecnologia que busca objetivos específicos através de um design intencional. Em vez de pressões evolutivas, o mundo dos vivos se torna um produto de escolhas de design. Pelo rápido avanço, tem gerado expectativas de produzir novas aplicações biológicas na medicina, no agrobusiness, na genômica, em energia e outras áreas.

“É um campo que oferece uma nova visão sobre a forma de se relacionar com a vida. Seu rápido avanço tem resultado em muitos debates científicos e filosóficos, porque produz antecipações que levam a alguns exageros. Por isso, a biologia sintética provoca interesse em alguns designers e artistas interessados em biotecnologia”, disse o biólogo e artista Hideo Iwasaki, da Waseda University, no segundo dia da Intercontinental Academia (ICA), dedicado aos workshops de biologia.

A segunda fase da Intercontinental Academia acontece de 6 a 18 de março em Nagoya, Japão. Quase um ano após o encontro em São Paulo organizado pelo IEA, 13 jovens pesquisadores estão prestes a concluir os estudos sobre o tema “tempo” e o conteúdo para um Massive Open Online Course (Mooc). Os workshops contam com exposições de cientistas de renome do mundo inteiro.

Hideo Iwasaki e Martin Grossmann

Grossmann e Iwasaki, em debate da Intercontinental Academia.

Martin Grossmann, ex-diretor do IEA e membro do Comitê Científico da ICA, presidiu os debates da apresentação de Iwasaki e chamou a atenção para a inusitada união entre biologia e arte. Não só por sua formação, Iwasaki surpreendeu pelo tema exposto, um misto de ciência, tecnologia e design.

Coordenador do Laboratory for Molecular Cell Network & Biomedia Art, da Waseda University, Iwasaki falou do trabalho desenvolvido durante o Synthetics Aesthetics, um projeto experimental gerido pela University of Edinburgh e Stanford University, que reuniu, em 2010, os mais renomados biólogos sintéticos, artistas e cientistas sociais para explorar colaborações voltadas à concepção, compreensão e construção do mundo vivo.

Na ocasião, Iwasaki desenvolveu o projeto “Biogenic Timestamp” em parceria com Oron Catts, da Aalto University, de Helsinki, Finlândia. O trabalho foi definido pelo microbiologista como “uma crítica ao hype da biologia sintética, uma provocação sobre a ligação entre as escalas do tempo geológico e do biológico”.

A dupla trabalhou com cultura de tecidos a partir de cianobactérias, um grupo de bactérias que obtém energia por fotossíntese e está entre as formas mais primitivas de vida. A comunidade foi aplicada a uma placa de computador, que vem sofrendo a ação desses organismos até hoje. O trabalho foi exposto na Áustria e no Japão. Segundo os criadores, o experimento mostra que as bactérias são capazes de internalizar nossas tecnologias e criações e de modificá-las como bem entenderem.

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Princípios de engenharia aplicados à complexidade dos sistemas vivos: a biologia transformada em um novo material de design.

Outro projeto de Iwasaki, não menos surreal para os padrões ocidentais, é inspirado num costume relativamente antigo no Japão de criar monumentos em memória a animais, insetos, caramujos, plantas, objetos diversos e, até, ao espírito de espermas.

Iwasaki mostrou que em algumas instituições médicas e de pesquisa, como no Departamento de Ciências Humanas da Waseda University, há o estranho hábito de celebrações anuais realizadas em homenagem a animais usados em experimentos. Em zoológicos, há cerimônias fúnebres para animais que morreram. E em 1971, foi criado um monumento em homenagem ao espírito de espermas, mostrou.

Com tudo isso, Iwasaki pensou num memorial para células artificiais. “Sou um microbiologista, então posso, finalmente, orar por uma bactéria que usamos em experimentos”, comparou.

“The memorial service for synthetic cells” é o nome do trabalho tecno-artístico de Iwasaki e será exibido durante o Kenpoku Art Festival 2016, uma grande mostra que dialoga com natureza e arte, incorporando ciência e tecnologia. É realizado em seis cidades da região norte da Prefeitura de Ibaraki, Japão.

Segundo Iwasaki, o trabalho é cientificamente “estimulante, pois força a pensar o que é de fato a vida”. Os dois projetos que o cientista apresentou no workshop da Intercontinental Academia parecem lidar com coisas distintas. Mas, na verdade, lidam com a questão do tempo e como os humanos estão envolvidos com a vida, disse.

Citou um paper sobre a criação de uma célula bacteriana a partir de um genoma quimicamente sintetizado. “Muitos cientistas se dividem ao responder se é um organismo vivo, ou um tipo de vida sintético. Então, vejo que para esse tipo de julgamento é necessário o critério subjetivo de cada um sobre o que é a vida”, finalizou.

Fotos: IAR/Nagoya

syntheticaesthetics.org