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Uma critica à reação moderada aos crimes do regime militar

por Flávia Dourado - publicado 30/04/2013 17:05 - última modificação 12/12/2013 16:57

A ausência de punição dos crimes cometidos durante o regime militar foi o ponto central da exposição do jurista Fábio Konder Comparato na conferência Direitos Humanos e Comissão da Verdade, no dia 24 de abril.
Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Fábio Konder Comparato
Comparato (centro): "A oligarquia pressionou
e o Congresso neutralizou a comissão"

A ausência de punição dos crimes cometidos durante o regime militar foi o ponto central da exposição do jurista Fábio Konder Comparato na conferência Direitos Humanos e Comissão da Verdade. Realizado no dia 24 de abril, o evento marcou o lançamento da edição 77 da revista "Estudos Avançados", que traz, entre seus destaques, uma entrevista com o expositor (assista ao vídeo).

Comparato, que é professor emérito da Faculdade de Direito (FD) da USP, dedicou sua fala a tentar compreender a reação moderada da sociedade brasileira frente às "atrocidades" cometidas pelo regime militar, a partir de uma comparação com a resposta da sociedade argentina diante da mesma situação.

De acordo com ele, embora os regimes militares tenham sido muito semelhantes nos dois países, a sociedade argentina foi mais rápida e exigente na cobrança de punição. Após o fim do regime, criou-se uma comissão para investigar o desaparecimento de pessoas e, em 2005, a Corte Suprema Argentina considerou inconstitucional a Lei de Anistia.

"Iniciaram-se, então, os processos criminais contra agentes públicos envolvidos em crimes políticos durante o regime", afirmou o jurista, ressaltando que mais de 200 pessoas foram condenadas à prisão na Argentina, entre elas dois chefes de estado, que cumprem pena de prisão perpétua.

Já o Brasil, disse o professor, é hoje o único país da América Latina onde não se abriram processos criminais contra os crimes políticos cometidos pelos regimes militares. Aqui, a Lei da Anistia continua em vigor e aplica-se não só a agentes públicos, mas também a autores de crimes conexos, o que inclui os grupos de resistência da sociedade civil.

Comissão da Verdade

Na sentença em que condenou o Brasil por utilizar a Lei da Anistia para não julgar os agentes públicos envolvidos na Guerrilha do Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que a lei carece de efeitos jurídicos e deu um prazo para que o Estado a reveja.

Segundo Comparato, a Comissão Nacional da Verdade pretende apenas dar a impressão de estar cumprindo as determinações da Corte, mas sem enfrentar de fato o problema da Lei da Anistia: "A oligarquia pressionou e o Congresso neutralizou comissão".

O jurista frisou que, pelo menos, a comissão decidiu concentrar-se apenas na atuação repressiva criminosa dos agentes públicos. "No entanto, optou por trabalhar em regime de sigilo, uma decisão politicamente errada, porque o objetivo de comissões relacionadas a violações de direitos humanos deveria ser o de abrir a consciência nacional."

Mentalidade brasileira

Comparato também explorou as razões pelas quais a reação da sociedade diante dos crimes cometidos durante o regime militar é tão branda. Entre elas, ressaltou a influência da herança escravocrata na mentalidade coletiva do povo brasileiro.

"No Brasil, a escravidão dos africanos e afrodescendentes influenciou profundamente a mentalidade coletiva e os costumes sociais, que ficou marcada pela subserviência das classes pobres aos poderosos", disse, realçando que essa subserviência estabelece limites para legislação.

Debatedor

Ao final da exposição de Comparato, o advogado Marco Antônio Rodrigues Barbosa, ex-presidente e integrante da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, fez algumas considerações, retomando pontos enfatizados pelo professor.

Barbosa afirmou que a Comissão Nacional da Verdade vem realizando um importante trabalho na identificação e no reconhecimento de pessoas mortas e desaparecidas, além de ter trazido à tona aspectos fundamentais, como a possibilidade de convocar depoentes, e não de apenas convidá-los.

De acordo com ele, o trabalho da comissão tem potencial e pode levar a uma revisão da Lei da Anistia: "Acho que a luta continua, apesar de todas essas mazelas, violações. Pode ser apenas otimismo, mas ainda tenho esperança. A partir do momento que houve a prolação da sentença de Vladimir Herzog, o juiz determinou expedição de ofício para reconhecer e punir o torturador. É mais um episódio que pode ser suscitado nessa luta que vem sendo empreendida".

Ao final do evento, o jurista José Gregori, presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP e integrante da Cátedra Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, sediada no IEA, manifestou sua concordância com muitas das ponderações de Comparato, mas ressaltou que, na sua opinião, o processo de consolidação democrática no Brasil vem se mostrando mais sólido do que o argentino.