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Comentário de Alfredo Bosi

por Mauro Bellesa - publicado 26/06/2013 18:40 - última modificação 04/08/2021 17:39

O professor Alfredo Bosi enviou comentário por escrito para o debate "O Que Está Acontecendo?", realizado pelo IEA no dia 21 de junho de 2013.

Caro prof. Martin Grossmann e prezados participantes do debate sobre O Que Está Acontecendo?,

Antes de mais nada, felicito a direção do IEA por ter promovido um debate democrático e aberto sobre as recentes manifestações que, a partir de São Paulo, se multiplicaram por numerosas cidades do país. As perguntas que nos foram dirigidas são incisivas, o que facilita a dinâmica da discussão.

O que está acontecendo? É a pergunta prioritária, pois exprime o sentimento de perplexidade de que fomos tomados em face de um movimento de tamanha proporção, não só aparentemente, mas explicitamente dirigido como protesto pelo aumento de 20 centavos nas tarifas de ônibus da cidade.

Não só eu mesmo, como cidadão, mas a maioria absoluta das pessoas com quem conversei, manifestaram essa perplexidade. O que foi a melhor reação, aquela que Aristóteles reconhecia como primeiro passo para o entendimento de todo e qualquer problema: a estupefação, a "maravilha", no sentido clássico de espanto pelo insólito, é sempre um bom começo, na medida em que evita a passagem da percepção para a do juízo de valor, que, no caso, parece precipitado.

O mínimo que se pode dizer é que está acontecendo um fenômeno de massa, constituído principalmente de jovens, provavelmente estudantes na sua maioria, arregimentados pelos meios eletrônicos acionados pelas redes sociais.

Como analisar? Passado o primeiro patamar do reconhecimento do caráter novo ou original do acontecimento, isto é, da manifestação de massa promovida e divulgada sobretudo pelos meios eletrônicos, começam as perguntas analíticas: quem está se manifestando; a favor ou contra o quê os participantes das passeatas estão se manifestando; e, já na fase de julgamento de valor, quais os ganhos e quais os riscos desse movimento para a construção de uma sociedade aberta aos valores da cidadania e da participação democrática.

Quem está se manifestando são jovens que estão tendo oportunidade de, talvez pela primeira vez, protestar maciçamente contra o que lhes parece abuso do poder estatal em um dos itens vitais do cotidiano, que é o valor das tarifas de transporte público. Salvo engano por falta de informação, não tenho notícia de que o movimento apresente um número expressivo de operários ou empregados de serviços, talvez porque essas categorias não disponham de tempo livre para participar das passeatas. Mas seria preciso averiguar mais de perto a situação profissional dos manifestantes, o que não é fácil nas circunstâncias presentes.

A favor ou contra. Também aqui estamos na esfera das hipóteses. A favor da livre manifestação pública, portanto a favor da livre expressão de valores em si democráticos — este me parece um ponto consensual dos analistas. Governo, imprensa, universidade e todas as instâncias envolvidas no processo são (ou ficaram ) unânimes no reconhecimento do direito de manifestação de segmentos da população. É um ganho que convém realçar em primeiro lugar.

Contra o quê? Aqui permito-me desdobrar o sentido da interrogação. Contra a falta de participação democrática na gestão das administrações (no caso principalmente municipais e estaduais). Este é um aspecto fundamental: a democracia puramente formal e representativa em termos eleitorais está em crise, e o seu descrédito merecido exige alguma resposta, ainda que difusa e insuficientemente articulada.

E contra, obviamente, a repressão policial, aspecto que nos inquieta a todos, pois a presença indesejada de grupos dispostos ao vandalismo provoca um endurecimento perigoso das forças de segurança.

O que prever? Não temos bola de cristal. As administrações públicas estão alertadas a respeito da arbitrariedade desta ou daquela decisão que porventura tenham tomado em nível tecnocrático.

Como tornar viável uma democracia participativa -que me parece o ideal- pela qual os grandes problemas da cidade possam ser tratados com alguma racionalidade, caminho equidistante entre a tecnocracia e a pressão das massas?

Este é o máximo problema de nossa rotina parlamentar e executiva. Essa distância atinge todos os partidos políticos, apesar da retórica acionada nos momentos pré-eleitorais.

As manifestações que nos deixam perplexos podem ser um primeiro passo para que se pense a fundo esse problema vital.

Alfredo Bosi