A dupla gestora vista por si mesma e pelos educadores

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 12:55 - última modificação 07/02/2020 14:22

O papel de coordenadores pedagógicos e diretores é fundamental para garantir que toda a escola e o território se dediquem à promoção da aprendizagem dos estudantes
Pontos-chave

1. Toda escola deve ter um projeto político-pedagógico, criado em parceria entre gestores, professores, funcionários e família. Esse projeto está vivo na maneira como a escola se organiza, nas ações que promove e na maneira como se dá o processo de ensino-aprendizagem nela.

2. O papel da dupla gestora (diretor e coordenador pedagógico) é dar condições para que a aprendizagem aconteça – em todos os ambientes da escola e também em algumas situações no território.

3. Gestores devem atuar garantindo a estratégia, o planejamento, a implantação, a avaliação e a manutenção de todos os processos de gestão.

4. O bom clima escolar é fundamental na promoção do ensino e na redução das desigualdades. Parte dele requer que a gestão seja democrática e participativa.

Por Rodrigo Ratier e equipe

Ao entrar em uma instituição de ensino, você observa carteiras empilhadas pelo pátio, livros didáticos amontoados nas salas de aula, banheiros sem papel higiênico e sabão. Em outra instituição, vê painéis com trabalhos dos alunos, ambientes organizados, livros disponíveis para leitura dos estudantes, banheiros limpos e com todos os itens necessários para a higiene pessoal. Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC, apresentou oralmente e com imagens esses dois ambientes (veja-as na apresentação de slides aqui) e questionou: onde está a atuação dos gestores escolares nessas situações?

Os papéis do diretor e do coordenador pedagógico foram o foco da palestra apresentada pela especialista durante o terceiro encontro do Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes, da Cátedra de Educação Básica da USP. "Fala-se muito em respeito e essas cenas mostram que também é preciso respeitar os alunos", destaca Perez. A organização do ambiente, o capricho com que eles são limpos e organizados, os itens que são dispostos, enfim, tudo dentro do espaço escolar faz parte da Educação dos jovens. "Se há um banheiro sem papel, sem espelho e sem sabão, estamos ensinando que o autocuidado e a higiene não são importantes", exemplifica.

Ideia central da fala de Perez foi a de que o trabalho de gestores, funcionários, professores – e também a participação de alunos, famílias e do restante da comunidade ao redor da instituição – está diretamente relacionados ao projeto de escola que se estabelece. "Esse projeto às vezes pode estar inconsciente, mas se eu, por exemplo, aceito um armário bagunçado, é porque eu acredito que ele deve ficar daquele jeito mesmo", diz.

Veja os vídeos da palestra na íntegra: Parte 1 | Parte 2

As escolas de todo o país passam por um momento importante de revisão de seus projetos pedagógicos, com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela estabelece dez competências que devem ser desenvolvidas ao longo da Educação Básica. Cabe às instituições de ensino se organizar para favorecer que isso aconteça. "Não se trata mais de passar a informação, mas de mostrar os caminhos para buscar a informação. Como a gente traz isso de fato e potencializa o uso das tecnologias?", questiona Perez. Nesse contexto, algumas características se tornaram importantes, como o exercício da criatividade, do pensamento crítico, da colaboração e da comunicação. O projeto das escolas e a promoção das oportunidades de aprendizagem devem contemplar essas características e diretrizes.

O papel dos gestores

O trabalho dos gestores deve ter como foco a aprendizagem dos estudantes. Pode parecer uma afirmação corriqueira, mas são frequentes os casos em que diretores e coordenadores pedagógicos acabam sendo tomados por demandas do dia a dia não conseguem estabelecer esse objetivo. "O diretor não pode mais trabalhar sozinho. Ele tem um grande parceiro que é o coordenador pedagógico. Essas duas figuras têm a responsabilidade de gerar suporte para que a docência possa ocorrer com pertinência. Eles dão as condições para que o ensino ocorra", destaca Perez.

A palestrante adiciona que há diversos aspectos necessários para que o processo de ensino-aprendizagem se dê: recursos financeiros, alimentação escolar, espaço adequado, limpeza, mobiliários e materiais – e também a gestão de pessoas dentro da instituição. Cada um deles requer um processo administrativo específico, com estratégia, planejamento, implementação, avaliação e manutenção. Ela também destaca a importância de planejamento, avaliação e manutenção no processo de ensino e do olhar para a fora, para o território em que a escola está inserida. "Tudo isso forma as oportunidades de Educação disponíveis", afirma.

No caso da alimentação, por exemplo, a elaboração das refeições, a configuração do espaço e da maneira como elas são servidas também oferecem aprendizagens para os estudantes. "Se há alguém que serve as crianças, é completamente diferente de um self-service", aponta Perez. Ao buscar a própria alimentação, os estudantes exercitam o autocuidado, o autoconhecimento, aprendem a planejar seu prato e exploram seus gostos.

A relação positiva entre gestão e docência

Na promoção do ensino, é fundamental que diretores e coordenadores pedagógicos estabeleçam relações de parceria com os docentes. Isso ocorre por meio de diversas ações:
  • Gerar condições para que todos aprendam;
  • Acompanhar, avaliar e retroalimentar sistematicamente as práticas de ensino e avaliação dos docentes;
  • Monitorar a implementação integral do currículo e os avanços de aprendizagem em todos os âmbitos formativos dos estudantes;
  • Assegurar e implementar estratégias para identificar e apoiar o quanto antes aos estudantes que apresentem dificuldades de aprendizagem, de conduta, ou mesmo afetivas e sociais;
  • Identificar e difundir, entre docentes e equipe pedagógica, boas práticas de ensino e de gestão pedagógica;
  • Compreender, acompanhar e divulgar os resultados das aprendizagens dos alunos, tanto em avaliações externas como internas, bem como em diferentes desafios e situações que permitam avaliar os resultados do trabalho da escola (olimpíadas escolares, gincanas, seminários, feira de ciências, etc.)

Pergunta da plateia

Como romper a dicotomia entre gestão pedagógica e administrativa?

É necessário garantir a interligação entre essas duas dimensões da gestão. O integrador entre elas é o currículo. Tendo consciência do aluno que se quer formar e das competências que se pretende que ele desenvolva, os gestores devem agir para resolver as questões administrativas que irão garantir que isso aconteça. “Se um professor pede a compra de livros, por exemplo, e o diretor está longe da prática de sala de aula, ele nega o recurso”, exemplifica Perez. Para debater esses desafios, a especialista recomenda que se criem fóruns de discussão entre pares. “Espaços em que diretores podem conversar com outros diretores e coordenadores podem conversar com outros coordenados têm se mostrado muito potentes”, afirma.

Perez ressalta a importância de acompanhar estudantes que apresentem algum tipo de dificuldade de aprendizagem. Segundo a especialista, há 6 milhões de estudantes no Brasil que apresentam distorção idade-série, ou seja, que estão matriculados em uma turma pelo menos 2 anos mais jovem do que aquela em que deveriam estar. "Há perdas emocionais ligadas à reprovação, porque esses estudantes passam a ser vistos pelas famílias como alguém que não serve para estudar. E para a sociedade também há perdas, porque eles apresentam maiores chances de sair da escola", afirma a especialista.

Entre os princípios que devem guiar o trabalho dos gestores, Perez sublinha o enfrentamento das desigualdades. "Boa parte dos jovens que desistem da escola são negros. Ainda temos muita dificuldade de ver o que acontece dentro da escola. Nas instituições em que a maioria é negra, a aprendizagem é mais baixa. Isso se dá em função da nossa expectativa de aprendizagem", ressalta.

Gestão compartilhada e clima escolar

Com cada vez mais demandas direcionadas às escolas, Tereza Perez conta que é comum ouvir queixas de educadores: "Mas agora às famílias não educam mais!", "Esperam que a escola ensine tudo!". Para a especialista, ficar na reclamação não é a melhor atitude. Ela defende que as instituições se alinhem e busquem trabalhar, o máximo possível, em parceria com famílias. Isso depende de uma articulação importante da gestão escolar. "A gente às vezes tem uma postura de pensar que já sabe como é melhor e qual é o melhor caminho", aponta ela, que recomenda tentar deixar de lado essa atitude para construir soluções coletivas.

Quem é Tereza Perez
Diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC e líder de diversas iniciativas voltadas para a melhoria das condições de aprendizagem nas escolas públicas brasileiras. Atualmente está à frente de projetos e programas de formação continuada que envolvem cerca de 8 mil educadores em mais de 170 redes de ensino municipais e estaduais do país. Participou, como co-autora e coordenadora, de publicações voltadas à sistematização de conhecimentos sobre políticas públicas educacionais e práticas pedagógicas, tais como Projeto Político-Pedagógico: Orientações para o Gestor Escolar Entender, Criar e Revisar o PPP e BNCC na Prática da Gestão Escolar e Pedagógica.

A promoção de uma gestão democrática, compartilhada e participativa está diretamente relacionada ao clima escolar – o conjunto de percepções de todos os envolvidos sobre a instituição de ensino –, que, por sua vez, é fundamental para a promoção da aprendizagem. Segundo diversos estudos, em instituições com maior senso de pertencimento, de justiça, com melhores relações entre alunos e entre professores e alunos, os efeitos de disparidades socioeconômicas são atenuados, assim como as dificuldades de aprendizagem.

Elaborar estratégias para construir regras em parceria com os estudantes, convidá-los a pensar nas sanções para o descumprimento delas e cultivar as boas relações dentro da instituição também é uma parte importante do trabalho de gestores escolares. "Um clima escolar favorável àaprendizagem tem um peso muito grande não só para os alunos, mas também para o convívio e para as famílias", resume Perez.